TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA. QUARTA-FEIRA
– O sentido da dor.
– Os seus frutos na vida cristã.
– Recorrer a Jesus e a Maria na doença e na contradição.
I. A CRUZ É O SÍMBOLO e o sinal do cristão porque nela se consumou a Redenção do mundo. O Senhor empregou a expressão tomar a cruz para indicar qual deveria ser a atitude dos seus discípulos ante a dor e a contradição. No Evangelho da Missa, Jesus diz-nos: Aquele que não toma a sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo1. E em outra ocasião, dirigindo-se a todos os presentes, advertiu-os: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me2.
A dor, nas suas diferentes manifestações, é uma realidade universal. São Paulo compara o sofrimento às dores da mãe ao dar à luz: Sabemos que todas as criaturas gemem e estão como que com dores de parto3, e a experiência nos ensina que não há ser humano algum que não sofra por um ou outro motivo. Por isso, São Pedro advertia aos primeiros cristãos na epístola que lhes dirigiu: Caríssimos, não vos perturbeis com o fogo da tribulação que se acendeu no meio de vós para vos provar, como se vos acontecesse algo de extraordinário4.
É como se a dor derivasse da própria natureza humana. No entanto, a fé nos ensina que o sofrimento penetrou no mundo pelo pecado. Deus tinha preservado o homem da dor por um ato de bondade infinita. Criado num lugar de delícias, se tivesse sido fiel a Deus, teria sido levado desse paraíso terreno para o Céu para gozar eternamente da mais pura felicidade.
O pecado de Adão, transmitido aos seus descendentes, alterou os planos divinos. Com o pecado, entraram no mundo a dor e a morte. Mas o Senhor assumiu o sofrimento, não só através das privações normais de qualquer ser humano (passou fome e sede, cansou-se no trabalho…), como sobretudo da sua Paixão e Morte na Cruz, e assim converteu as dores e penas desta vida num bem imenso. Além disso, todos nós fomos chamados – mediante o sofrimento e o sacrifício voluntário – a completar no nosso corpo a Paixão de Jesus5.
A fé nesta participação misteriosa da Cruz de Cristo dá-nos “a certeza interior de que o homem que sofre completa o que falta aos sofrimentos de Cristo, e de que, na dimensão espiritual da obra da Redenção serve, como Cristo, para a salvação dos seus irmãos e irmãs. Portanto, não só é útil aos outros, mas presta-lhes ainda um serviço insubstituível. No Corpo de Cristo […], precisamente o sofrimento impregnado do espírito de Cristo é o mediador insubstituível e autor dos bens indispensáveis à salvação do mundo. Mais do que qualquer outra coisa, o sofrimento abre caminho à graça que transforma as almas. Mais do que qualquer outra coisa, o sofrimento torna presentes na história da humanidade as forças da Redenção”6.
Está nas nossas mãos colaborarmos generosamente com Cristo mediante a aceitação amorosa de todos os tipos de dor: as contrariedades, as dificuldades da vida, a doença, os sofrimentos próprios e os dos outros…, que Ele permite para a nossa santificação pessoal e de toda a Igreja. A dor ganha então todo o seu sentido e converte-nos em verdadeiros colaboradores do Senhor na obra da salvação das almas: completa-se a obra da nossa santificação7.
II. A ÁRVORE DA CRUZ está cheia de frutos. Os sofrimentos ajudam-nos a estar mais desprendidos dos bens da terra, da saúde, da riqueza e das honras… “Deus meus et omnia!”, meu Deus e meu tudo!8, exclamava São Francisco de Assis. Se o tivermos a Ele, todo o resto não representará grande perda.
“Feliz quem pode dizer de todo o coração: meu Jesus, Tu me bastas!”9
As tribulações são uma excelente oportunidade para expiarmos melhor as nossas faltas e pecados da vida passada. Santo Agostinho diz que, especialmente quando sofremos, o Senhor atua como médico para curar as chagas que os pecados deixaram em nós, e emprega esses sofrimentos como remédio10.
As nossas dificuldades e dores fazem-nos recorrer com maior prontidão e constância à misericórdia divina: Na sua tribulação, hão de procurar-me pela manhã cedo11, diz o Senhor pelo profeta Oséias. E Jesus convida-nos a recorrer a Ele em todas as circunstâncias difíceis: Vinde a mim todos os que trabalhais e estais sobrecarregados, e eu vos aliviarei12. Quantas vezes experimentamos este alívio! Verdadeiramente Ele é o nosso refúgio e a nossa fortaleza13 no meio de todas as tempestades da vida, é o porto a que temos de dirigir-nos pressurosamente.
As contrariedades, a doença, a dor… permitem-nos praticar muitas virtudes (a fé, a coragem, a alegria, a humildade, a identificação com a vontade divina…) e dão-nos a possibilidade de alcançarmos muitos méritos. “Ao pensares em todas as coisas da tua vida que ficarão sem valor por não as teres oferecido a Deus, deverias sentir-te avaro: ansioso por apanhar tudo, por não desaproveitar também nenhuma dor. – Porque, se a dor acompanha a criatura, o que é senão insensatez desperdiçá-la?”14 E existem épocas na vida em que ela se apresenta abundantemente… Não deixemos que passe sem deixar frutos copiosos na alma.
A dor, enfrentada com sentido cristão, é um grande meio de santidade. A nossa vida interior precisa também das contradições e dos obstáculos para crescer.
Santo Afonso Maria de Ligório afirmava que, assim como a chama se aviva em contacto com o ar, assim a alma se aperfeiçoa em contacto com as tribulações15. Até as próprias tentações ajudam a progredir no amor ao Senhor. Deus é fiel, pois não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças, antes vos dará com a tentação a ajuda necessária para suportá-la16. E a prova, suportada junto do Senhor, atrai novas graças e bênçãos.
III. SEMPRE QUE NOS VEJAMOS atribulados, procuremos Jesus, em quem sempre encontraremos consolo e ajuda. Como o Salmista, também nós poderemos dizer: Na minha tribulação, clamei ao Senhor e ele ouviu-me17, pois em nós certamente não há forças suficientes para podermos resistir a essa multidão que se lança sobre nós. E como não sabemos o que fazer, não temos outro recurso senão voltar para Ti os nossos olhos18.
No Coração misericordioso de Jesus encontramos sempre a paz e o auxílio. É a Ele que devemos recorrer em primeiro lugar, com toda a serenidade, para não termos que ouvir as palavras que um dia dirigiu a Pedro: Homem de pouca fé, por que duvidaste?19 “Oh! Valha-me Deus! – exclamava Santa Teresa –. Quando Vós, Senhor, quereis dar ânimo, que pouca impressão causam todas as contradições”20. Peçamos esse “ânimo” a Jesus quando tivermos de enfrentar a dor e a tribulação.
Junto do Senhor, poderemos tudo; longe dEle, não resistiremos muito: “Com tão bom amigo presente – Nosso Senhor Jesus Cristo –, com tão esforçado capitão, que em matéria de padecer foi o primeiro, tudo se pode sofrer. Serve de ajuda e dá esforço; nunca falta; é amigo verdadeiro”21. Com Ele, saberemos comportar-nos com alegria, e mesmo com bom humor, no meio das dificuldades, como fizeram os santos. Deixaram-nos abundantes exemplos disso.
O Senhor ensinar-nos-á também a ver as provas e penas com mais objetividade, para não darmos importância ao que realmente não a tem e para não inventarmos penas que, por falta de humildade, são mero produto da imaginação, “a louca da casa”, como a chamava Santa Teresa; ou ainda para não aumentarmos o seu volume quando, com um pouco de boa vontade, podemos suportá-las sem lhes dar a categoria de drama ou de tragédia.
Ao terminarmos a nossa oração, acudimos a Nossa Senhora para que Ela nos ensine a tirar fruto de todas as dificuldades que venhamos a padecer ou pelas quais estejamos passando nestes dias. “«Cor Mariae perdolentis, miserere nobis!» – invoca o Coração de Santa Maria, com ânimo e decisão de te unires à sua dor, em reparação pelos teus pecados e pelos de todos os homens de todos os tempos. – E pede-lhe – para cada alma – que essa sua dor aumente em nós a aversão pelo pecado, e que saibamos amar, como expiação, as contrariedades físicas ou morais de cada jornada”22.
(1) Lc 14, 27; (2) Lc 9, 23; (3) Rom 8, 22; (4) 1 Pe 4, 12; (5) cfr. Col 1, 24; (6) João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici doloris, 11.02.84, 27; (7) cfr. Adolphe Tanquerey,La divinización del sufrimiento, págs. 20-21; (8) São Francisco de Assis, Opúsculos, Pedeponti, 1739, vol. I, pág. 20; (9) Santo Afonso Maria de Ligório, Sermões abreviados, 43; (10) cfr. Santo Agostinho, Comentário aos Salmos, 21, 2, 4; (11) Os 6, 1; (12) Mt 11, 28; (13) Sl 45, 2; (14) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Sulco, n. 997; (15) Santo Afonso Maria de Ligório, Sermões abreviados, pág. 823; (16) 1 Cor 10, 13; (17) Sl 119, 1; (18) 2 Par 20, 12; (19) Mt 14, 31; (20) Santa Teresa,Fundações, 3, 4; (21) Santa Teresa, Vida, 22; (22) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Sulco, n. 258.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.