TEMPO COMUM. VIGÉSIMA OITAVA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA
– O que desejamos obter quando pedimos o pão nosso de cada dia.
– O pão da vida.
– Fé para poder comer este novo pão do Céu. A Sagrada Comunhão.
I. O PÃO NOSSO de cada dia nos dai hoje… Conta uma antiga lenda oriental que certo rei entregava uma vez por ano ao seu filho os mantimentos necessários para viver folgadamente ao longo dos doze meses seguintes. Nessa ocasião, que coincidia com a primeira lua do ano, o filho via o rosto do seu pai, o monarca. Mas este mudou de parecer e resolveu entregar ao príncipe cada dia as provisões necessárias unicamente para aquele dia. Assim podia abraçar o filho diariamente, e o príncipe podia ver todos os dias o rosto do rei.
Coisa parecida quis fazer o nosso Pai-Deus conosco. O pão de cada dia reclama a oração da jornada que começa. Pedir apenas para hoje significa reconhecer que teremos um novo encontro com o nosso Pai do Céu amanhã. Não encontraremos nesta previsão a vontade do Senhor de que rezemos com atenção todos os dias a oração que Ele nos ensinou?
O Senhor ensinou-nos a pedir na palavra pão tudo aquilo de que precisamos para viver como filhos de Deus: fé, esperança, amor, alegria, alimento para o corpo e para a alma, fé para ver nos acontecimentos diários a vontade de Deus, coração grande para compreender e ajudar os outros… O pão é o símbolo de todos os dons que nos chegam das mãos de Deus1. Pedimos aqui, em primeiro lugar, o sustento que nos permita cobrir as necessidades desta vida; depois, o necessário para a saúde da alma2.
Deus deseja que peçamos também os bens temporais, pois ajudam-nos a chegar ao Céu quando devidamente ordenados. Temos muitos exemplos disso no Antigo Testamento, e o próprio Senhor nos anima a pedir o necessário para esta vida: não devemos esquecer que o seu primeiro milagre consistiu em converter a água em vinho para que a festa de uns recém-casados não malograsse. Noutra ocasião, alimentou uma ingente multidão que o seguia faminta havia três dias… Também não se esqueceu de advertir que dessem de comer à filha de Jairo, que acabava de ressuscitar…3
Ao pedirmos o pão de cada dia, reconhecemos que toda a nossa existência depende de Deus. O Senhor quis que pedíssemos todos os dias aquilo de que necessitamos, para que nos lembrássemos constantemente de que Ele é nosso Pai, e nós filhos necessitados que não podemos valer-nos por nós mesmos. Rezar bem esta parte do Pai-Nosso equivale a reconhecer a nossa pobreza radical diante de Deus e a sua bondade para conosco, que todos os dias nos dá o necessário. A ajuda divina nunca nos há de faltar.
II. OS SANTOS PADRES não se limitaram a interpretar este pão como o alimento material; também viram significado nele o Pão da vida, a Sagrada Eucaristia, sem a qual a vida espiritual da alma não pode subsistir.
Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto, e morreram. Este é o pão que desceu dos céus, para que aquele que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desci do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente; e o pão que eu darei é a minha carne para a salvação do mundo4. São João recordará durante toda a sua vida este longo discurso do Senhor e do lugar onde o pronunciou: Estas coisas disse-as Jesus ensinando em Cafarnaum, na sinagoga 5.
O realismo destas palavras e das que se seguiram é tão forte que excluem qualquer interpretação em sentido figurado. O maná do Êxodo era figura deste Pão – o próprio Jesus Cristo – que alimenta os cristãos no seu caminho para o Céu. A Comunhão é o sagrado banquete em que Cristo se dá a si mesmo. Quando comungamos, participamos do sacrifício de Cristo. Por isso, a Igreja canta na Liturgia das Horas, na festa do Corpus Christi: Ó sagrado banquete em que Cristo é o nosso alimento, em que se celebra o memorial da Paixão, a alma se enche de graça e nos é dado um penhor da futura glória 6.
Os ouvintes entenderam o sentido próprio e direto das palavras do Senhor, e por isso custou-lhes aceitar que essa afirmação pudesse ser verdade. Se a tivessem entendido em sentido figurado, não se teriam mostrado tão surpreendidos nem se teria originado nenhuma discussão entre eles7. Disputavam, pois, entre si os judeus, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua carne?8 Jesus afirma claramente que o seu Corpo e o seu Sangue são verdadeiro alimento da alma, penhor de vida eterna e garantia da ressurreição corporal.
O Senhor chega até a empregar uma expressão mais forte que o mero comer (o verbo original poderia traduzir-se por mastigar9), sublinhando assim o realismo da Comunhão: trata-se de uma verdadeira comida, na qual o próprio Cristo se dá como alimento. Não é possível uma interpretação simbólica, como se participar da Eucaristia fosse somente uma metáfora, e não significasse comer e beber realmente o Corpo e o Sangue de Cristo.
Cristo, depois da Comunhão, não está presente em nós como alguém está presente no seu amigo, por meio de uma presença espiritual; está “verdadeira, real e substancialmente presente” em nós. Na Sagrada Comunhão, a união com Jesus é tão estreita que excede a capacidade de entendimento de qualquer ser humano.
Quando dizemos: Pai, o pão nosso de cada dia nos dai hoje, e pensamos que podemos receber todos os dias o Pão da vida, devemos encher-nos de alegria e de um imenso agradecimento; e animar-nos a comungar com freqüência e mesmo diariamente, se for possível. Porque, se “o pão é algo quotidiano, por que o recebes somente uma vez por ano? Recebe diariamente aquilo que diariamente te é proveitoso, e vive de modo que todos os dias sejas digno de recebê-lo”10.
III. A SAGRADA EUCARISTIA, de modo análogo ao alimento natural, conserva, acrescenta, restaura e fortalece a vida sobrenatural 11. Concede à alma a paz e a alegria de Cristo, como “uma antecipação da bem-aventurança eterna” 12; limpa a alma dos pecados veniais e diminui as más inclinações; aumenta a vida sobrenatural e move à realização de atos eficazes relativos a todas as virtudes: é “o remédio para as nossas necessidades quotidianas” 13.
Oculto sob os acidentes do pão, Jesus espera que nos aproximemos dEle com freqüência para recebê-lo: O banquete, diz-nos, está preparado14.
São muitos os ausentes, e Jesus espera-nos. Quando o recebermos, poderemos dizer-lhe, com uma oração que hoje se reza na Liturgia das Horas: Fica conosco, Senhor Jesus, porque se faz tarde; sê nosso companheiro de caminho, levanta os nossos corações, reanima a nossa débil esperança15.
A fé – que se manifestará em primeiro lugar na conveniente preparação da alma – será indispensável para comermos este novo pão. Os discípulos que abandonaram Jesus naquele dia renunciaram à sua fé. Nós dizemos-lhe, com São Pedro: Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna16.
E fazemos o firme propósito de preparar melhor a Comunhão, com mais fé e mais amor: “Adoremo-lo com reverência e com devoção; renovemos na sua presença o oferecimento sincero do nosso amor; digamos-lhe sem medo que o amamos; agradeçamos-lhe esta prova diária de misericórdia, tão cheia de ternura, e fomentemos o desejo de nos aproximarmos da Comunhão com confiança. Eu me surpreendo diante deste mistério de Amor: o Senhor procura como trono o meu pobre coração, para não me abandonar se eu não me afasto dEle”17.
Ao terminarmos a nossa oração, dizemos também ao Senhor, como aquelas pessoas de Cafarnaum: Senhor, dá-nos sempre desse pão 18.
E quando rezarmos o Pai-Nosso, pensemos um momento que são muitas as nossas necessidades e as dos nossos irmãos, e digamos com devoção: Pai, o pão nosso de cada dia nos dai hoje; o pão de que necessitamos para a nossa subsistência corporal e espiritual. Amanhã sentir-nos-emos alegres ao pedirmos novamente a Deus que se lembre da nossa pobreza. E Ele nos dirá: Omnia mea tua sunt 19, todas as minhas coisas são tuas.
(1) cfr. Êx 23, 25; Is 33, 16; (2) cfr. Catecismo Romano, IV, 13, n. 8; (3) cfr. Jo 2, 1 e segs.; Mt 14, 13-21; Mc 5, 22-43; (4) Jo 6, 48-52; (5) cfr. Jo 6, 60; (6) Antífona do Magnificat nas segundas Vésperas; (7) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, nota a Jo 6, 52; (8) Jo 6, 52; (9) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, nota a Jo 6, 54; (10) Santo Ambrósio, Sobre os sacramentos, V, 4; (11) cfr. Concílio de Florença, Decreto Pro armeniis, Dz 698; (12) cfr. Jo 6, 58; Dz 875; (13) Santo Ambrósio, Sobre os sacramentos; (14) cfr. Lc 14, 15 e segs.; (15) Liturgia das Horas, Oração das II Vésperas; (16) Jo 6, 68; (17) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 161; (18) Jo 6, 34; (19) cfr. Lc 15, 31.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal