TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA TERCEIRA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA

– Aumentar o fervor da oração nos momentos de escuridão.
– A direção espiritual, caminho nor­mal pelo qual Deus atua na alma.
– Fé e sentido sobrenatural neste meio de crescimento interior.

I. E SUCEDEU lemos no Evangelho da Missa 1que, aproximando-se ele de Jerico, estava sentado à borda da es­trada um cego pedindo esmola.

Alguns Padres da Igreja dizem que este cego às portas de Jerico é imagem “de quem desconhece a claridade da luz eterna” 2. De vez em quando, a alma pode sofrer momentos de cegueira e escuridão, o caminho claro que um dia vis­lumbrou pode perder os seus contornos e aquilo que antes era luz e alegria pode transformar-se em trevas e numa certa tristeza que pesa sobre o coração.

Muitas vezes, essa situação é causada pelos pecados pes­soais, cujas conseqüências não foram totalmente drenadas, ou pela falta de correspondência à graça: “Talvez o pó que le­vantamos ao andar – as nossas misérias – forme uma nuvem opaca que não deixa passar a luz” 3. Em outras ocasiões, o Senhor permite essa situação difícil para purificar a alma, para amadurecê-la na humildade e na confiança nEle.

Seja qual for a sua origem, se alguma vez nos encontra­mos nesse estado, que faremos? O cego de Jerico – Bartimeu, filho de Timeu – ensina-nos: dirigir-nos ao Senhor, pedir-lhe que se compadeça de nós. Jesus Cristo ouve-nos, ainda que pareça seguir o seu caminho e deixar-nos para trás. Não está longe.

Mas é possível que nos aconteça o mesmo que a Bartimeu: Os que iam à frente repreendiam-no para que se ca­lasse. Queriam barrar-lhe o acesso a Cristo. Não teremos sentido o mesmo em muitas ocasiões? “Quando queremos voltar para Deus, essas mesmas fraquezas nas quais incorre­mos acodem-nos ao coração, turvam-nos o entendimento, deixam-nos o ânimo confuso e quereriam apagar a voz das nossas orações” 5. É o peso da fraqueza ou do pecado que se faz sentir.

Vejamos, contudo, o exemplo do cego: Mas ele gritava cada vez mais alto: Filho de Davi, tem piedade de mim! “Vede-o: aquele a quem a turba repreendia para que se ca­lasse, levanta cada vez mais a voz; assim também nós […]. Quanto maior for o alvoroço interior, quanto maiores forem as dificuldades que encontremos, com tanto mais força deve sair a oração do nosso coração” 6.

Jesus deteve-se quando dava a impressão de que ia pros­seguir, e mandou chamar o cego. Bartimeu aproximou-se e Jesus disse-lhe: Que queres que te faça? Que eu veja, Senhor. E Jesus disse-lhe: Vê, a tua fé te salvou. E imediatamente ele recuperou a vista e seguia-o, glorificando a Deus.

Às vezes, pode ser-nos difícil conhecer as causas que nos levaram a essa situação penosa em que tudo parece cus­tar-nos mais, mas não há dúvida de que conhecemos o re­médio sempre eficaz: a oração. “Quando se está às escuras, com a alma cega e inquieta, temos de recorrer, como Barti­meu, à Luz. Repete, grita, insiste com mais força: «Domine, ut videam!» – Senhor, que eu veja!… E far-se-á dia para os teus olhos, e poderás alegrar-te com o clarão de luz que Ele te concederá” 7.

II. JESUS, senhor de todas as coisas, podia curar os doentes – podia realizar qualquer milagre – da maneira que julgasse mais oportuna. Curou alguns com uma só frase, com um simples gesto, à distância… Outros, por etapas, como o cego mencionado por São João 8… Hoje, é muito freqüente que dê luz às almas através de outros homens.

Quando os Magos ficaram sem saber o que fazer quando desapareceu a estrela que os tinha guiado de um lugar tão longe, fizeram o que o senso comum lhes ditava: perguntaram a quem deveria saber onde tinha nascido o rei dos ju­deus. Perguntaram a Herodes. “Mas nós, cristãos, não temos necessidade de perguntar a Herodes ou aos sábios da terra. Cristo deu à sua Igreja a segurança da doutrina, a corrente de graça dos Sacramentos; e cuidou de que houvesse pes­soas que nos pudessem orientar, que nos conduzissem, que nos trouxessem constantemente à memória o nosso caminho […]. Por isso, se porventura o Senhor permite que fiquemos às escuras, mesmo em coisas de pormenor; se sentimos que a nossa fé não é firme, recorramos ao bom pastor […], àque­le que – dando a vida pelos outros – quer ser, na palavra e na conduta, uma alma enamorada: talvez um pecador tam­bém, mas que confia sempre no perdão e na misericórdia de Cristo” 9.

Ordinariamente, ninguém pode guiar-se a si mesmo sem uma ajuda extraordinária de Deus. A falta de objetividade com que nos vemos a nós mesmos, as paixões… tornam difí­cil, para não dizer impossível, encontrar esses caminhos, às vezes pequenos, mas seguros, que nos levam pelo rumo cer­to. Por isso, desde há muito tempo, a Igreja, sempre Mãe, aconselhou aos seus filhos esse grande meio de progresso interior que é a direção espiritual.

Não esperemos graças extraordinárias, nos dias normais e naqueles em que mais precisamos de luz, se não quiser­mos utilizar os meios que o Senhor pôs ao nosso alcance. Quantas vezes Jesus espera a sinceridade e a docilidade da alma para realizar um milagre! Ele nunca nos nega a sua graça se o procuramos na oração e servindo-nos dos meios através dos quais derrama as suas graças.

Santa Teresa escrevia com a humildade dos santos: “De­veria ser muito contínua a nossa oração por esses que nos dão luz. O que seríamos sem eles, entre tempestades tão grandes como as que agora atravessa a Igreja?” 10 E São João da Cruz dizia o mesmo: “Quem quer estar só, sem ar-rimo e sem guia, será como uma árvore que está solitária e sem dono no campo, que por mais fruta que tenha, os caminhantes apanham-na e não chega a amadurecer.

“A árvore cultivada e rodeada dos bons cuidados do do­no dá fruta no tempo esperado.

“A alma sem mestre, ainda que tenha virtude, é como um carvão aceso que está só; mais se irá esfriando do que acendendo” 11.

Não deixemos de recorrer ao Senhor servindo-nos desse meio, tanto mais aconselhável quanto maiores forem os obs­táculos interiores ou externos que tentem impedir-nos de ir ao encontro de Jesus que passa ao nosso lado. Não deixe­mos de recorrer a esses meios normais, através dos quais o Senhor realiza milagres tão grandes.

III. A NOSSA INTENÇÃO ao procurarmos orientação na dire­ção espiritual é a de aprender a viver conforme o querer di­vino. Com o próprio São Paulo, apesar do modo extraordi­nário com que teve início a sua vocação, Deus quis depois seguir o caminho normal, quer dizer, quis formá-lo e trans­mitir-lhe a sua vontade através de outras pessoas. Ananias impôs-lhe as mãos e imediatamente caíram-lhe dos olhos umas como escamas, e recuperou a vista 12.

Naquele que nos ajuda devemos ver o próprio Cristo, que nos ensina, ilumina, cura e dá alimento à nossa alma para que continue o seu caminho. Sem esse sentido sobrena­tural, sem essa fé, a direção espiritual ficaria desvirtuada; converter-se-ia em algo completamente .diferente: numa troca de opiniões, talvez. E torna-se uma grande ajuda e confere muita fortaleza quando o que realmente desejamos é averi­guar a vontade de Deus a nosso respeito e identificar-nos com ela. Por outro lado, não devemos esquecer que não é um meio para encontrarmos solução para os nossos proble­mas temporais: ajuda-nos a santificá-los, nunca a organizá­mos nem a resolvê-los. Não é essa a sua finalidade.

A consciência de que, através dessa pessoa que conta com uma graça especial de Deus para nos aconselhar, nos aproximamos do próprio Cristo, determinará a confiança, a delicadeza, a simplicidade e a sinceridade com que devemos servir-nos deste meio. Bartimeu aproximou-se de Jesus como quem caminha para a Luz, para a Vida, para a Verdade, pa­ra o Caminho. Assim também devemos nós fazer, porque es­sa pessoa é um instrumento através do qual Deus nos comu­nica graças semelhantes às que teríamos obtido se nos .tivés­semos encontrado com Ele pelos caminhos da Palestina. Na continuidade da direção espiritual, a alma vai-se forjando; e, pouco a pouco, com derrotas e com vitórias, vai construindo o edifício sobrenatural da santidade.

“Viste como levantaram aquele edifício de grandeza im­ponente? – Um tijolo, e outro. Milhares. Mas, um a um. – E sacos de cimento, um a um. E blocos de pedra, que são bem pouco ante a mole do conjunto. – E pedaços de ferro. – E operários trabalhando, dia após dia, as mesmas horas…

“Viste como levantaram aquele edifício de grandeza im­ponente?… – À força de pequenas coisas!” 13

Um quadro pinta-se pincelada a pincelada, um livro es­creve-se página a página, com amor paciente, e uma corda grossa, capaz de levantar grandes pesos, está tecida por um sem-número de fibras finas. Um pequeno conselho escutado na direção espiritual, e outro, e outro, que depois pomos em prática com humilde docilidade, serão esses pequenos tijolos que erguerão o edifício da nossa santidade.

Se vivermos bem a direção espiritual, sentir-nos-emos como Bartimeu, que passou a seguir Jesus glorificando a Deus, cheio de alegria.

(1) Lc 18, 35-43; (2) cfr. São Gregório Magno, Homílias sobre os Evangelhos, I, 2, 2; (3) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 34; (4) Mc 10, 46-52; (5) São Gregório Magno, Homílias sobre os Evangelhos, I, 2, 3; (6) cfr. ibid., I, 2, 4; (7) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 862; (8) cfr. Jo 9, 1 e segs.; (9) São Jose­maría Escrivá, É Cristo que passa, n. 34; (10) Santa Teresa, Vida, 13, 10; (11) São João da Cruz, Dichos de luz y de amor, Apostolado de Ia Prensa, Madrid, 1966, págs. 958-964; (12) cfr. At 9, 17-18; (13) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 823.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal