TEMPO COMUM. QUINTA SEMANA. TERÇA-FEIRA

Bênção de Deus para quem cumpre este mandamento. O “dulcíssimo preceito”.
Amor com obras.
O que significa honrar os pais. O amor aos filhos. Alguns deveres dos pais.

I. NO EVANGELHO da missa de hoje 1, o Senhor declara o verdadeiro alcance do quarto mandamento do Decálogo em face das explicações errôneas da casuística dos escribas e fariseus. O próprio Deus dissera por boca de Moisés: Honra teu pai e tua mãe, e quem maldisser o seu pai ou a sua mãe será réu de morte.

O cumprimento deste mandamento é tão grato a Deus que Ele o revestiu de muitas promessas de bênção: Quem honra seu pai expia os seus pecados; e quando reza, será escutado. Quem honra sua mãe é semelhante àquele que acumula um tesouro. Quem respeita seu pai gozará de vida longa 2. Esta promessa de uma vida longa para quem ama e honra os seus pais repete-se constantemente. Honra teu pai e tua mãe; assim prolongarás a vida na terra que o Senhor, teu Deus, te dará 3. E São Tomás, ao explicar esta passagem, ensina que a vida é longa quando é plena, e esta plenitude não se mede pelo tempo, mas pelas obras. Vive-se uma vida plena quando está repleta de virtudes e de frutos; então vive-se muito, ainda que o corpo morra jovem 4.

Apesar da clareza com que o mandamento é exposto nestas e em muitas outras passagens do Antigo Testamento, os doutores e os sacerdotes do Templo haviam torcido o seu sentido e cumprimento 5. Ensinavam que, se alguém dizia ao seu pai ou à sua mãe: Qualquer coisa que da minha parte possas receber ou necessitar é “corban”, isto é, oferenda6, os pais já não podiam tomar nada desses bens ainda que estivessem muito necessitados, pois cometeriam um sacrilégio apropriando-se de algo que fora declarado oferenda para o altar. Este costume era freqüentemente um mero artifício legal para as pessoas continuarem a desfrutar dos seus bens e sentirem-se desobrigadas do dever natural de ajudar os pais necessitados 7. O Senhor, Messias e Legislador, explica no seu justo sentido o alcance do mandamento, desfazendo os profundos erros que havia naquela época sobre o tema.

O quarto mandamento, que é também de direito natural, exige de todos os homens, especialmente daqueles que querem ser bons cristãos, a ajuda abnegada e cheia de carinho aos pais, sobretudo quando estes entram na velhice ou passam necessidade 8. Deus nunca pede coisas contraditórias, e por isso sempre há mil maneiras de viver o amor aos pais, mesmo que se tenham de cumprir primeiro outras obrigações familiares, sociais ou religiosas. Abre-se aqui um grande campo à responsabilidade, que os filhos devem examinar com freqüência na sua oração pessoal.

Deus paga com a felicidade, já nesta vida, a quem cumpre com amor esses deveres, ainda que vez por outra possam ser custosos. São Josemaría Escrivá costumava chamar ao quarto mandamento “dulcíssimo preceito do Decálogo”, porque é uma das mais gratas obrigações que o Senhor nos deixou.

II. O CUMPRIMENTO AMOROSO do quarto mandamento tem as suas raízes mais profundas no sentido da nossa filiação divina. Deus, de quem deriva toda a paternidade no céu e na terra 9, é o único que se pode considerar Pai em toda a sua plenitude, e os nossos pais, ao gerar-nos, participaram dessa paternidade divina que se estende a toda a criação. Vemos neles um reflexo do Criador: ao amá-los e honrá-los retamente, estamos honrando e amando neles o próprio Deus como Pai.

Na quadra do Natal, contemplávamos a Sagrada Família – Jesus, Maria e José – como modelo e protótipo de amor e espírito de serviço para todas as famílias. Jesus deixou-nos o exemplo e a doutrina que devemos seguir para cumprir o doce preceito do quarto mandamento tal como Deus o quer.

Antes de mais nada, Jesus afirmou que o amor a Deus tem uns direitos absolutos, e que a ele se devem subordinar todos os amores humanos: Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o seu filho ou a sua filha mais do que a mim não é digno de mim 10. Por isso, é contrário à vontade de Deus – e portanto não é verdadeiro amor – o apegamento à própria família, quando se converte em obstáculo para cumprir a vontade de Deus: E Jesus disse-lhes: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; tu, porém, vai e anuncia o reino de Deus.

Jesus deixou-nos um exemplo cabal de entrega plena à vontade do Pai celestial – Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai? 12, dirá a Maria e a José quando o encontram em Jerusalém -, mas, ao mesmo tempo, é o Modelo perfeito de como devemos cumprir o quarto mandamento e do apreço que devemos ter pelos vínculos familiares: viveu sujeito à autoridade de seus pais 13 e ajudou São José a sustentar o lar; realizou o seu primeiro milagre a pedido de sua Mãe 14; escolheu entre os seus parentes três dos seus discípulos 15; e, antes de morrer por nós na Cruz, confiou a São João o cuidado de sua Mãe Santíssima16; sem contar os inúmeros milagres que realizou movido pelas lágrimas ou pelas palavras de uma mãe 17 ou de um pai18. As orações dos pais pelos filhos chegam a Deus com um acento muito particular.

São imensos os modos de honrar e de amar os pais. “Honramo-los quando suplicamos submissamente a Deus que tudo lhes corra prosperamente; que gozem da estima e consideração dos homens e que sejam bem aceitos aos olhos de Deus e dos Santos que estão no céu.

“Honramos igualmente os pais quando os socorremos, ministrando-lhes o necessário para o seu sustento e para uma vida digna. Prova-o a palavra de Cristo ao censurar a impiedade dos fariseus… Esse dever é mais exigente sobretudo quando os pais ficam gravemente doentes. Cumpre-nos então cuidar de que não omitam a Confissão e os demais Sacramentos que todos os cristãos devem receber na iminência da morte […].

“Por último, quando morrem, honram-se os pais cuidando do funeral, promovendo condignas exéquias, preparando-lhes uma honrosa sepultura, garantindo os sufrágios e Missas de aniversário e executando fielmente as suas declarações de última vontade”. Assim se expressa em resumo o Catecismo Romano 19.

Se, por infelicidade, os pais estão longe da fé, o Senhor dar-nos-á a graça necessária para realizarmos com eles um apostolado cheio de afeto e respeito, que consistirá, ordinariamente, em orar por eles, em dar-lhes o apoio de uma conduta filial alegre, exemplar, cheia de carinho, juntamente com o empenho em procurar ocasiões de aproximá-los de pessoas que lhes possam falar de Deus com mais autoridade do que nós, porque os filhos não podem arvorar-se por iniciativa própria em mestres de seus pais.

III. O PRIMEIRO DEVER dos pais é amarem os filhos com um amor verdadeiro: interno, generoso, ordenado, que não olha para as suas qualidades físicas, intelectuais ou morais, e que sabe querer-lhes com os seus defeitos. Devem amá-los. Devem amá-los por serem seus filhos e também por serem filhos de Deus.

Por isso é um dever fundamental dos pais amarem e respeitarem a vontade de Deus sobre os seus filhos, mais ainda quando estes recebem uma vocação de entrega plena a Deus – muitas vezes, os pais até a desejarão e pedirão a Deus para este ou aquele filho -, porque “não é sacrifício entregar os filhos ao serviço de Deus; é honra e alegria”20.

Este amor deve ser operativo, deve traduzir-se eficazmente em obras. Manifestar-se-á no real esforço para que os filhos sejam trabalhadores, austeros e sóbrios, bem educados no sentido pleno da palavra… Que ganhem raízes neles essas bases do caráter que são as virtudes humanas: a rijeza, a responsabilidade, a generosidade, a lealdade, o amor à verdade, a simplicidade, o otimismo…

O amor verdadeiro levará os pais a preocuparem-se pelo colégio em que os filhos estudam, permanecendo muito atentos à qualidade do ensino que recebem, e, particularmente, ao ensino religioso, pois dele pode depender que sejam bons cristãos e, em última análise, que se salvem. Movê-los-á a buscar um local adequado para a época de férias e para os fins de semana – sacrificando não raras vezes as suas preferências pessoais -, de modo a evitarem aqueles ambientes

que tornariam impossível, ou pelo menos muito difícil, a prática de uma verdadeira vida cristã. Os pais não devem esquecer – e devem expô-lo aos filhos no momento oportuno -que são administradores de um enorme tesouro de Deus e que, por serem cristãos, não são uma família como outra qualquer, antes formam uma família em que Cristo está presente e que por isso tem umas características inteiramente novas.

Esta viva realidade levará os pais a serem exemplares em todas as ocasiões (nas conversas, à mesa, no modo de cumprirem os deveres profissionais, pela sua sobriedade, pela ordem e asseio, pela delicadeza de maneiras…). E os filhos encontrarão neles o caminho que conduz a Deus. “No rosto de toda a mãe pode-se captar um reflexo da doçura, da intuição, da generosidade de Maria. Honrando a vossa mãe, honrareis também aquela que, sendo Mãe de Cristo, é igualmente Mãe de cada um de nós”21.

Terminemos a nossa oração pondo as nossas famílias sob a proteção da Santíssima Virgem e dos santos Anjos da Guarda.

(1) Mc 7, 1-13; (2) Ecle 3, 4-5, 7; (3) Ex 20, 12; (4) cfr. São Tomás, Sobre o duplo preceito da caridade, Marietti, n. 1245; (5) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, págs. 299-300; (6) Mc 7, 11; (7) cfr. B. Orchard e outros, Verbum Dei, Barcelona, 1963, vol. III; (8) Cone. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 48; (9) Ef 3, 15; (10) Mt 10, 37; cfr. também Lc 9, 60; 2; (11) Lc 9, 60; (12) Lc 2, 49; (13) Lc 2, 51; (14) cfr. Jo 2, 1-11; (15) cfr. Mc 3,  17-18; (16) cfr. Jo 19, 26-27; (17) cfr. Lc 7, 11-17; Mt 18-26; (18) cfr. Mt 9, 18-26; 17, 14-20; (19) Catecismo Romano, III, 5, 10-12; (20) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 22; (21) João Paulo II, Alocu-Ção, 10-1-1979.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal