TEMPO COMUM. DÉCIMA SEMANA. SÁBADO
– O Senhor realça o valor da palavra dada. Nas situações normais, a nossa palavra deve bastar.
– Amor à verdade em todas as ocasiões e circunstâncias.
– Fidelidade e lealdade aos nossos compromissos.
I. NA ÉPOCA DE JESUS, a prática do juramento tornara-se abusiva, tanto pela sua freqüência como pela leviandade com que se pronunciava e pela casuística que surgira para legitimar o seu descumprimento. Jesus opõe-se a esse costume, e com a fórmula mas eu vos digo, que emprega freqüentemente para indicar a autoridade divina das suas palavras, proíbe que se invoque a Deus por testemunha, não só de coisas falsas, mas também de assuntos em que a palavra do homem deve bastar. Assim, diz o Evangelho de São Mateus na Missa de hoje 1: Seja a vossa palavra: sim, sim; não, não. O Senhor quer realçar e devolver o seu valor e força à palavra do homem de bem que se sente comprometido pelo que diz.
Jurar, isto é, invocar a Deus por testemunha de uma coisa que se afirma ou se promete, é lícito, e em determinadas ocasiões é necessário, quando se faz nas devidas condições. É então um ato da virtude da religião e dá honra ao nome de Deus. Mas já o profeta Jeremias sublinhava que o juramento grato a Deus deve ser feito em verdade, em juízo e em justiça 2; quer dizer, a afirmação deve ser verdadeira, formulada com prudência – nem ligeira nem temerária – e referida a uma coisa ou necessidade justa e boa.
Se a necessidade não o exige, a nossa palavra de cristãos e de homens honrados deve ser suficiente, porque devemos ser conhecidos como pessoas que buscam em tudo a verdade e que dão grande valor à palavra empenhada, pois nela se baseia toda a lealdade e fidelidade: a Cristo e aos compromissos livremente assumidos.
Nas situações normais da vida diária, a nossa palavra deve, pois, ser suficiente para dar toda a consistência necessária ao que afirmamos ou prometemos; mas, para que isso aconteça, devemos ser verazes no dia a dia, pelo cumprimento estrito dos nossos compromissos. É esse o conceito que fazem de nós no lugar em que trabalhamos, na família, entre os que se relacionam conosco? Sabem que procuramos não mentir nunca, nem sequer por brincadeira, ou para conseguir um bem, ou para evitar um mal maior?
II. NO ENSINAMENTO DE CRISTO, a hipocrisia e a falsidade são vícios muito combatidos 3, ao passo que a veracidade é uma das virtudes mais gratas ao Senhor: Eis um verdadeiro israelita, em quem não há duplicidade 4, diz Jesus de Natanael, quando o vê aproximar-se acompanhado por Filipe. Ele próprio é a Verdade 5; e o demônio, pelo contrário, é o pai da mentira 6.
A verdade transmite-se através do testemunho, do exemplo e da palavra: Cristo é testemunha do Pai 7; os Apóstolos 8, os primeiros cristãos, e nós agora, somos testemunhas de Cristo diante de um mundo que precisa de testemunhos vivos. E como é que os nossos amigos e colegas hão de crer na doutrina que queremos transmitir-lhes, se a nossa própria vida não se baseia num grande amor à verdade? Nós, cristãos, devemos poder dizer, como Jesus Cristo, que viemos ao mundo para dar testemunho da verdade 9, num momento em que muitos utilizam a mentira e o engano como uma ferramenta para escalar postos, para alcançar um maior bem-estar material ou para evitar compromissos e sacrifícios; ou simplesmente por covardia, por falta de caráter.
Devemos ser exemplares, estando dispostos a construir a nossa vida, o nosso patrimônio, a nossa profissão, sobre um grande amor à verdade. Não podemos sentir-nos tranqüilos quando está de permeio uma mentira. Devemos amar a verdade e empenhar-nos em encontrá-la, pois às vezes está tão obscurecida pelo pecado, pelas paixões, pela soberba, pelo materialismo…, que, se não a amássemos, não a poderíamos reconhecer. É tão fácil aceitar a mentira quando chega – dissimulada ou às claras – em reforço de um falso prestígio, de maiores lucros na profissão…! Mas diante da tentação, tantas vezes disfarçada sob inúmeros argumentos, devemos recordar a doutrina clara e diáfana de Jesus: Seja a vossa palavra: sim, sim; não, não10.
III. AO DARMOS A NOSSA PALAVRA, de certa forma damo-nos a nós próprios, comprometemo-nos no mais íntimo do nosso ser. Um cristão, um verdadeiro discípulo de Cristo, apesar dos seus defeitos e erros, deve ser leal, honesto, um homem de palavra; alguém que é fiel à sua palavra. Na Igreja, designamos os cristãos por fiéis, para expressar a sua condição de membros do Povo de Deus adquirida pelo Batismo11. Mas é fiel também a pessoa que inspira confiança, em quem podemos confiar, aquela cujo comportamento corresponde à confiança nela depositada, àquilo que dela exigem o amor, a amizade, o dever, e que é fiel a uma promessa, à palavra dada…12 Na Sagrada Escritura, o qualificativo fiel é atribuído ao próprio Deus, porque ninguém como Ele é digno de confiança de modo tão eminente. Ele é sempre fiel às suas promessas, não falha nunca. Fiel é Deus – diz São Paulo aos Coríntios –, que não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças…13
É fiel quem é leal à sua palavra. E é leal quem cumpre os seus compromissos: com Deus e com os homens. Mas a sociedade revela-se muitas vezes cheia de dúvidas e de relativismo, saturada de um ambiente de infidelidade; muitas pessoas, de todas as idades, parecem desconhecer a obrigação efetiva de serem fiéis à palavra empenhada, de levarem adiante os compromissos que adquiriram com total liberdade, de manterem uma conduta coerente com as decisões que tomaram na presença de Deus ou diante dos homens: na vida religiosa e na vida civil.
Estendeu-se por toda a parte uma idéia – às vezes, um sentimento difuso – de que os compromissos assumidos com Deus – os compromissos do Batismo – ou diante dEle – como o casamento – são uma espécie de “ideal”, uma meta para a qual se deve tender, mas que no fundo não obrigam em todas as situações porque há situações em que são inatingíveis. Nós, pelo contrário, devemos estar firmemente persuadidos de que sempre é possível viver as virtudes e os compromissos da vocação a que Deus nos chamou, com todas as suas conseqüências.
O cristão, esmerando-se na lealdade, não cederá quando as exigências morais forem ou parecerem mais duras. Temos que pedir a Deus esta retidão de consciência: quem cede, teoricamente “desejaria” viver as virtudes, “desejaria” não pecar, “desejaria” não desistir, mas acha que, se a tentação for forte ou as dificuldades grandes, estará praticamente justificado se vier a ceder.
Isto pode acontecer em face dos compromissos no trabalho, da necessidade de repelir com energia um clima de sensualidade, quando são necessários recursos pesados para a educação dos filhos, ou ante as exigências da fidelidade no casamento ou no caminho vocacional. Recordemos hoje na nossa oração a clara advertência de Jesus: Caiu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos e irromperam contra aquela casa, mas ela não desabou porque estava fundada sobre rocha14. A rocha é Cristo, que nos oferece sempre a sua fortaleza.
Fiéis a Cristo: este é o maior elogio que nos podem fazer; que Jesus Cristo possa contar conosco sem limitações de circunstâncias ou de futuro, que os nossos amigos saibam que não lhes falharemos, que a sociedade a que pertencemos possa apoiar-se, como num alicerce firme, nos pactos que subscrevemos, na palavra empenhada de modo livre e responsável. “Quando viajamos à noite de trem, nunca nos ocorreu pensar de repente que a vida de várias centenas de pessoas está nas mãos de um maquinista, de um agulheiro que, sem se importarem com o frio e o cansaço, permanecem nos seus postos? A vida de todo um país, a vida do mundo, dependem da fidelidade dos homens no cumprimento do seu dever profissional, da sua função social; de que cumpram fielmente os seus contratos e mantenham a palavra dada”15, sem necessidade de invocarem a Deus por testemunha, como homens íntegros.
Seja a vossa palavra: sim, sim; não, não. Homens de palavra, leais no cumprimento dos pequenos deveres diários, sem mentiras nem enganos no exercício da profissão, simples e prudentes, fugindo daquilo que não é claro: honestidade sem fissuras, diáfana. Se vivermos esta lealdade no humano, com a ajuda da graça seremos leais a Cristo, que é afinal o que importa. Não poderíamos construir a integridade da nossa fidelidade a Cristo sobre uma lealdade que metesse água cada dia no relacionamento humano.
Que alegria quando, no meio de uma dificuldade, um amigo se aproxima de nós e nos diz: “Pode contar comigo”! Agradará também a Deus que lhe digamos hoje na nossa oração, com a simplicidade de quem conhece a sua fraqueza: Senhor, podes contar comigo! Para sempre!
Peçamos a Maria Santíssima, Virgo fidelis, Virgem fiel, que nos ajude a ser leais e fiéis, à custa da própria vida, se for preciso.
(1) Mt 5, 33-37; (2) Jer 4, 2; (3) cfr. Mt 23, 13-32; (4) Jo 1, 47; (5) Jo 14, 6; (6) Jo 8, 44; (7) Jo 3, 11; (8) At 1, 8; (9) Jo 14, 6; (10) Mt 5, 37; (11) cfr. A. del Portillo, Fieles y laicos en la Iglesia, EUNSA, Pamplona, 1969, pág. 28 e segs.; (12) M. Moliner, Dicionário, verbete “Fiel”; (13) 1 Cor 10, 13; (14) Mt 7, 25; (15) G. Chevrot, Mas eu vos digo…, pág. 180.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal