TEMPO COMUM. VIGÉSIMA OITAVA SEMANA. SÁBADO

– Abertos à misericórdia divina.
– A perda do “sentido do pecado”.
– Junto de Cristo, entendemos o que é verdadeiramente o pecado. Delicadeza de consciência.

I. SÃO LUCAS TRANSMITE-NOS no Evangelho da Missa de hoje uma dura sentença do Senhor: Todo aquele que falar contra o Filho do homem será perdoado; mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado 1. São Marcos acrescenta que esta blasfêmia jamais terá perdão; quem a cometer será réu de castigo eterno 2.

São Mateus situa a sentença num contexto que explica melhor as palavras do Senhor 3. Relata o Evangelista que a multidão, assombrada com tantas maravilhas, perguntava-se: Porventura não será este o Filho de Davi? 4 Mas os fariseus, mesmo diante de tantos prodígios que não podiam negar, não querem dar o braço a torcer e encontram como saída atribuir ao demônio a ação divina de Jesus. É tal a dureza de seus corações que, para não ceder, estão dispostos a tergiversar radicalmente o que é evidente para todos. Por isso murmuravam: Este não expulsa os demônios senão por virtude de Belzebu, príncipe dos demônios.

A blasfêmia imperdoável contra o Espírito Santo consiste precisamente nesse fechar-se à graça, em tergiversar os fatos sobrenaturais: isso é excluir a própria fonte do perdão5. Todo o pecado, por maior que seja, pode ser perdoado porque a misericórdia de Deus é infinita; mas, para que se possa receber esse perdão divino, é necessário reconhecer as culpas próprias e acreditar na misericórdia do Senhor. O endurecimento de coração daqueles fariseus impedia que a poderosa ação divina chegasse até eles.

Jesus qualifica essa atitude como pecado contra o Espírito Santo. E é imperdoável, não tanto pela sua gravidade e malícia, como pela disposição interna da vontade, que anula toda a possibilidade de arrependimento. Quem assim peca situa-se voluntariamente fora do alcance do perdão divino.

O Papa João Paulo II chama-nos a atenção para a extrema gravidade dessa atitude perante a graça, pois “a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem que reivindica um pretenso direito de perseverar no mal – em qualquer pecado – e por isso mesmo rejeita a Redenção. O homem fica fechado no pecado, impossibilitando ele mesmo a sua conversão e também, conseqüentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou sem importância para a sua vida” 6.

Pedimos hoje ao Senhor uma sinceridade radical e uma verdadeira humildade para reconhecermos as nossas faltas e pecados, mesmo os veniais; que não nos acostumemos a eles, que sejamos rápidos em procurar o sacramento do perdão e que o nosso coração seja sensível à ação do Espírito Santo.

E pedimos a Nossa Senhora o santo temor de Deus para nunca perdermos o sentido do pecado e a consciência dos nossos erros e fraquezas. “Quando temos a vista turvada, quando os olhos perdem a claridade, precisamos ir à luz. E Jesus Cristo disse-nos que Ele é a luz do mundo e que veio curar os enfermos” 7.

II. JESUS CRISTO DEU-NOS a conhecer plenamente o Espírito Santo como uma Pessoa diferente do Pai e do Filho, como o Amor pessoal dentro da Santíssima Trindade, que é a fonte e o modelo de todo o amor criado 8.

O Espírito esteve presente em todas as ações de Jesus, mas foi na Última Ceia que o Senhor nos falou dEle mais claramente: é uma Pessoa diferente do Pai e do Filho, e muito próximo da Redenção do mundo. Jesus refere-se a Ele como Paráclito ou Conselheiro, isto é, advogado e confortador. A palavra paráclito era usada no mundo profano grego para designar uma pessoa chamada a assistir outra ou a falar por ela, especialmente nos processos legais. O Espírito Santo tem por isso uma missão muito particular na formulação dos juízos da consciência e nesse outro juízo tão especial da Confissão, em que o réu sai absolvido para sempre das suas culpas e cheio de uma nova riqueza.

A misericórdia divina, que se exerce por esta ação misteriosa e salvífica do Espírito Santo, “encontra no homem que esteja em tal situação (de falta de abertura à ação da graça) uma resistência interior, uma espécie de impermeabilidade da consciência, um estado de alma que se diria consolidado em virtude de uma livre escolha: é aquilo que a Sagrada Escritura repetidamente designa como dureza de coração (cfr. Sl 81, 13; Jer 7, 24; Mc 3, 5). Na nossa época, a esta atitude da mente e do coração corresponde talvez a perda do sentido do pecado” 9.

O contrário da dureza de coração é a delicadeza de consciência, que a alma possui quando detesta todo o pecado, mesmo o venial, e procura ser dócil às inspirações e graças do Espírito Santo, que são incontáveis ao longo do dia. “Quando se tem em bom estado o olfato da alma – dizia Santo Agostinho –, percebe-se imediatamente o mau cheiro dos pecados” 10. Somos nós sensíveis às ofensas que se fazem a Deus? Somos prontos em reagir contra as nossas faltas e pecados?

III. MUITOS HOMENS vão perdendo o sentido do pecado e, conseqüentemente, o sentido de Deus. Não é raro que no cinema, na televisão, em artigos de jornal, se ventilem idéias e acontecimentos contrários à lei de Deus como se fossem assuntos normais, que às vezes são deplorados pelas suas conseqüências nocivas à sociedade e ao indivíduo, mas sem referência alguma ao Criador. Noutros casos, esses episódios são expostos como acontecimentos que atraem a curiosidade pública, mas sem lhes dar maior importância: infidelidades matrimoniais, eventos escandalosos, difamações, atentados contra a honra, divórcios sucessivos, fraudes, prevaricações, subornos… Não faltam pessoas, mesmo entre as que se dizem cristãs, que se divertem com essas situações e nelas se entretêm, dando a impressão de não se atreverem a chamá-las pelo seu nome.

Em todos esses casos, costuma-se esquecer o mais importante: a sua relação com Deus, que é quem dá o verdadeiro sentido às coisas humanas. Julga-se com critérios muito distantes do sentir de Deus, como se Ele não existisse ou não contasse para nada nos assuntos desta vida. É um ambiente pagão generalizado, parecido com o que rodeou os primeiros cristãos e que temos que mudar, como eles o fizeram.

Na nossa própria vida, só sentiremos o peso dos nossos pecados quando considerarmos essas faltas acima de tudo como ofensas a Deus, que nos separam dEle e nos tornam ineptos e surdos para ouvir o Paráclito, o Espírito Santo, na alma.

Quando não relacionamos as nossas fraquezas com o Senhor, acontece aquilo que Santo Agostinho fazia notar: existem alguns que – afirma o Santo –, ao cometerem certo tipo de pecado, julgam que não pecam porque dizem que não fazem mal a ninguém11.

Que grande graça é, pelo contrário, sentirmos o peso das nossas faltas, fazermos repetidos atos de contrição e desejarmos ardentemente a Confissão freqüente, em que a alma se purifica e se prepara para estar perto de Deus! “Se não andais abatidos e tristes pelos pecados, ainda não os conheceis – ensina São João de Ávila –. O pecado pesa: Sicut onus grave gravatae sunt super me (Sl 37, 5). Oprimem-me como uma carga pesada… O que é o pecado? Uma dívida insolúvel, uma carga tão insuportável que nem quatro arrobas pesam tanto” 12. E mais adiante acrescenta o mesmo Santo: “Não há carga tão pesada. Por que não a sentimos? Porque não sentimos a bondade de Deus” 13.

São Pedro descobriu na pesca milagrosa a divindade de Cristo e a sua pequenez. Por isso lançou-se aos pés de Jesus, dizendo-lhe: Retira-te de mim, Senhor, pois sou um homem pecador14. Pedia ao Senhor que se afastasse porque lhe parecia que, com as trevas da sua fraqueza, não podia suportar a luz radiante do Mestre. E enquanto as suas palavras declaravam a sua indignidade, os seus olhos e toda a sua atitude suplicavam ardentemente a Jesus que lhe permitisse ficar para sempre com Ele.

A imundície dos pecados precisa de um ponto de referência; esse ponto é a santidade de Deus. O cristão só percebe a falta de amor quando considera o amor de Cristo.

De outro modo, justificará facilmente todas as suas fraquezas. Pedro, que amava Jesus profundamente, soube arrepender-se das suas negações precisamente com um ato de amor. Domine – dirá naquela manhã depois da segunda pesca milagrosa –, tu omnia nosti, tu scis quia amo te15. Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo. É assim que devemos ir até o Senhor, com um ato de amor, quando não tenhamos correspondido ao seu. A contrição dá à alma uma grande fortaleza, devolve-lhe a esperança e comunica-lhe uma particular delicadeza para ouvir e entender a Deus.

Peçamos com freqüência à nossa Mãe Santa Maria, que foi tão dócil à ação do Espírito Santo, que nos ensine a ter uma consciência muito delicada, que não nos acostumemos ao peso do pecado e que saibamos reagir com prontidão ao menor pecado venial deliberado.

(1) Lc 12, 10; (2) cfr. Mc 3, 29; (3) cfr. Mt 12, 32; (4) Mt 12, 13; (5) cfr. São Tomás de Aquino, Suma teológica, II-II, q. 14, a. 3; (6) João Paulo II, Carta Encíclica Dominum et vivificantem, 18.05.86, 46; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 158; (8) cfr. Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 24; (9) João Paulo II, Carta Encíclica Dominum et vivificantem, 47; (10) Santo Agostinho, Comentários aos Salmos, 37, 9; (11) cfr. Santo Agostinho, Sermão 278, 7; (12) São João de Ávila, Sermão 25, para o Domingo XXI depois de Pentecostes, em Obras completas, vol. II, pág. 354; (13) ibid., pág. 355; (14) cfr. Lc 5, 8-9; (15) Jo 21, 17.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal