TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEGUNDA SEMANA. SEXTA‑FEIRA
– O Senhor conta‑nos entre os seus amigos íntimos.
– Aprendemos de Jesus a ter muitos amigos. O cristão está sempre aberto aos outros.
– A caridade melhora e fortalece a amizade.
I. APÓS O BANQUETE que Mateus ofereceu ao Senhor e aos seus amigos logo depois da sua chamada, alguns judeus aproximaram‑se de Jesus e perguntaram‑lhe por que os seus discípulos não jejuavam como faziam os fariseus e os discípulos de João. E Jesus respondeu‑lhes: Porventura podeis obrigar os amigos do esposo a jejuar enquanto o esposo está com eles? E aludindo expressamente à morte que iria padecer, disse‑lhes: Quando o esposo lhes for arrebatado, então jejuarão1.
Entre os hebreus, o noivo comparecia à cerimônia de bodas acompanhado por outros jovens da sua idade, seus amigos íntimos, que formavam uma espécie de escolta de honra. Chamavam‑se amigos do esposo2, e a sua missão era honrar aquele que se ia casar, alegrar‑se com as suas alegrias, participar de um modo muito particular dos festejos que se organizavam após a cerimônia. Ora bem, a imagem nupcial é empregada freqüentemente no Antigo Testamento para exprimir as relações de Deus com o seu povo3. E também a Nova Aliança do Messias com o seu povo, a Igreja, é descrita sob essa imagem. João Batista já chamara esposo a Cristo, e a si mesmo amigo do esposo4.
Jesus chama amigos íntimos – amigos do esposo – aos que o seguem, a nós; fomos convidados a participar mais intimamente das suas alegrias, do banquete nupcial, que é figura dos bens sem fim do Reino dos Céus. Em diversas ocasiões o Senhor distinguiu os seus com o honroso título de amigos. Um dia, estendendo a mão sobre os seus discípulos, pronunciou estas consoladoras palavras: E ensinou‑nos que aqueles que crêem e o seguem com obras – os que cumprem a vontade de meu Pai – ocupam no seu coração um lugar de predileção e estão unidos a Ele por laços mais fortes que os do sangue. No discurso da Última Ceia, dir‑lhes‑á com simplicidade e sinceridade comovedoras: Como o Pai me amou, assim também eu vos amei… Chamei‑vos amigos porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai6.
O Senhor quis ser exemplo de amizade verdadeira e esteve aberto a todos os que se aproximavam dEle, atraindo‑os com especial ternura e afeto.
“Deixava escapar então – comenta São Bernardo com palavras muito belas – toda a suavidade do seu coração; abria a sua alma totalmente e dela se espargia como vapor invisível o mais delicado perfume, o perfume de uma alma formosa, de um coração generoso e nobre”7. E convertia‑se em amigo fiel e abnegado de todos. Do seu ser emanava um poder de atração que São Jerônimo comparou ao de um ímã extraordinário8.
Jesus chama‑nos amigos. E ensina‑nos a acolher a todos, a ampliar e desenvolver constantemente a nossa capacidade de amizade. Mas só aprenderemos dEle se procurarmos o seu convívio na intimidade de uma oração confiada: “Para que este nosso mundo caminhe por um trilho cristão – o único que vale a pena –, temos de viver uma leal amizade com os homens, baseada numa prévia leal amizade com Deus”9.
II. JESUS TEVE AMIGO Sem todas as classes sociais e em todas as profissões: eram de idade e de condições muito diversas. Desde pessoas de grande prestígio social, como Nicodemos ou José de Arimatéia, até mendigos como Bartimeu. Na maior parte das cidades e aldeias, encontrava pessoas que lhe queriam bem e que se sentiam correspondidas por Ele, amigos que nem sempre o Evangelho menciona pelos nomes, mas cuja existência se pode entrever.
Em Betânia, a família de Lázaro estava unida ao Mestre por fortes laços de amizade, como se vê pela mensagem ao mesmo tempo confiante e dolorosa que Maria e Marta lhe fazem chegar quando Lázaro adoece gravemente: Senhor, aquele a quem amas está doente10. Jesus amava Marta, Maria e Lázaro. Quando chegou a Betânia, Lázaro já estava morto havia quatro dias. E, para surpresa de todos, Jesus chorou. Disseram então os judeus: Vede como o amava11. Jesus chora por um amigo! Derrama em silêncio lágrimas de homem; os que ali se encontravam ficaram profundamente admirados.
Nunca devemos cansar‑nos de considerar quanto o Senhor nos quer. “Jesus é teu amigo. – O Amigo. – Com coração de carne como o teu. – Com olhos de olhar amabilíssimo, que choraram por Lázaro… – E, tanto como a Lázaro, te ama a ti”12.
Jesus gostava de conversar com as pessoas que o procuravam ou com as que encontrava pelo caminho. Aproveitava essas conversas, que muitas vezes começavam por temas intranscendentes, para chegar ao fundo das suas almas e enchê‑las de amor.
Todas as circunstâncias lhe foram propícias para fazer amigos e transmitir‑lhes a mensagem divina que tinha trazido à terra. Nós não devemos esquecer que “amizade e caridade fazem uma só coisa: luz divina que dá calor”13.
Com os amigos compartilha‑se o melhor que se possui, e nós não temos nada que valha tanto como a amizade com Jesus Cristo, robustecida ao longo dos anos, depois de tantos momentos de oração – quantas coisas Lhe dissemos até hoje –, de tantas ocasiões junto do Sacrário. Não lhes abriremos o coração, falando‑lhes a sós desse Amigo que queremos que seja também Amigo de cada um deles?
Quem priva da intimidade com Cristo não sabe nem consegue guardar para si esse achado que o impressiona e o torna feliz cada vez que se abeira dele para contemplá‑lo. Não nos hão de faltar palavras para falar de Cristo aos nossos amigos, sobretudo se formos homens e mulheres de oração, que lêem assiduamente o Evangelho e meditam nas suas passagens como se fossem protagonistas. Quando pudermos dizer com São Paulo: “O meu viver é Cristo”14, estaremos em condições de fazer com que os nossos amigos o sejam também do Senhor, e assim sejam também mais verdadeiramente amigos nossos.
III. UM AMIGO FIEL é um protetor poderoso; quem o encontra descobre um tesouro. Nada vale tanto como o amigo fiel; o seu preço é incalculável15. É com essas palavras que a Sagrada Escritura nos fala do valor da amizade, ao mesmo tempo que nos ensina que é preciso procurá‑la, empregar os meios adequados para encontrá‑la. E, uma vez encontrada, é necessário cultivá‑la, superando o tempo, as distâncias, e tudo aquilo que tende a esfriá‑la: a diversidade de gostos, opiniões, interesses…
A amizade requer que ajudemos o amigo. “Se descobres algum defeito no teu amigo, corrige‑o em segredo […]. As correções fazem bem e são de maior proveito que uma amizade muda”16, que se cala enquanto vê o amigo afundar‑se.
A amizade deve ser perseverante. “Não mudemos de amigo como fazem as crianças, que se deixam levar pela onda fácil dos sentimentos”17. Não tenhas vergonha de defender o amigo18. “Não o abandones no momento da necessidade, não o esqueças, não lhe negues o teu afeto, porque a amizade é o alicerce da vida. Carreguemos uns as cargas dos outros, como nos ensinou o Apóstolo… Se a prosperidade de um é proveitosa a todos os seus amigos, por que na adversidade não irá encontrar a ajuda de todos esses amigos? Ajudemo‑lo com os nossos conselhos, unamos os nossos esforços aos seus, participemos das suas aflições.
“Quando for necessário, suportemos até grandes sacrifícios por lealdade para com o amigo. Talvez tenhamos que enfrentar inimizades para defender a causa do amigo inocente, e, com muita freqüência, receber insultos quando procuremos rebater e responder àqueles que o atacam e acusam […]. É na adversidade que se provam os amigos verdadeiros, pois na prosperidade todos parecem fiéis”19.
A caridade sobrenatural fortalece e enriquece a amizade. O amor a Cristo torna‑nos mais humanos, com maior capacidade de compreensão, mais abertos a todos.
Se Cristo for o nosso melhor amigo, aprenderemos a fortalecer uma relação que talvez estivesse a ponto de se desfazer, a tirar um obstáculo, a superar o egoísmo e a comodidade de permanecermos fechados em nós mesmos. Junto do Senhor, saberemos tornar melhores, levar à santidade, os nossos amigos, porque lhes transmitiremos a fé em Cristo. Ao longo dos séculos, quantos não foram os que transitaram pelo caminho da amizade para chegar ao Senhor!
Olha para Cristo. Bem sabes que Ele te considera entre os seus amigos íntimos. Somos os amigos do Esposo. Aplicadas a Cristo, alcançam a sua plenitude as palavras que lemos no Livro do Eclesiástico: Nada se pode comparar ao amigo fiel20. O Senhor levou a sua fidelidade ao extremo de dar a vida por cada um de nós. Aprendamos dEle a ser amigos dos nossos amigos, e não deixemos de lhes dar o melhor que temos: o amor a Jesus.
(1) Lc 5, 33‑39; (2) 1 Mac 9, 39; (3) cfr. Ex 34, 16; Is 54, 5; Jer 2, 2; Os 2, 18 e segs.; (4) Jo 3, 29; (5) cfr. Mt 12, 49‑50; (6) Jo 15, 9.15; (7) São Bernardo, Comentário ao Cântico dos Cânticos, 31, 7; (8) cfr. São Jerônimo, Comentário ao Evangelho de São Mateus, 9, 9; (9) Josemaría Escrivá, Forja, n. 943; (10) Jo 11, 3; (11) Jo 11, 35‑36; (12) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 422; (13) cfr. Josemaría Escrivá, Forja, n. 565; (14) Fil 1, 21; (15) Eclo 6, 14‑17; (16) Santo Ambrósio, Sobre o ofício dos ministros, III, 125; (17) ib.; (18) Eclo 22, 31; (19) Santo Ambrósio, op. cit., III, 126‑127; (20) Eclo 6, 14.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal