TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEGUNDA SEMANA. QUINTA‑FEIRA

– A obediência dá forças e frutos.
– Necessidade desta virtude para quem quer seguir Cristo de perto.
– Não impor limites ao querer de Deus.

I. JESUS ESTAVA JUNTO do lago de Genesaré com uma grande multidão que desejava ouvir a Palavra de Deus. Pedro e os seus companheiros de trabalho lavavam as redes depois de terem labutado uma noite inteira sem pescar nada. E Jesus, que queria meter‑se a fundo na alma de Simão, entrou na sua barca e pediu‑lhe que a afastasse um pouco da margem. E, sentado, ensinava da barca à multidão1. Enquanto escutava o Mestre, a quem já conhecia desde que seu irmão André o levara até Ele2, talvez Pedro tivesse continuado com a tarefa de deixar arrumados os apetrechos de pesca, sem suspeitar dos planos grandiosos do Senhor.

Quando acabou de falar, Jesus disse a Simão: Guia mar adentro e lançai as vossas redes para a pesca. Tudo convidava à desculpa: o cansaço, que é maior quando não se pescou nada, as redes já lavadas e preparadas para a noite seguinte, a inoportunidade da hora para a pesca. Mas o olhar de Jesus, o tom imperativo e ao mesmo tempo amável com que deu a ordem, a enorme atração que Cristo exerce sobre as almas nobres, levaram Pedro a fazer‑se ao largo novamente. O único motivo por que o fez foi Jesus: Mestre – disse‑lhe –, estivemos trabalhando durante toda a noite e nada pescamos, mas, sob a tua palavra, lançarei as redes. Sob a tua palavra. Essa foi a grande razão.

Em muitas ocasiões, quando aparece essa fadiga peculiar que resulta de não vermos frutos na vida interior ou na ação apostólica, quando nos parece que tudo foi um fracasso e nos assaltam raciocínios humanos que nos pretendem convencer a abandonar a tarefa, devemos ouvir a voz de Jesus que nos diz: Duc in altum, guia mar adentro, recomeça, torna a tentar… em meu Nome.

“O segredo de todos os progressos e de todas as vitórias é, na verdade, o saber recomeçar, o tirar ensinamentos de um fracasso e o tentar de novo”3.

Através desses aparentes fracassos, talvez o Senhor queira dizer‑nos que devemos trabalhar por motivos mais sobrenaturais, por obediência, por Ele e só por Ele. “Que poder o da obediência! – O lago de Genesaré negava os seus peixes às redes de Pedro. Toda uma noite em vão. “– Agora, obediente, tornou a lançar a rede à água e pescaram «piscium multitudinem copiosam» – uma grande quantidade de peixes. “– Acredita: o milagre repete‑se todos os dias”4.

Se alguma vez nos encontramos cansados e sem forças para recomeçar, olhemos para o Senhor que nos acompanha nesta nossa barca. Jesus convida‑nos então a pôr em prática, com docilidade interior, com empenho, esses conselhos que recebemos na confissão, na direção espiritual, certos de que recuperaremos as forças. “Muitas vezes – diz Santa Teresa –, parecia‑me não poder sofrer o trabalho conforme a minha baixeza natural. Disse‑me o Senhor: Filha, a obediência dá forças”5.

II. PEDRO FEZ‑SE AO LARGO com Jesus na barca, e em breve percebeu que as redes se enchiam de peixes; tantos, que parecia que iam rompê‑las. E fizeram sinais aos companheiros da outra barca para que viessem ajudá‑los. Eles vieram e encheram as duas barcas, tanto que se afundavam. Houve peixe para todos; Deus sempre recompensa a obediência com frutos sem conta.

Esta passagem do Evangelho está cheia de ensinamentos: durante a noite, na ausência de Cristo, o trabalho havia sido estéril. O mesmo acontece na vida dos cristãos, quando querem empreender tarefas apostólicas sem contar com o Senhor, em plena escuridão, deixando‑se levar unicamente pela sua experiência ou por esforços demasiado humanos.

“Empenhas‑te em andar sozinho, fazendo a tua própria vontade, guiado exclusivamente pelo teu próprio juízo… e, bem vês!, o fruto chama‑se «infecundidade». “Filho, se não abates o teu juízo, se és soberbo, se te dedicas ao «teu» apostolado, trabalharás durante toda a noite – toda a tua vida será uma noite! –, e no fim amanhecerás com as redes vazias”6.

Pedro mostrou‑se humilde ao obedecer à voz de quem, por não ser homem de mar, bem se poderia pensar que pouco ou nada sabia daquele trabalho em que ele, Simão, tinha adquirido tanta experiência e saber ao longo dos anos. Fia‑se, no entanto, do Senhor, tem mais confiança na palavra de Jesus do que nos seus anos de faina pesqueira. Esta obediência e confiança nas palavras de Jesus acabaram de preparar Pedro para receber a sua chamada definitiva. Foi como se o Senhor só tivesse querido chamá‑lo para sempre depois de obter dele um ato de obediência e de confiança plenas.

Para quem quer ser discípulo de Cristo, a necessidade da obediência não resulta de considerações de conveniência ou de eficácia, mas de que a obediência faz parte do mistério da Redenção, pois o próprio Cristo “revelou o seu mistério e levou a cabo a Redenção por meio da sua obediência”7.

Quem quiser seguir os passos do Mestre não pode, pois, pôr limites à sua obediência; o Senhor quer que lhe obedeçamos no fácil e no heróico, como Ele próprio o fez: “Obedeceu em coisas gravíssimas e dificílimas: até à morte de Cruz”8.

A obediência leva‑nos a querer identificar em tudo a nossa vontade com a vontade de Deus, que nos é dada a conhecer através dos pais, dos superiores, dos deveres que nos são impostos pelos afazeres familiares, sociais e profissionais. Numa palavra, leva‑nos a uma submissão alegre e delicada às disposições da autoridade legítima nas diversas ordens da vida humana, principalmente ao Papa e ao Magistério da Igreja. E no que se refere à alma, leva‑nos de modo muito particular a ser dóceis aos conselhos recebidos na confissão e na direção espiritual.

Quando permanecemos com Cristo, Ele sempre enche de peixes abundantes as nossas redes. Junto dEle, até o que parecia estéril e sem sentido torna‑se eficaz e frutuoso. “A obediência torna meritórios os nossos atos e sofrimentos, de tal forma que, por mais inúteis que estes últimos venham a parecer‑nos, podem chegar a ser muito fecundos. Uma das maravilhas realizadas por Nosso Senhor foi ter tornado proveitosa a coisa mais inútil que existe à face da terra: a dor. Ele a glorificou mediante a obediência e o amor”9.

III. PEDRO FICOU ASSOMBRADO com a pesca. Neste milagre, o Senhor manifestou‑se muito particularmente a ele. O Apóstolo olhou para Jesus e lançou‑se aos seus pés, dizendo‑lhe: Afasta‑te de mim, que sou um homem pecador. Compreendeu a sua pequenez diante da suprema dignidade de Cristo. Jesus disse‑lhe: Não temas; doravante serás pescador de homens. Pedro e os que o haviam acompanhado na pesca, atracando as barcas, deixaram tudo e seguiram‑no.

Nós também não podemos imaginar as conseqüências da nossa fidelidade em seguir as pegadas de Cristo. O Senhor pede‑nos cada vez mais correspondência, mais docilidade e mais obediência ao que nos vai manifestando de muitas maneiras. E, se formos fiéis, um dia far‑nos‑á contemplar a transcendência do nosso seguimento com obras: “Se corresponderes à chamada que o Senhor te fez, a tua vida – a tua pobre vida! – deixará na história da humanidade um sulco profundo e largo, luminoso e fecundo, eterno e divino”10.

Não ponhamos limites ao Senhor, tal como Pedro não os pôs. “Se és homem de mar alto, agarra com firmeza o teu leme […]. Se te dás a Deus, dá‑te como os santos se deram. Que nada prenda a tua atenção e te desvie da marcha que empreendeste: és de Deus. Se te dás, dá‑te para a eternidade. Nem as vagas nem a ressaca abalarão os teus alicerces. Deus apóia‑se em ti; mete também ombros ao trabalho, e navega contra a corrente […]. Duc in altum! Lança‑te às águas com a audácia dos ébrios de Deus”11.

A nossa Mãe Santa Maria, Stella maris, Estrela do mar, ensinar‑nos‑á a ser generosos com o Senhor quando nos pedir emprestada uma barca e depois quiser que lhe demos a vida inteira.

(1) Lc 5, 1‑11; (2) cfr. Jo 1, 41; (3) G. Chevrot, Simão Pedro, pág. 20; (4) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 629; (5) Santa Teresa, Fundações, pról. 2; (6) Josemaría Escrivá, Forja, n. 574; (7) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 3; (8) São Tomás, Comentário à Epístola aos Hebreus, 5, 8, lec. 2; (9) R. Garrigou‑Lagrange, As três idades da vida interior, pág. 683; (10) Josemaría Escrivá, Forja, n. 59; (11) J. Urteaga, O valor divino do humano, págs. 130‑132.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal