TEMPO DO ADVENTO. SEGUNDO DOMINGO
– A vocação do Batista. A sua figura no Advento.
– Humildade de João Batista. Necessidade desta virtude para o apostolado.
– Nós somos testemunhas e precursores. Apostolado com as pessoas das nossas relações.
I. POVO DE SIÃO, o Senhor vem salvar as nações. E, na alegria do vosso coração, soará majestosa a sua voz1. O Senhor vem… O Salvador está para chegar e ninguém percebe nada. O mundo continua, como de costume, na indiferença mais completa. Só Maria sabe da boa nova, bem como José, que foi avisado pelo anjo. O mundo está às escuras: Cristo está ainda no seio de Maria. E os judeus continuam a falar sobre o Messias, sem suspeitar que está tão perto. Poucos esperam a consolação de Israel: Simeão, Ana… Estamos no Advento, em plena espera.
É neste tempo litúrgico que a Igreja propõe à nossa meditação a figura de João, o Batista. Este é aquele de quem falou o profeta Isaías dizendo: Voz do que clama no deserto: preparai os caminhos do Senhor, endireitai as suas veredas2.
A vinda do Messias foi precedida no Antigo Testamento por Profetas que anunciavam de longe a sua chegada, à semelhança dos arautos que anunciavam a chegada de um grande rei. No Novo, “João aparece como a linha divisória entre os dois Testamentos. O próprio Senhor indica de algum modo quem é João, quando diz: A lei e os profetas até João Batista. É a personificação dos tempos antigos e o anúncio dos novos. Como representante dos tempos antigos, nasce de pais anciãos; como arauto dos tempos novos, mostra-se já profeta no seio de sua mãe. Ainda não nasceu, e já salta de alegria dentro de sua mãe quando Santa Maria a visita3. João foi chamado o Profeta do Altíssimo porque a sua missão foi ir à frente do Senhor para preparar os seus caminhos, ensinando a ciência da salvação ao seu povo”4.
Toda a essência da vida de João, desde o seio materno, esteve subordinada a essa missão. Esta seria a sua vocação: preparar para Jesus um povo capaz de receber o Reino de Deus e, por outro lado, dar testemunho público dEle. João não desempenhará essa missão à procura de uma realização pessoal, mas concentrando-se em preparar para o Senhor um povo perfeito. Não se dedicará a ela por gosto pessoal, mas por ter sido concebido para isso. E realizá-la-á até o fim, até dar a vida no cumprimento da sua vocação.
Foram muitos os que conheceram Jesus graças ao trabalho apostólico do Batista. Os primeiros discípulos seguiram Jesus por indicação expressa dele e muitos outros se prepararam interiormente para segui-lo graças à sua pregação.
A vocação abarca a vida inteira e leva a fazer girar tudo em torno da missão divina. Cada homem, no seu lugar e dentro das suas próprias circunstâncias, tem uma vocação dada por Deus; de que ela se cumpra dependem muitas outras coisas queridas pela vontade divina: “De que tu e eu nos portemos como Deus quer – não o esqueças – dependem muitas coisas grandes”5.
II. PLENAMENTE CONSCIENTE da missão que lhe foi confiada, João sabe que, diante de Cristo, não é digno sequer de desatar-lhe as sandálias6, coisa de que costumava encarregar-se o último dos criados; não se envergonha de afirmar que, perante Jesus, ele não tem a menor importância. Nem sequer se define a si próprio de acordo com a sua ascendência sacerdotal. Não diz: “Eu sou João, filho de Zacarias, da tribo sacerdotal de…” Antes pelo contrário, quando lhe perguntam: Quem és tu?, diz: Eu sou a voz que clama no deserto: Preparai os caminhos do Senhor, endireitai as suas veredas. Ele não é mais do que a voz, a voz que anuncia Jesus. Essa é a sua missão, a sua vida, a sua personalidade. Todo o seu ser está definido em função de Jesus, como teria que acontecer na nossa vida, na vida de qualquer cristão. O importante da nossa vida é Jesus.
À medida que Cristo se vai manifestando, João procura ficar em segundo plano, ir desaparecendo. Serão precisamente os seus melhores discípulos os que, por sua indicação, haverão de seguir o Mestre no começo da sua vida pública. Eis o Cordeiro de Deus, dirá a João e a André, apontando para Jesus que passava. Com grande delicadeza, desprender-se-á daqueles que o seguem para deixá-los ir em seguimento de Cristo. João Batista “perseverou na santidade porque se conservou humilde no seu coração”7; por isso mereceu também aquele extraordinário louvor do Senhor: Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não apareceu um que fosse maior que João8.
O Precursor indica-nos também a nós o caminho que devemos seguir. Na ação apostólica pessoal – enquanto preparamos os nossos amigos para que encontrem o Senhor –, devemos procurar não ser o centro. O importante é que Cristo seja anunciado, conhecido e amado. Só Ele tem palavras de vida eterna, só nEle se encontra a salvação. A atitude de João é uma enérgica advertência contra o desordenado amor próprio, que sempre nos incita a colocar-nos indevidamente em primeiro plano. Uma preocupação de singularidade, a ânsia de sermos protagonistas, não deixaria lugar para Jesus. Sem humildade, não poderíamos aproximar os nossos amigos de Deus. E então a nossa vida ficaria vazia.
III. NÓS NÃO SOMOS apenas precursores; somos também testemunhas de Cristo. Recebemos com a graça batismal e a Confirmação o honroso dever de confessar a fé em Cristo com as nossas ações e com a nossa palavra. Para podermos cumprir essa missão, recebemos freqüentemente, e mesmo diariamente, o alimento divino do Corpo de Jesus; e os sacerdotes prodigalizam-nos a graça sacramental e cuidam de instruir-nos com o ensinamento da Palavra divina.
Tudo o que possuímos é tão superior aos meios de que João dispunha, que o próprio Jesus pôde dizer que o menor no Reino de Deus é maior do que João. No entanto, que diferença! Jesus está a ponto de chegar e João vive fundamentalmente para ser o Precursor. Nós somos testemunhas, mas que tipo de testemunhas? Como é o nosso testemunho cristão entre os nossos colegas, na família? Tem força suficiente para persuadir os que ainda não crêem em Jesus, os que não o amam, os que têm uma idéia falsa a seu respeito? A nossa vida é uma prova, ou ao menos uma presunção, a favor da verdade do cristianismo? São perguntas que poderiam ajudar-nos a viver este Advento, um tempo a que não pode faltar a dimensão apostólica.
Temos que dar testemunho e, ao mesmo tempo, apontar aos outros o caminho. “Grande é a nossa responsabilidade, porque ser testemunha de Cristo implica, antes de mais nada, procurar comportar-se segundo a sua doutrina, lutar para que a nossa conduta recorde Jesus e evoque a sua figura amabilíssima. Temos que conduzir-nos de tal maneira que, ao ver-nos, os outros possam dizer: este é cristão porque não odeia, porque sabe compreender, porque não é fanático, porque está acima dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos de paz, porque ama”9.
Talvez o mundo de hoje, em muitos casos, também não espere nada, como outrora não esperava o Messias. Ou talvez olhe em outra direção, donde não virá ninguém. Muitos se acham debruçados sobre os bens materiais como se fossem o seu último fim; mas com eles jamais satisfarão o seu coração. Temos que apontar-lhes o caminho. A todos. “Sabeis – diz-nos Santo Agostinho – o que cada um de vós tem que fazer em casa, com o amigo, com o vizinho, com os dependentes, com o superior, com o inferior. Sabeis também de que modo Deus oferece as ocasiões, de que maneira abre a porta com a sua palavra. Não queirais, pois, viver tranqüilos até conquistá-los para Cristo, porque vós fostes conquistados por Cristo”10.
A nossa família, os amigos, os colegas de trabalho, as pessoas que vemos com freqüência devem ser os primeiros a beneficiar-se do nosso amor por Deus. Com o exemplo e com a oração, devemos chegar até mesmo àqueles com quem não temos ocasião de falar habitualmente.
A nossa grande alegria será termos aproximado de Jesus, como fez o Batista, muitos que estavam longe ou se mostravam indiferentes, sem perdermos de vista que é a graça de Deus, não as nossas forças humanas, que consegue levar as almas ao Senhor. E como ninguém dá o que não tem, torna-se mais urgente um esforço por crescer em vida interior, de forma que o amor superabundante de Deus possa extravasar do nosso coração e contagiar todos os que passam ao nosso lado.
A Rainha dos Apóstolos aumentará os nossos anseios e o nosso esforço por aproximar as almas do seu Filho, na certeza de que nenhum esforço é vão diante dEle.
(1) Cfr. Is 30, 19-30; Antífona de entrada da Missa do segundo domingo do Advento; (2) Mt 3, 3; (3) cfr. Lc 1, 76-77; (4) Santo Agostinho, Sermão 293, 2; (5) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 755; (6) cfr. Mt 3, 11; (7) São Gregório Magno, Tratado sobre o Evangelho de São Lucas, 20, 5; (8) Mt 11, 11; (9) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 122; (10) Santo Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de São João, 10, 9.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal