TEMPO DO NATAL DEPOIS DA EPIFANIA. 11 DE JANEIRO

– Jesus, modelo de obediência.
– Frutos da obediência.
– Obediência e liberdade. Obediência por amor.

I. DEPOIS DO ENCONTRO no Templo, Jesus regressou à Galiléia com Maria e José. E desceu com eles, e veio para Nazaré, e era-lhes submisso1. O Espírito Santo quis que esse dado constasse do Evangelho, e a informação só pôde provir de Maria, que presenciou repetidas vezes a obediência silenciosa de seu Filho. É uma das poucas notícias que nos chegaram dos anos de vida oculta do Senhor: Jesus obedecia. “Cristo, a quem todo o universo está submetido – comenta Santo Agostinho –, submeteu-se aos seus”2. Por obediência ao Pai, submeteu-se àqueles que na sua vida terrena encontrou investidos de autoridade; em primeiro lugar, aos seus pais.

Nossa Senhora deve ter refletido muitas vezes a respeito da obediência de Jesus, que foi extremamente delicada e ao mesmo tempo simples e cheia de naturalidade. São Lucas diz-nos, imediatamente depois da cena do Templo, que sua mãe guardava todas estas coisas em seu coração3.

Toda a vida de Jesus foi um ato de obediência à vontade do Pai: Eu faço sempre o que é do seu agrado4, afirmará mais tarde. E em outra ocasião dirá claramente aos seus discípulos: Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e concluir a sua obra5.

É do alimento que se tiram as energias para viver. E Jesus diz-nos que a obediência à vontade de Deus – manifestada de formas tão diversas – deverá ser o alimento e o sentido das nossas vidas. Sem obediência, não há crescimento na vida interior nem verdadeiro desenvolvimento da pessoa humana; a obediência, “longe de reduzir a dignidade humana, leva-a à maturidade pela mais ampla liberdade dos filhos de Deus”6.

Não há nenhuma situação em nossa vida que seja indiferente para Deus. Em cada momento Ele espera de nós uma resposta: a que coincide com a sua glória e com a nossa felicidade pessoal.

Quando obedecemos, somos felizes porque fazemos o que o Senhor quer para nós, que é o que nos convém, ainda que vez por outra nos custe.

A vontade de Deus a nosso respeito manifesta-se através dos mandamentos, da sua Igreja, dos acontecimentos que se produzem, e também das pessoas a quem devemos obediência.

II. A OBEDIÊNCIA é uma virtude que nos torna muito gratos a Deus. A Sagrada Escritura narra a desobediência de Saul a uma indicação que recebera do Senhor. E apesar da sua vitória sobre os amalecitas e dos sacrifícios que ofereceu pessoalmente logo a seguir, o Senhor arrependeu-se de tê-lo feito rei e disse-lhe pela boca do profeta Samuel: Melhor é a obediência do que as vítimas7. A este propósito, comenta São Gregório: “Com razão se antepõe a obediência aos sacrifícios porque, mediante a obediência, imola-se a própria vontade”8. Pela obediência, manifestamos a entrega de nós mesmos ao Senhor.

O Evangelho mostra-nos como é a obediência de nossa Mãe Santa Maria, que a si própria se chama a escrava do Senhor9 e manifesta não ter outra vontade que não a do seu Deus. E São José obedece também, sempre com presteza instantânea, às coisas que lhe são ordenadas da parte do Senhor10.

Os Apóstolos, apesar das suas limitações, sabem obedecer. E, porque confiam no Senhor, lançam a rede à direita da barca11, onde Jesus lhes dissera, e obtêm uma pesca abundante, apesar da inoportunidade da hora e de terem experimentado que naquele dia não parecia haver um só peixe em todo o lago. A obediência e a fé na palavra do Senhor operam milagres.

São muitas as graças e frutos que resultam da obediência. Os dez leprosos são curados por terem obedecido às palavras do Senhor: Ide e mostrai-vos aos sacerdotes. E aconteceu que, enquanto iam, ficaram limpos12. E o mesmo aconteceu com aquele cego a quem o Senhor pôs lodo nos olhos e disse:Vai e lava-te na piscina de Siloé, que significa Enviado. Foi, pois, lavou-se e voltou com vista13. “Que exemplo de firmeza na fé nos dá este cego! Uma fé viva, operativa. É assim que te comportas com as indicações que Deus te faz, quando muitas vezes estás cego, quando a luz se oculta por entre as preocupações da tua alma? Que poder continha a água, para que os olhos ficassem curados ao serem umedecidos? Teria sido mais adequado um colírio misterioso, um medicamento precioso preparado no laboratório de um sábio alquimista. Mas aquele homem crê; põe em prática o que Deus lhe ordena, e volta com os olhos cheios de claridade”14.

Quantas vezes também não iremos nós encontrar a luz nessa pessoa colocada por Deus para que nos guie e nos cure, se formos dóceis em obedecer! Deus Pai outorga o Espírito Santo aos que obedecem15, lê-se nos Atos dos Apóstolos. O Evangelho mostra-nos muitos exemplos de pessoas que souberam obedecer: os servos de Caná da Galiléia16, os pastores de Belém17, os Magos18… Todos receberam abundantes graças de Deus.

“A obediência torna meritórios os nossos atos e sofrimentos, de tal modo que, por mais inúteis que possam parecer, chegam a ser muito fecundos. Uma das maravilhas realizadas por Nosso Senhor é ter feito com que fosse proveitosa a coisa mais inútil de todas: a dor. Ele a glorificou mediante a obediência e o amor. A obediência é grande e heroica quando, para cumpri-la, se está disposto a ir até à morte e à ignomínia”19.

III. “JESUS CRISTO, cumprindo a vontade do Pai, inaugurou na terra o Reino dos céus, revelou-nos o seu mistério e realizou a redenção mediante a sua obediência”20. E São Paulo diz-nos que Ele se humilhou, fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz21. No horto de Getsêmani, a obediência de Jesus alcança o seu ponto culminante, quando renuncia completamente à sua vontade para aceitar o peso de todos os pecados do mundo e assim redimir-nos: Pai, não se faça o que eu quero, mas o que tu queres22.

Não nos admiremos se, ao abraçarmos a obediência, encontramos a cruz. A obediência exige, por amor a Deus, que renunciemos ao nosso eu, à nossa mais íntima vontade.

“Certa vez disse-me o Senhor – conta Santa Teresa – que não se tratava de obedecer, mas de estar determinada a padecer; que pusesse os olhos naquilo que Ele havia padecido e tudo se tornaria fácil”23.

Cristo obedece por amor. Este é o sentido da obediência cristã: tanto da que se deve a Deus e aos seus mandamentos, da que se deve à Igreja – aos seus preceitos e à doutrina do Magistério –, como da que se deve aos pais e às indicações e conselhos que dizem respeito às coisas mais íntimas da nossa alma. Em todos esses casos, de forma mais ou menos direta, estamos obedecendo a Deus. E o Senhor não quer servidores de má vontade, mas filhos que desejam cumprir a sua vontade.

A obediência, que sempre exige submissão e entrega de si, não é falta de liberdade nem de maturidade. Há vínculos que escravizam e vínculos que libertam. A corda que une o alpinista aos seus companheiros de escalada não é uma corrente que perturba, mas um laço que dá segurança e evita a queda no abismo. E os ligamentos que unem as partes do corpo não são obstáculos que impedem os movimentos, mas garantia de que estes se possam realizar com desenvoltura, harmonia e firmeza.

A obediência é instrumento da verdadeira educação do caráter e fonte de grande paz de alma, que são frutos do sacrifício e da renúncia à vontade própria por um bem mais alto. Quando se serve a Deus através da obediência, adquire-se a verdadeira liberdade: Deo servire, regnare est. Servir a Deus é reinar… Ó Deus, nós vos pedimos que aqueles que nos gloriamos em obedecer aos preceitos de Cristo, Rei do Universo, vivamos eternamente com Ele no Reino dos céus24.

Se nos esforçarmos por viver muito unidos à Virgem Maria, aprenderemos facilmente a obedecer com prontidão, alegria e eficácia. “Procuremos aprender também o seu exemplo de obediência a Deus, nessa delicada combinação de escravidão e fidalguia. Em Maria não há nada que lembre a atitude das virgens néscias, que obedecem, mas estouvadamente. Nossa Senhora ouve com atenção o que Deus quer, pondera o que não entende, pergunta o que não sabe. Depois, entrega-se por completo ao cumprimento da vontade divina: Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 38)”25.

(1) Lc 2, 51; (2) Santo Agostinho, Sermão 51, 19; (3) Lc 2, 51; (4) Jo 8, 29; (5) Jo 4, 34; (6) Concílio Vaticano II, Decreto Perfectae caritatis, 14; (7) 1 Sam 15, 22; (8) São Gregório Magno, Moralia, 14; (9) Lc 1, 38; (10) cfr. Mt 2, 13-15; (11) Jo 21, 6; (12) Lc 17, 14; (13) Jo 9, 6-7; (14) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 193; (15) At 5, 32; (16) cfr. Jo 2, 3 e segs.; (17) cfr. Lc 2, 18; (18) cfr. Mt 2, 1-12; (19) R. Garrigou Lagrange, Las tres edades de la vida interior, 8ª ed., Palabra, Madrid, 1995, vol. II, pág. 683; (20) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 3; (21) Fil 2, 8; (22) Mc 14, 36; (23) Santa Teresa, Vida, 26; (24) Oração depois da Comunhão da Missa da Sexta-feira depois da Epifania; (25) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 173.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal