TEMPO COMUM. VIGÉSIMA QUARTA SEMANA. TERÇA‑FEIRA

– Recorrer ao Coração misericordioso de Jesus em todas as necessidades da alma e do corpo.
– A misericórdia da Igreja.
– A misericórdia divina no Sacramento do perdão. Condições de uma boa confissão.

I. JESUS DIRIGIA‑SE a uma pequena cidade chamada Naim1, acompanhado dos seus discípulos e de uma grande multidão. Ao entrar na cidade, encontrou‑se com um grupo numeroso de pessoas que levavam para ser enterrado um defunto, filho único de uma mulher viúva, e é muito provável que se detivesse esperando que o cortejo fúnebre passasse. Então, olhando para a mãe, moveu‑se de compaixão para com ela.

Os Evangelistas referem em muitas ocasiões esses sentimentos do Coração de Jesus quando depara com a desgraça e o sofrimento; nunca se desvia deles. Ao ver a multidão – escreve São Mateus, relatando outro episódio semelhante – Jesus compadeceu‑se das multidões, porque eram como ovelhas sem pastor2; quando se encontra com o leproso que o procurava, compadeceu‑se dele e disse‑lhe: Quero; sê limpo3; quando a multidão o seguia, sem se preocupar com o alimento, apesar de que o dia ia declinando, disse aos seus discípulos: Tenho compaixão deste povo, e multiplicou os pães e os peixes4; quando viu perto dEle um cego, compadecido, tocou‑lhe os olhos e devolveu‑lhe a vista5.

A misericórdia é a atitude “própria de Deus” – afirma São Tomás de Aquino6 –, e manifesta‑se plenamente em Jesus Cristo tantas vezes quantas depara com o sofrimento. “Jesus revelou, sobretudo com o seu estilo de vida e com as suas ações, como o amor está presente no mundo em que vivemos, o amor operante, o amor que se dirige ao homem e abraça tudo aquilo que forma a sua humanidade. Esse amor faz‑se notar especialmente no contacto com o sofrimento, a injustiça, a pobreza, no contacto com toda a condição humana histórica, que manifesta de vários modos as limitações e a fragilidade, tanto físicas como morais, do homem”7. Todo o Evangelho, mas especialmente as passagens que nos mostram o Coração misericordioso de Jesus, devem mover‑nos a recorrer a Ele nas necessidades da alma e do corpo. Ele continua no meio dos homens, e somente espera que nos deixemos ajudar.

Senhor, ouve a minha oração, e chegue a ti o meu clamor. Não me escondas o teu rosto no dia da minha angústia. Inclina para mim o teu ouvido; quando eu te invocar, ouve‑me prontamente, recitam os sacerdotes na Liturgia das Horas de hoje8. E o Senhor, que nos escuta sempre, vem em nosso auxílio sem se fazer esperar.

II. JESUS, AO VER a mulher, movido de compaixão para com ela, disse‑lhe: Não chores. E aproximou‑se e tocou no esquife. E os que o levavam pararam. Então disse ele: Jovem, eu te digo, levanta‑te. E sentou‑se o que tinha estado morto e começou a falar. E Jesus entregou‑o à sua mãe.

Muitos Padres viram nesta mãe que recupera o filho morto uma imagem da Igreja, que também recebe os seus filhos mortos pelo pecado, prolongando assim a ação misericordiosa de Cristo. A Igreja, que é Mãe, com a sua dor “intercede por cada um dos seus filhos como fez a mãe viúva pelo seu filho único”9. Ela “alegra‑se diariamente – comenta Santo Agostinho – com os homens que ressuscitam nas suas almas. Aquele, morto corporalmente; estes, espiritualmente”10. Se o Senhor se compadece de uma multidão faminta, como não há de compadecer‑se de quem sofre uma doença da alma ou já traz em si a morte para a vida eterna?

A Igreja é misericordiosa “quando aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador, das quais é depositária e dispensadora”11, especialmente da Eucaristia e do Sacramento da Penitência ou Reconciliação. “A Eucaristia aproxima‑nos sempre daquele amor que é mais forte do que a morte”, diz João Paulo II. E o sacramento da Penitência, continua o Papa, “aplaina o caminho a cada homem, mesmo quando está sobrecarregado com graves culpas. Neste sacramento, todos os homens podem experimentar de modo singular a misericórdia, isto é, aquele amor que é mais forte do que o pecado”12. É Jesus que passa novamente pelas nossas ruas e cidades e se apieda dos males de que padece esta humanidade enferma; que se apieda sobretudo dos homens vergados sob o peso do único mal absoluto que existe, o pecado.

A Sagrada Eucaristia é fonte de fortaleza, como o é o alimento em relação ao corpo. Conta‑se que, nos tempos antigos, um rei enviou de presente a um vizir árabe a espada que lhe tinha servido para vencer inúmeras batalhas. O agraciado quis experimentá‑la no primeiro combate em que entrou, mas, com grande surpresa sua, saiu derrotado. Mandou então dizer ao rei que estava decepcionado. Ao que o rei respondeu: “Eu te mandei a minha espada, mas não o meu braço”. A Sagrada Comunhão é o braço de Deus, é todo o seu poder, que atua dentro de nós e dá vigor à nossa capacidade de luta, multiplicando‑a.

Este é o pão que desceu do céu; não é como o pão que os vossos pais comeram e morreram. Quem come deste pão viverá eternamente13, disse o Senhor em Cafarnaum. A Eucaristia, quando a recebemos nas devidas disposições de alma e corpo, reforça em nós os mecanismos de defesa, ajudando‑nos a resistir às tentações e preservando‑nos sobretudo de cair num estado anêmico de tibieza que é fonte de mediocridade espiritual e, mais cedo ou mais tarde, de quedas que podem ser sérias. Perguntemo-nos se sabemos corresponder a essa prova da misericórdia de Deus procurando comungar assiduamente, com fé na graça do Sacramento. “Quantos anos comungando diariamente! – Qualquer outro seria santo – disseste‑me –, e eu, sempre na mesma! – Meu filho – te respondi –, continua com a Comunhão diária e pensa: Que seria de mim se não tivesse comungado?”14

III. A MISERICÓRDIA DE DEUS é infinita; inexaurível “é a prontidão do Pai em acolher os filhos pródigos que voltam para casa. São infinitas também a prontidão e a força do perdão que brotam continuamente do admirável valor do Sacrifício do Filho. Não há nenhum pecado humano que prevaleça sobre esta força ou sequer a limite. Por parte do homem, o que pode limitá‑la é somente a falta de boa vontade, a falta de prontidão na conversão e na penitência, isto é, a permanência na obstinação, que leva a opor‑se à graça e à verdade”15.

Somente nós podemos impedir que o olhar misericordioso de Jesus, que cura e liberta, chegue ao fundo da nossa alma.

Na medida em que vamos conhecendo mais o Senhor e seguindo os seus passos, sentimos uma maior necessidade de purificar a alma. E o primeiro meio de que dispomos para consegui‑lo é esmerar‑nos em cada uma das nossas confissões, evitando a rotina, aprofundando no amor e na dor. Aprofundar como se cada confissão, sempre única, fosse a última; fugindo da precipitação e da superficialidade.

Para isso, devemos ter em conta as cinco condições necessárias para uma boa confissão, que é bom repassarmos de vez em quando para obtermos um fruto crescente desse instrumento da misericórdia divina: exame de consciência, humilde, feito na presença de Deus, descobrindo as causas e porventura os hábitos que motivaram as nossas faltas; dor dos pecados, a contrição, com um sentido mais vivo da gravidade do pecado;propósito de emenda concreto e firme, que muitas vezes é o melhor índice de uma boa confissão; confissão dos pecados, que consiste numa verdadeira acusação da falta cometida, com o desejo de receber o perdão, e não um relato mais ou menos geral da situação da alma ou das coisas que nos preocupam; e cumprir a penitência, pela qual nos associamos ao sacrifício infinito de expiação de Cristo: essa penitência que o sacerdote nos impõe – tão mitigada maternalmente pela Igreja – não é simplesmente uma obra de piedade, mas desagravo, reparação e satisfação pelas culpas contraídas, em união com os sofrimentos de Cristo no Calvário.

Quando Jesus instituiu o sacramento da Penitência, tinha os seus olhos cheios de bondade postos em cada um dos que haveríamos de vir depois, nos nossos erros, nas nossas fraquezas e nas ocasiões em que iríamos talvez mudar‑nos para muito longe da Casa do Pai. E deixava‑nos ao mesmo tempo o sacramento da paciência divina, o sacramento em que o nosso Pai‑Deus se coloca todos os dias às portas da eternidade para esperar ansiosamente o regresso dos filhos que partiram.

Peçamos a Nossa Senhora, refúgio dos pecadores nosso refúgio –, que nos ajude a aproximar‑nos do sacramento da Confissão cada vez mais bem preparados. E pensemos também na grande obra de misericórdia que levamos a cabo quando conseguimos que um amigo, um parente ou um conhecido recobre ou aumente, pela recepção deste sacramento, a Vida sobrenatural da sua alma.

(1) Cfr. Lc 7, 11‑17; (2) Mt 9, 36; (3) Mt 1, 41; (4) Mc 8, 2; (5) Mt 18, 27; (6) São Tomás de Aquino, Suma teológica, II‑II, q. 30, a. 4; (7) João Paulo II, Carta Encíclica Dives in misericordia,30.12.80, 11, 3; (8) Sl 102, 2‑3; Liturgia das Horas, Ofício das Leituras; (9) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas, V, 92; (10) Santo Agostinho, Sermão 98, 2; (11) João Paulo II, Carta Encíclica Dives in misericordia, VII, 13; (12) ibid.; (13) Jo 6, 59; (14) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, 9ª ed., Quadrante, São Paulo, 1999, n. 534; (15) João Paulo II, Carta Encíclica Dives in misericordia, VII, 13.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal