TEMPO PASCAL. QUINTA SEMANA. SÁBADO

– No Rosário, Nossa Senhora ensina-nos a contemplar a vida do seu Filho.
– O terço em familia. É “arma poderosa”.
– As distrações no terço.

I. O AMOR A NOSSA SENHORA manifesta-se na nossa vida de formas muito diversas. No Santo Rosário – a oração mariana mais recomendada pela Igreja ao longo dos séculos –, a piedade mostra-nos um resumo das principais verdades da fé cristã; através da consideração de cada um dos mistérios, a Santíssima Virgem ensina-nos a contemplar a vida do seu Filho. Em alguns deles, Maria ocupa o primeiro lugar; em outros, é Cristo quem atrai primeiro a nossa atenção. Maria fala-nos sempre do Senhor: da alegria do seu nascimento, da sua morte na Cruz, da sua Ressurreição e Ascensão gloriosa.

O Rosário é a oração preferida da nossa Mãe, e “com a consideração dos mistérios, a repetição do Pai-Nosso e da Ave-Maria, os louvores à Beatíssima Trindade e a constante invocação à Mãe de Deus, é um contínuo ato de fé, de esperança e de amor, de adoração e reparação” 1.

Segundo a sua etimologia, o Rosário “é uma coroa de rosas, costume encantador que em todos os povos representa uma oferenda de amor e um símbolo de alegria” 2. “É o modo mais excelente de oração meditada, constituída à maneira de mística coroa em que a saudação angélica, a oração dominical e a doxologia à Augusta Trindade se entrelaçam com a consideração dos mais altos mistérios da nossa fé: nele, através de muitas cenas, a mente contempla o drama da Encarnação e da Redenção de Nosso Senhor” 3.

Nesta oração mariana, a oração vocal funde-se com a meditação dos mistérios cristãos, que é como que a alma do Rosário. É uma meditação pausada, que permite desenvolver a oração pessoal ao ritmo das palavras. “Introduzir-se como mais um personagem” nas cenas que se contemplam no Rosário ajuda a rezá-lo bem. Assim, “viveremos a vida de Jesus, Maria e José”.

“Todos os dias Lhes havemos de prestar um novo serviço. Ouviremos as suas conversas de família. Veremos crescer o Messias. Admiraremos os seus trinta anos de obscuridade… Assistiremos à sua Paixão e Morte… Pasmaremos ante a glória da sua Ressurreição… Numa palavra: contemplaremos, loucos de Amor – não há outro amor além do Amor –, todos e cada um dos instantes de Cristo Jesus” 4.

Com a consideração dos mistérios, vivifica-se a oração vocal – o Pai-Nosso e as Ave-Marias –, e a vida interior se vê enriquecida pelo profundo conteúdo dessas cenas, que se tornam fonte de oração e contemplação ao longo do dia. Pouco a pouco identificamo-nos com os sentimentos de Cristo e passamos a viver num clima de intensa piedade: alegramo-nos com Cristo gozoso, sofremos com Cristo padecente, vivemos antecipadamente na esperança a glória de Cristo ressuscitado. “Ainda que em planos de realidade essencialmente diversos – dizia Paulo VI –, (a liturgia e o Rosário) têm por objeto os mesmos acontecimentos salvíficos realizados por Cristo. A primeira torna presentes […] os maiores mistérios da nossa redenção; a segunda, pelo piedoso afeto da contemplação, volta a evocar os mesmos mistérios na mente de quem ora e estimula a sua vontade para deles extrair normas de vida” 5.

II. O CONCÍLIO VATICANO II pede “a todos os filhos da Igreja que promovam generosamente o culto à Bem-aventurada Virgem […], que dêem grande valor às práticas e aos exercícios de piedade recomendados pelo Magistério no curso dos séculos” 6.

Sabemos bem com que insistência a Igreja sempre recomendou a oração do Santo Rosário. Concretamente, é “uma das mais excelentes e eficazes orações em comum que a família cristã é convidada a rezar”7, e muitas vezes será um bom objetivo de vida cristã para muitas famílias. Em alguns casos, bastará começar com a recitação de uma única dezena, aproveitando talvez ocasiões tão especiais como o mês de maio ou a visita a um Santuário ou ermida da Virgem… Ganha-se muito e poupam-se muitas preocupações se se começa a introduzir os filhos desde pequenos nesta prática.

O terço em família é uma fonte de bens para todos, pois atrai a misericórdia de Deus sobre o lar.

Diz o Papa João Paulo II: “Tanto a recitação do Angelus como a do terço devem ser para todo o cristão e muito mais para as famílias cristãs como que um oásis espiritual no decorrer do dia, para ganharem coragem e confiança” 8. E o Santo Padre insiste: “Conservai zelosamente esse terno e confiado amor à Virgem que vos caracteriza. Não o deixeis esfriar nunca […]. Sede fiéis aos exercícios de piedade mariana tradicionais na Igreja: a oração do Angelus, o mês de Maria e, de modo muito especial, o terço. Oxalá ressurgisse o belo costume de rezar o terço em família!” 9

Hoje podemos examinar na nossa oração se nos valemos do Santo Rosário como “arma poderosa” 10 para conseguir da Virgem as graças e favores de que tanto necessitamos, se o rezamos com atenção, se procuramos aprofundar no seu conteúdo riquíssimo, particularmente detendo-nos por uns momentos a meditar em cada um dos mistérios, se procuramos que os nossos familiares e amigos comecem a rezá-lo e assim procurem e amem mais a nossa Mãe do Céu.

III. ÀS VEZES, QUANDO PROCURAMOS difundir a recitação do terço como uma forma de manter diariamente um trato de intimidade com a Virgem, deparamos com pessoas, mesmo de boa vontade, que se desculpam dizendo que se distraem com freqüência e que “se é para rezá-lo mal, é melhor não rezá-lo” ou algo semelhante. Ensinava o Papa João XXIII que “o pior terço é aquele que não se reza”. Nós podemos dizer aos nossos amigos que, ao invés de abandoná-lo, devem compreender que é mais grato à Virgem procurar rezá-lo da melhor forma possível, ainda que se tenham distrações. Também pode acontecer que – como escreve Santo Afonso Maria de Ligório – “se tens muitas distrações durante a oração, talvez seja porque o demônio se sente muito incomodado com essa oração” 11.

Há quem compare o terço a uma canção: a canção da Virgem. Por isso, ainda que por vezes não sejamos conscientes da “letra”, a melodia nos levará, quase sem o percebermos, a ter o pensamento e o coração postos em Nossa Senhora. As distrações involuntárias não anulam os frutos do terço, nem de qualquer outra oração vocal, desde que se lute por evitá-las.

São Tomás diz que pode haver uma tríplice atenção na oração vocal: a de quem pronuncia corretamente todas as palavras, a daquele que repara mais no sentido dessas palavras e a dos que se concentram na finalidade da oração, quer dizer, em Deus e naquilo por que se ora. Esta última é a atenção mais importante e necessária, e é acessível mesmo a pessoas pouco cultas ou que não entendem bem o sentido das palavras que pronunciam, “podendo ser tão intensa que arrebate a mente para Deus” 12.

Quando há esforço, pode-se rezar o terço cada vez melhor; cuidando da pronúncia, das pausas, da atenção, detendo-se por uns instantes a considerar o mistério que se inicia, oferecendo talvez essas dez ave-marias por uma intenção concreta (a Igreja Universal, o Sumo Pontífice, as intenções do bispo da diocese, a família, as vocações sacerdotais, o apostolado, a paz e a justiça em determinado país, um assunto que nos preocupa…), procurando que essas “rosas” oferecidas à Virgem não estejam fanadas ou murchas pela rotina ou pelas distrações mais ou menos consentidas… Será muito difícil, e às vezes praticamente impossível, evitar todas as distrações, mas a Virgem também o sabe e aceita o nosso desejo e o nosso esforço.

Para recitá-lo com devoção, é conveniente fazê-lo num momento adequado: “Uma triste forma de não rezar o terço: deixá-lo para o fim do dia. Quando se deixa para o momento de deitar-se, recita-se pelo menos de má maneira e sem meditar os mistérios. Assim, dificilmente se evita a rotina, que afoga a verdadeira piedade, a única piedade” 13. “Sempre adias o terço para depois, e acabas por omiti-lo por causa do sono. – Se não dispões de outros momentos, reza-o pela rua e sem que ninguém o note. Isso te ajudará também a ter presença de Deus” 14.

Uma das vantagens do terço é que se pode rezá-lo em qualquer lugar: na igreja, na rua, no carro…, sozinho ou em família, enquanto se aguarda na sala de espera do médico ou na fila da agência bancária. Poucos cristãos poderão dizer com sinceridade que não arranjam tempo para rezar “a oração mais querida e recomendada pela Igreja”.

Um dia o Senhor nos mostrará as conseqüências de termos rezado o terço com devoção, ainda que também com algumas distrações: desastres que se evitaram por especial intercessão da Virgem, ajudas a pessoas queridas, conversões, graças ordinárias e extraordinárias para nós e para outros, e as inúmeras pessoas que se beneficiaram desta oração e que nem sequer conhecemos.

Esta oração tão eficaz e grata a Nossa Senhora será em muitos momentos da nossa vida o meio mais eficaz de pedir e de agradecer, como também de reparar pelos nossos pecados: “«Virgem Imaculada, bem sei que sou um pobre miserável, que não faço mais do que aumentar todos os dias o número dos meus pecados…» Disseste-me o outro dia que falavas assim com a Nossa Mãe. – E aconselhei-te, com plena segurança, que rezasses o terço: bendita monotonia de ave-marias, que purifica a monotonia dos teus pecados!” 15

(1) São Josemaría Escrivá, Santo Rosário, pág. 9; (2) Pio XII, Alocução, 16-X-1940; (3) João XXIII, Enc. Grata recordatio, 26-IX-1959; (4) São Josemaría Escrivá, op. cit., pág. 13; (5) Paulo VI, Enc. Marialis cultus, 46; (6) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 67; (7) Paulo VI, op. cit., 54; (8) João Paulo II, Angelus em Otranto, 5-X-1980; (9) idem, Homilia, 12-X-1980; (10) Josemaría Escrivá, op. cit., pág. 7; (11) Santo Afonso M. de Ligório, Tratado sobre a oração; (12) São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 83, a. 3; (13) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 476; (14) ib., n. 478; (15) ib., n. 475.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal