TEMPO COMUM. DÉCIMA TERCEIRA SEMANA. TERÇA‑FEIRA

– O Senhor sempre ouve os que recorrem a Ele.
– Confiança em Deus.
– As ocasiões em que Deus parece manter‑se em silêncio.

I. AO LONGO de todo o Evangelho, vemos Jesus comportar‑se com naturalidade e simplicidade. Não tem gestos clamorosos nem os procura naqueles que o seguem. Realiza os milagres sem fazer barulho, na medida em que lhe é possível. Às pessoas que cura, recomenda‑lhes que não andem apregoando as graças que recebem. Ensina que o reino de Deus não vem ostensivamente, e mostra a força misteriosa das suas palavras mediante as parábolas do grão de mostarda e do fermento. Vemo‑lo também escutar silenciosamente os pedidos de ajuda, e depois atendê‑los com simplicidade.

O silêncio de Jesus durante o processo diante de Herodes e de Pilatos transpira uma sublime grandeza. Vemo‑lo de pé, sem abrir a boca, diante de uma multidão vociferante, enfurecida, que se serve de falsos testemunhos para tergiversar as suas palavras. O seu silêncio impressiona‑nos especialmente pelo contraste com o redemoinho que as paixões humanas agitam. Silêncio de Jesus, que não é indiferença nem desprezo por umas criaturas que o ofendem: está cheio de piedade e perdão. Jesus Cristo sempre espera a nossa conversão. O Senhor sabe esperar! Tem mais paciência do que nós.

O silêncio na Cruz não é uma pausa que se faz para armazenar ira e depois condenar. Quem está na Cruz é Deus, que perdoa sempre. Ele abre de par em par o caminho de uma nova e definitiva era de misericórdia. Deus escuta sempre os que o seguem, ainda que vez por outra pareça que se cala, que não nos quer ouvir. Observa sempre as fraquezas dos homens…, mas para perdoar, para levantar e ajudar. Se numa ou noutra situação permanece calado, é para que a nossa fé, a nossa esperança e o nosso amor amadureçam.

Na cena que o Evangelho da Missa nos propõe1, contemplamos Jesus que, cansado depois de um dia de intensa pregação, sobe com os seus discípulos a uma barca para passar à outra margem do lago. Quando já navegavam havia um bom tempo, desencadeou‑se uma tempestade tão grande que as ondas cobriam a barca. Entretanto, o Senhor, extenuado pela fadiga, adormeceu. Estava tão cansado que nem sequer os fortes balanços da embarcação o acordaram. É a única passagem do Evangelho que nos mostra Jesus dormindo. Jesus parece estar ausente.

Os Apóstolos, na maioria homens afeitos ao mar, perceberam imediatamente que os seus esforços não eram suficientes para manter o barco no rumo certo e compreenderam que as suas vidas corriam perigo. Aproximaram‑se então de Jesus e despertaram‑no dizendo: Senhor, salva‑nos, que perecemos!

Jesus tranqüilizou‑os: Por que temeis, homens de pouca fé? Foi como se lhes dissesse: não sabeis que Eu estou convosco, e que isso vos deve dar uma firmeza sem limites no meio das dificuldades? E levantando‑se, imperou aos ventos e ao mar, e sobreveio uma grande bonança. Os discípulos encheram‑se de assombro, de paz e de alegria. Verificaram uma vez mais que estar com Cristo é caminhar seguro, ainda que Ele guarde silêncio. E disseram: Quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem? Era o seu Senhor e o seu Deus.

Quando, tempos depois, o Espírito Santo foi enviado às suas almas no dia de Pentecostes, compreenderam que teriam que viver em águas freqüentemente agitadas e que Jesus estaria sempre na sua barca, a Igreja, aparentemente dormindo e silencioso, mas sempre acolhedor e poderoso; nunca ausente. Compreenderam‑no quando, nos começos da sua pregação apostólica, se viram assediados pelas perseguições e sentiram a chicotada da incompreensão da sociedade pagã em que desenvolviam a sua atividade. Não obstante, o Mestre confortava‑os, mantinha‑os à superfície e impelia‑os a novos empreendimentos. E agora faz o mesmo conosco.

II. O SONO DE JESUS, enquanto os seus discípulos se sentiam perdidos no meio da tempestade, enquanto lutavam com todas as suas forças, foi comparado freqüentemente a esse silêncio de Deus em que parece, por vezes, que Ele está ausente e despreocupado das dificuldades dos homens e da Igreja.

Em situações semelhantes, quando a tempestade desaba sobre nós, quando os nossos esforços parecem inúteis, devemos seguir o exemplo dos Apóstolos e recorrer a Jesus com toda a confiança: Senhor, salva‑nos, que perecemos! E Ele nos dirá: Por que temeis, homens de pouca fé? Por que temeis, se Eu estou convosco? Ele é a verdadeira segurança. Basta estar com Ele na barca, ao alcance do seu olhar, para vencer os medos e as dificuldades, os momentos de escuridão e de angústia, as provas, as incompreensões e as tentações. A insegurança aparece quando a fé se debilita; e com a debilidade vem a desconfiança: podemos então esquecer‑nos de que, quando a dificuldade é maior, mais poderosa se manifesta a ajuda do Senhor.

Jesus quer ver‑nos com paz e serenidade em todos os momentos e circunstâncias. Não temais, sou eu, diz aos discípulos atemorizados. E em outra ocasião: A vós, meus amigos, digo‑vos: Não temais…2 Já no momento em que entrou no mundo mostrou como seria a sua presença entre os homens. A mensagem da Encarnação começa precisamente com estas palavras: Não temas, Maria3. E o Anjo do Senhor dirá também a São José: José, filho de Davi, não temas4; e repetirá aos pastores: Não tenhais medo5. Não podemos andar atemorizados por coisa nenhuma. O próprio santo temor de Deus é uma forma de amor: é temor de perder o Senhor.

A plena confiança em Deus, acompanhada dos meios humanos que seja necessário utilizar em cada situação, dá ao cristão uma singular fortaleza e uma especial serenidade em face dos acontecimentos e das tribulações. A consideração freqüente, ao longo de cada jornada, da nossa filiação divina faz com que nos dirijamos a Deus, não como se fosse um ser longínquo, indiferente e frio que permanece em silêncio, mas como um pai atento aos seus filhos. Vemo‑lo como o Amigo que nunca falha e que está sempre disposto a ajudar‑nos… e a perdoar‑nos se for preciso. Junto dEle, compreendemos que todas as tribulações e dificuldades se transformam num bem, se sabemos aceitá‑las com fé, se não nos separamos dEle. “Bem‑aventuradas desventuras da terra! – Pobreza, lágrimas, ódios, injustiça, desonra… Tudo poderás nAquele que te confortará”6. E Santa Teresa, com a experiência segura dos santos, deixou‑nos escrito: “Se tendes confiança nEle e ânimos animosos – porque Sua Majestade é muito amigo disto –, não tenhais medo de que vos venha a faltar coisa alguma”7. O Senhor vela pelos seus, ainda que pareça dormir.

III. ALGUNS CRISTÃOS que parecem seguir o Senhor quando tudo corre de acordo com os seus desejos, afastam‑se da sua presença quando mais precisam dEle: na doença de um filho, do marido, da esposa, do irmão…; quando passam por um aperto financeiro, quando são atingidos pela calúnia e pela difamação e os amigos lhes dão as costas…; ou quando, na própria vida interior – certamente como uma graça muito particular de Deus, que purifica as intenções e o coração –, lhes desaparece o gosto com que em outros momentos rezavam, comungavam e se empenhavam na ação apostólica. Pensam que Deus não os ouve ou se mantém em silêncio, como se Ele fosse neutro ou indiferente em face das nossas coisas. É precisamente esse o momento de dizer a Jesus com mais força: Senhor, ajuda‑nos, que perecemos!

O Senhor nunca deixa de ouvir‑nos. O que espera talvez é que rezemos com mais intensidade e retidão. Em qualquer tribulação, nas dificuldades e tentações, devemos recorrer imediatamente a Ele. “Procurai o rosto dAquele que habita sempre – com uma presença real e corporal – na sua Igreja. Fazei, pelo menos, o que fizeram os discípulos. Tinham somente uma fé débil, não tinham uma grande confiança nem paz, mas pelo menos não se separaram de Cristo […]. Não vos defendais dEle, antes, quando estiverdes em apuros, recorrei a Ele, dia após dia, pedindo‑lhe fervorosamente e com perseverança aqueles favores que só Ele pode conceder. E assim como, nesta ocasião que os Evangelhos nos narram, Ele censurou os Apóstolos por terem pouca fé, mas fez o que lhe tinham pedido, do mesmo modo, embora observe em vós tanta falta de firmeza – que não devia existir –, dignar‑se‑á imperar aos ventos e ao mar e dirá: «Paz, tranqüilizai‑vos». E far‑se‑á uma grande bonança”8.

Com esta nova paz que o Senhor deixa nos nossos corações, travaremos com confiança essas batalhas de paz queridas ou permitidas por Ele – as externas e as da alma –, aceitaremos com alegria a contradição que purifica e ficaremos mais unidos a Ele.

Também não podemos esquecer nessas circunstâncias que o Senhor colocou um Anjo ao nosso lado para que nos guarde, nos ajude e faça chegar mais facilmente as nossas orações a Deus. “Quando tiveres alguma necessidade, alguma contradição – pequena ou grande –, invoca o teu Anjo da Guarda, para que a resolva com Jesus ou te preste o serviço de que estejas precisando”9.

(1) Mt 8, 23‑27; (2) Lc 12, 4; (3) Lc 1, 30; (4) Mt 1, 20; (5) Lc 2, 10; (6) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 717; (7) Santa Teresa, Fundações, 27, 12; (8) Card. J. H. Newman, Sermão para o IVº Domingo depois da Epifania; (9) Josemaría Escrivá, Forja, n. 931.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal