TEMPO COMUM. DÉCIMA PRIMEIRA SEMANA. SEXTA-FEIRA

– A família, “o primeiro ambiente apto para semear a semente do Evangelho”.
– Atenção delicada às pessoas que Deus deixou ao nosso cuidado.
– Dedicar-lhes o tempo necessário, que está acima de outros interesses. A oração em família.

I. O SENHOR ACONSELHA-NOS a não amontoar tesouros na terra, porque duram pouco e são inseguros e frágeis: a traça e a ferrugem os corroem, ou os ladrões arrombam e os roubam 1. Por muito que consigamos amealhar durante uma vida, não vale a pena. Nenhuma coisa da terra merece que ponhamos nela o coração de modo absoluto.

O coração está feito para Deus e, em Deus, para todas as coisas nobres da terra. É muito útil perguntarmo-nos de vez em quando: onde tenho o meu coração? Em que penso de forma habitual? Qual é o centro das minhas preocupações mais íntimas?… Será que é Deus, presente no Sacrário, talvez a pouca distância do lugar onde moro ou do escritório em que trabalho, ou, pelo contrário, são os negócios, o estudo, o trabalho, ou os egoísmos insatisfeitos, a ânsia de ter mais?

Se muitos homens e mulheres respondessem com sinceridade a essas perguntas, talvez tivessem que dar uma resposta muito dura: penso em mim, só em mim, e nas coisas e pessoas na medida em que se relacionam com os meus próprios interesses. Mas nós queremos pôr o coração em Deus, na missão que recebemos dEle, e nas pessoas e coisas por Deus. Jesus, com uma sabedoria infinita, diz-nos: Entesourai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os corroem, e onde os ladrões não arrombam e os roubam. Pois onde estiver o teu tesouro, ali estará o teu coração.

O nosso coração deve estar posto no Senhor, porque Ele é o tesouro de modo absoluto e real. E não o é a saúde, nem o prestígio, nem o bem-estar… Unicamente Cristo. E por Ele, de maneira ordenada, os demais afazeres nobres de um cristão que vive vocacionalmente no mundo. O Senhor quer, de modo particular, que ponhamos o coração nos membros da nossa família humana ou sobrenatural, pois são aqueles que devemos levar a Deus em primeiro lugar, são a primeira realidade que devemos santificar.

A preocupação pelos outros ajuda o homem a sair do seu egoísmo, a crescer em generosidade, a encontrar a alegria verdadeira. Quem se sabe chamado por Deus para segui-lo de perto já não se considera a si próprio como o centro do universo, porque encontrou muitos a quem servir e neles vê Cristo necessitado2.

O exemplo dos pais ou dos irmãos no lar é em muitos casos decisivo para os demais membros, que assim aprendem a ver o mundo a partir de um ambiente cristão. A família é por vontade divina de tal importância que nela “tem o seu princípio a ação evangelizadora da Igreja”3. Ela “é o primeiro ambiente apto para semear a semente do Evangelho e o lugar em que pais e filhos, como células vivas, vão assimilando o ideal cristão do serviço a Deus e aos irmãos”4.

É um lugar esplêndido de apostolado. Examinemos hoje se a nossa família é assim, se somos levedura que vai transformando pouco a pouco os que vivem conosco; se pedimos freqüentemente ao Senhor a vocação dos filhos ou dos irmãos – ou mesmo dos pais – para uma entrega plena a Deus: a maior graça que o Senhor lhes pode dar, o verdadeiro tesouro que muitos podem encontrar.

II. A FAMÍLIA é a peça mais importante da sociedade, aquela em que Deus tem o seu apoio mais firme. E é talvez a mais atacada das frentes: são os sistemas de impostos e políticas educativas que ignoram o valor da família, são o materialismo e o hedonismo que procuram fomentar uma concepção familiar antinatalista, é o falso sentido da liberdade e da independência, são os programas sociais que não favorecem que as mães possam dedicar o tempo necessário aos filhos…

Em muitos lugares, princípios tão elementares como o direito dos pais à educação dos filhos foram esquecidos por muitos cidadãos que, diante do poder do Estado, acabam por acostumar-se ao seu intervencionismo excessivo, renunciando ao dever de exercerem um direito que é irrenunciável. Devido em parte a essas inibições, impõem-se às vezes tipos de ensino orientados por uma visão materialista do homem: linhas pedagógicas e didáticas, textos, esquemas, programas e material escolar que minam intencionalmente a natureza espiritual da alma humana.

Os pais devem ser conscientes de que nenhum poder terreno pode eximi-los de uma responsabilidade que lhes foi conferida por Deus com relação aos filhos. E, além dos pais, todos recebemos, de formas diversas, a missão de cuidar dos outros: o sacerdote, das almas que atende; o professor, dos seus alunos; e tantas outras pessoas que têm uma tarefa de formação espiritual. Ninguém responderá por nós diante de Deus quando nos perguntar: Onde estão os que te confiei? Oxalá possamos responder: Não perdi nenhum dos que me deste5, porque soubemos empregar, Senhor, com a tua graça, os meios ordinários e extraordinários para que ninguém se extraviasse.

Todos devemos poder dizer a respeito dos que nos foram confiados: Cor meum vigilat – o meu coração está vigilante; é a inscrição que se lê diante de uma das muitas imagens de Nossa Senhora em Roma. O Senhor nos quer vigilantes com todos, mas antes de mais nada com os nossos, com aqueles que nos confiou. Pede-nos um amor atento, um amor capaz de perceber que determinado membro da família descuida os seus deveres para com Deus, e então ajudamo-lo com carinho; ou que está triste e isolado dos demais, e temos mais atenções com ele… Pede-nos um coração vigilante que saiba reagir se percebe que se introduzem na família modos de proceder que desdizem de um lar cristão, se se vêem programas de televisão sem os selecionar ou com excessiva freqüência, se há um clima de indolência e desleixo, se há frieza ou indiferença deste ou daquele para com os outros…

E procura-se corrigir essas falhas sem irritações, dando exemplo, com oração, com mais detalhes de carinho. E se alguém fica doente, todos ajudam, porque aprendemos que os enfermos são prediletos de Deus e nesse momento a pessoa que sofre é o tesouro da casa; e ajudam-no a oferecer a sua doença, a rezar alguma oração, e procuram que sofra o menos possível, porque o carinho tira a dor ou a alivia; pelo menos, faz dela uma dor diferente.

III. PENSEMOS HOJE NA NOSSA ORAÇÃO se a família e as pessoas que temos ao nosso cuidado ocupam no nosso coração o lugar querido por Deus. Juntamente com a própria vocação, esse, sim, é um tesouro que dura até à vida eterna. Talvez percebamos algum dia que outros tesouros que nos pareciam importantes se converteram pela falta de retidão de intenção em traça e ferrugem, ou que eram tesouros falsos ou de pouco valor.

Numa época como a nossa, a melhor maneira de defender a família é, além do carinho humano verdadeiro, a preocupação de fazer com que Deus esteja presente de uma forma grata no lar: pela bênção dos alimentos, rezando com os filhos mais pequenos as orações da noite, lendo com os mais velhos algum versículo do Evangelho, rezando alguma oração breve pelos defuntos, assim como pelas intenções da família e do Papa. E o terço, a oração que os Sumos Pontífices tanto recomendaram que se rezasse em família e que tantas graças traz consigo. Pode-se rezá-lo num momento que combine com o horário familiar, durante uma viagem de carro…, e nem sempre tem que ser iniciativa da mãe ou da avó: o pai ou os filhos mais velhos podem prestar uma colaboração inestimável nesta grata tarefa. Muitas famílias conservaram também o saudável costume de irem juntos à Missa aos domingos.

Não é necessário que sejam numerosas as práticas de piedade em família, mas seria pouco natural que não houvesse alguma num lar em que todos ou quase todos crêem em Deus. Não teria sentido que todos individualmente se considerassem bons fiéis e isso não se refletisse na vida familiar. Costuma-se dizer que os pais que sabem rezar com os filhos encontram mais facilmente o caminho que os leva aos seus corações. E estes jamais esquecem pela vida fora a ajuda que receberam dos pais para rezar, para recorrer a Nossa Senhora em todas as situações. Quantos devem ter achado a porta do Céu graças às orações que um dia aprenderam dos lábios de sua mãe, da avó ou da irmã mais velha!

E unidos assim, com um carinho grande e com uma fé forte, todos resistem melhor e com mais eficácia aos ataques de fora. E se alguma vez chega a dor ou a doença, é melhor suportada por todos juntos, e é ocasião de uma maior união e de uma fé mais profunda. A Virgem Maria, nossa Mãe, ensinar-nos-á que o nosso tesouro está na chamada do Senhor, com tudo o que isso implica, e na própria casa, no próprio lar, nas pessoas que Deus quis vincular à nossa vida para sempre.

Dentro do Coração de Jesus encontraremos infinitos tesouros de amor6. Procuremos que o nosso coração se assemelhe ao dEle.

(1) cfr. Mt 6, 19-21; (2) cfr. F. Koenig, Carta pastoral sobre a família, 23-III-1977; (3) João Paulo II, Discurso em Guadalajara, 30-I-1979; (4) idem, Discurso aos bispos da Venezuela, 15-XI-1979; (5) Jo 18, 9; (6) cfr. Missal Romano, Oração coleta da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal