TEMPO COMUM. TRIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO. ANO B

– Dar não só do supérfluo, mas até daquilo que nos parece necessário.
– A esmola manifesta o nosso amor e a nossa entrega ao Senhor.
– Deus recompensa de sobra a nossa

I. A LITURGIA DESTE DOMINGO apresenta-nos a generosidade de duas mulheres que mereceram ser louvadas por Deus. Na primeira Leitura1, narra-se como Elias pediu de comer a uma viúva que encontrou às portas da cidade de Sarepta. Eram dias de seca e de fome, mas aquela mulher partilhou com o Profeta aquilo que lhe restava, até o último punhado de farinha, e confiou nas palavras daquele homem de Deus: A farinha que está na panela não faltará, nem diminuirá na almotolia o azeite, até ao dia em que o Senhor faça cair chuva sobre a terra. E assim aconteceu. Essa mulher teria a honra de ser lembrada por Jesus2.

O Evangelho da Missa apresenta-nos o Senhor sentado diante do cofre das oferendas para o Templo3. Observava como as pessoas depositavam ali as suas esmolas e como muitos ricos lançavam dinheiro em abundância. Então apro­ximou-se uma pobre viúva e lançou duas pequenas moedas, que valem um quadrante. Tratava-se de duas moedas de pou­co valor. A sua importância do ponto de vista contábil era mínima, mas para Jesus foi muito grande. Enquanto a mulher partia, Jesus reuniu os seus discípulos e, apontando para ela, disse: Na verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais que todos os outros, porque todos os outros lançaram do que lhes sobrava; ela, porém, na sua necessidade, lançou tudo o que tinha, todo o seu sustento. Na pessoa dessa mulher.

O Senhor elogiava a generosidade das esmolas destinadas ao culto e toda a dádiva que nasce de um coração reto e genero­so, decidido a dar mesmo aquilo de que necessita. Mais do que na quantia, Jesus repara nas disposições interiores que movem a agir; não olha tanto para “a quantidade que se ofe­rece, mas para o afeto com que se oferece”4.

A esmola, não só do supérfluo mas também do necessá­rio, é uma obra de misericórdia gratíssima ao Senhor, que não deixa de ser recompensada.

“Uma casa caritativa jamais será pobre”5, costumava repetir o santo Cura d’Ars. Quem pratica a esmola habitualmente resume e manifesta nessa ati­tude muitas outras virtudes e atrai a benevolência divina. Na Sagrada Escritura, a esmola é vivamente recomendada: Dá esmola dos teus bens – lê-se no Livro de Tobias – porque assim entesouras uma grande recompensa para o dia da ne­cessidade; porque a esmola livra de todo o pecado e da morte eterna, e não deixa cair a alma nas trevas. A esmola é motivo de grande confiança diante do sumo Deus, para todos os que a dão6. Se alguém não entendesse esta obriga­ção ou relutasse em cumpri-la, expor-se-ia a reproduzir na sua vida a triste figura daquele mau rico7 que, preocupado somente consigo e desordenadamente apegado aos seus bens, não conseguiu ver que o Senhor tinha posto o pobre Lázaro perto dele para que o socorresse.

Com que alegria a mulher do Evangelho não voltaria para casa, depois de ter dado tudo o que tinha! Que surpresa não terá sido a sua quando, no seu encontro com Deus de­pois desta vida, pôde ver o olhar comprazido com que Jesus a olhou naquela manhã em que fez a sua oferta! Todos os dias esse olhar de Deus pousa nas nossas vidas.

II. A ESMOLA BROTA de um coração misericordioso que quer levar um pouco de consolo aos que padecem necessidade, ou contribuir com meios econômicos para a manutenção da Igreja e das obras boas em favor da sociedade. É uma prática que leva ao desprendimento e prepara o coração para enten­der melhor os planos de Deus. E uma disposição da alma que nos inclina “a ser muito generosos com Deus e com os nos­sos irmãos; a mexer-nos, a procurar recursos, a gastar-nos para ajudar os que passam necessidade. Não pode um cristão conformar-se com um trabalho que lhe permita ganhar o su­ficiente para viver ele e os seus. A sua grandeza de cora­ção arrastá-lo-á a meter ombros para sustentar os outros, por um motivo de caridade, e também por um motivo de jus­tiça”8.

Os primeiros cristãos manifestaram o seu amor aos ou­tros preocupando-se com especial esmero de atender as ne­cessidades materiais dos seus irmãos. Nos Atos dos Apósto­los e nas Epístolas de São Paulo encontramos inúmeras refe­rências sobre o modo de viver esta obra de misericórdia. Su­gere-se até a maneira concreta de levá-la a cabo: No primei­ro dia da semana, cada um de vós ponha de parte e junte o que lhe parecer…9, escreve São Paulo aos cristãos de Corinto. E não davam apenas do que lhes sobrava: em muitos casos – como acontecia na Macedônia —, quiseram fazê-lo apesar de  passarem  por duros  momentos  de  penúria.  O Apóstolo não deixa de louvá-los, pois, no meio de muitas tributações com que são provados, tiveram abundância de gozo, e a sua profunda pobreza abundou em riquezas do seu bom coração; porque eu dou testemunho de que foram es­pontaneamente liberais, segundo as suas forças, e ainda aci­ma das suas forças, rogando-nos muito encarecidamente a graça de poderem tomar parte neste ministério em favor dos santos10. E não só contribuíram com generosidade para a coleta em favor dos cristãos de Jerusalém, mas ainda se de­ram a si mesmos, primeiro ao Senhor, depois a nós pela vontade de Deus11.

Com esta última expressão, talvez São Paulo se refira à generosidade com que os seus colaboradores mais leais se entregaram à evangelização. Comentando a passagem, São Tomás afirma que “assim deve ser a ordem ao dar: que pri­meiro o homem seja aceito por Deus, porque, se não é grato a Deus, também os seus dons não serão recebidos”12.

A es­mola, em qualquer das suas formas, é expressão da nossa entrega e do nosso amor ao Senhor. Dar e dar-se não depen­de do muito ou do pouco que se possua, mas do amor a Deus que se tenha na alma.

“A nossa humilde entrega — in­significante em si, como o azeite da viúva de Sarepta ou o óbulo da pobre viúva – toma-se aceitável aos olhos de Deus pela união com a oblação de Jesus”13.

III. A ESMOLA ATRAI a bênção de Deus e produz frutos abundantes: cura as feridas da alma, que são os pecados14; é “escudo da esperança, suporte da fé, remédio do pecado; está ao alcance de quem quiser praticá-la, e é tão grande como fácil; constitui a coroa da paz sem risco algum de per­seguição; é o verdadeiro e o maior dom de Deus; é necessá­ria aos fracos e cumula de glória os fortes. Por meio dela, o cristão recebe a graça espiritual, ganha méritos diante de Cristo Juiz, e passa a ter a Deus como seu devedor”15.

A esmola deve ser feita com pureza de intenção, olhan­do para Deus, como aquela viúva mencionada por Jesus no Evangelho; com generosidade, com bens que muitas vezes nos seriam necessários, mas que o são muito mais para os outros; evitando ser mesquinhos ou tacanhos “com quem tão generosamente se excedeu convosco, até se entregar total­mente, sem medida. Pensai: quanto vos custa – também eco­nomicamente – ser cristãos?”16

A esmola deve nascer de um coração compassivo, cheio de amor por Deus e pelos outros. Por isso, acima do valor material dos bens que se repartem, deve-se ter em conta o espírito de caridade com que se realiza a esmola, e que se manifestará pela alegria e generosidade ao praticá-la. Assim, ainda que não tenhamos muitos bens, tomaremos realidade as palavras de São Paulo que a Liturgia das Horas nos trans­mite hoje: Com a virtude de Deus, somos como tristes, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo a muitos; como não tendo nada, mas possuindo tudo17. Não demos nunca de má vontade ou com tristeza, porque Deus ama aquele que dá com alegria 18.

Deus premiará abundantemente a nossa generosidade. O que tivermos dado aos outros, em tempo, dedicação, bens materiais…, o Senhor no-lo devolverá aumentado. E digo isto: Aquele que semeia pouco, também colherá pouco; e aquele que semeia em abundância, também colherá em abundância 19. Assim Deus multiplicou os poucos bens que a viúva de Sarepta pôs à disposição de Elias, e os pães e os peixes que um rapaz entregou a Jesus20, e que talvez tivesse reservado previdentemente para aquela necessidade… “Isto diz o teu Senhor […]: Deste-me pouco, receberás muito; des-te-me bens terrenos, devolver-tos-ei celestiais; deste-me bens temporais, recebê-los-ás eternos…”21 Com grande verdade afirmava Santa Teresa que “ainda nesta vida paga-os Sua Majestade por tais vias que só quem goza disso é que o per­cebe”22.

Peçamos a Nossa Senhora que nos conceda um coração generoso, que saiba dar e dar-se, que não seja mesquinho com o tempo, com os bens econômicos, com o esforço…, à hora de ajudar os outros. O Senhor olhará para nós com um amor compassivo, como olhou para aquela pobre mulher que se aproximou do gazofilácio do Templo.

(1) I  Re 17, 10-16; (2) cfr. Lc 4, 25 e segs.; (3) Mc 12, 41-44; (4) São João Crisóstomo, Homílias sobre a Epístola aos Hebreus,  1; (5) Cura d’Ars, Sermão sobre a esmola; (6) Tob 4, 8-11; (7) cfr. Lc 16, 19 e segs.; (8) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 126; (9) I Cor 16, 2; (10) 2 Cor 8, 2-4; (11) I Cor 2, 5; (12) São Tomás de Aquino, Co­mentário à segunda Epístola de São Paulo aos Coríntios, 2, 5; (13) João Paulo 11, Homília em Barcelona, 7.11.82; (14) cfr. Calecismo Romano, IV, 14, n. 23; (15) São Cipriano, Sobre as boas obras e a esmola, 26; (16) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n.  126; (17) Liturgia das Horas, Antífona de Laudes, 2 Cor 6, 10; (18) 2 Cor 9, 7; (19) 2 Cor 9, 6; (20) cfr. Jo 6, 9; (21) Santo Agostinho, Sermão 38, 8; (22) Santa Te­resa, Vida, 4, 2.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal