TEMPO COMUM. VIGÉSIMO OITAVO DOMINGO. ANO B

– A maior sabedoria consiste em encontrar Jesus Cristo.
– O encontro com o jovem rico.
– Jesus convida-nos a segui-lo.

I. OS TEXTOS DA MISSA deste domingo falam da sabedoria divina, que devemos estimar mais do que qualquer outro bem. Na primeira Leitura1, lemos o pedido que o autor do livro sagrado coloca nos lábios de Salomão: Invoquei o Senhor, e foi-me concedido o espírito de sabedoria. Preferi-a aos reinos e aos tronos, e em sua comparação tive as riquezas por nada. Não a equiparei às pedras preciosas, porque todo o ouro ao seu lado é um pouco de areia, e à sua vista a prata será considerada como lodo. Nada pode alcançar o valor do conhecimento de Deus, que nos faz participar da sua intimidade e dá sentido à vida: Preferi-a à saúde e à formosura, e resolvi tê-la por luz, porque o seu resplendor não tem ocaso. E, além disso, todos os bens me vieram juntamente com ela. Encontrei nas suas mãos inumeráveis riquezas.

O Verbo de Deus encarnado, Jesus Cristo, é a Sabedoria infinita, escondida no seio do Pai desde a eternidade e agora acessível aos homens que estejam dispostos a abrir o seu coração com humildade e simplicidade. Comparado com Ele, o ouro é um pouco de areia, e a prata será considerada co-mo lodo, nada. Ter Cristo é possuir tudo, pois com Ele nos chegam todos os bens. Por isso cometemos a maior insensatez quando preferimos alguma coisa (honra, riqueza, saúde…) ao próprio Cristo que nos visita. Nada vale a pena sem o Mestre.

“Senhor, obrigado por teres vindo. Terias podido salvar-nos sem teres vindo. Bastava simplesmente que quisesses salvar-nos; não se vê que a Encarnação fosse necessária. Mas quiseste vir para termos o exemplo completo de toda a perfeição […]. Obrigado, Mestre, por teres vindo, por estares no meio de nós, homem entre os homens, o Homem entre os homens, como um entre tantos […], e, apesar disso, o Homem que tudo atrai a si, porque, desde que veio, não existe outra perfeição. Obrigado por teres vindo e porque eu posso ver-te e alimentar a minha vida em ti”2.

Ser sábio, Senhor, é encontrar-te e seguir-te. Só acerta na vida quem te segue.

II. NO EVANGELHO DA MISSA3, São Marcos relata o episódio de uma pessoa que preferiu alguns bens ao próprio Cristo, que o convidara a segui-lo. Quando Jesus saía com os seus discípulos a caminho de Jerusalém, apareceu um jovem4 que se ajoelhou diante dEle e lhe perguntou: Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? O Senhor indica-lhe os Mandamentos como caminho seguro e necessário para alcançar a salvação. O jovem, com grande simplicidade, respondeu-lhe que os cumpria desde a infância. Então Jesus, que conhecia a pureza daquele coração e o fundo de generosidade e de entrega que existe em cada homem e em cada mulher, pondo nele os olhos, mostrou-lhe afeto, amou-o com predileção, e convidou-o a segui-lo, pondo de parte tudo o que possuía.

São Marcos, que nos transmite a catequese de São Pedro, deve ter ouvido o relato dos lábios do próprio Apóstolo, em todos os seus pormenores. Como Pedro devia lembrar-se desse olhar de Jesus que, no começo da sua vocação, também pousara sobre ele e mudara o rumo da sua vida! E Jesus, fixando nele o olhar, disse-lhe: Tu és Simão, filho de João; serás chamado Cefas, que quer dizer Pedro5. E a partir daquele instante a vida de Pedro foi outra.

Como gostaríamos de contemplar esse olhar de Jesus! Umas vezes, imperioso; outras, de pena e de tristeza, por exemplo ao ver a incredulidade dos fariseus6; outras, de compaixão, como à entrada de Naim, ao passar pelos que levavam a enterrar o filho morto da viúva7. É esse olhar que comunica uma força persuasiva às palavras com que convida Mateus a deixar tudo e segui-lo8, ou com que se faz convidar a casa de Zaqueu, levando-o à conversão9. É esse mesmo olhar que se enternece diante da fé e da grandeza de alma de uma viúva pobre que deu tudo o que tinha10, o mesmo que põe a descoberto a alma diante de Deus e suscita a contrição, como no caso da mulher adúltera11 e do próprio Pedro depois da sua tríplice negação12.

Jesus olhou com afeto para o jovem que se aproximara dEle e convidou-o: “Segue-me. Caminha sobre os meus passos. Vem para o meu lado! Permanece no meu amor!”13 É o convite que talvez nós tenhamos recebido um dia…, esse em que resolvemos segui-lo sem mais altos e baixos.

“O homem precisa deste olhar amoroso: tem necessidade de saber-se amado, de saber-se eternamente amado e escolhido desde toda a eternidade (cfr. Ef 1, 4). Ao mesmo tempo, este amor eterno de eleição divina acompanha o homem durante toda a vida como o olhar de amor de Cristo. E isto sobretudo no momento da provação, da humilhação, da perseguição, do fracasso […]. Então, a consciência de que o Pai nos amou desde sempre no seu Filho, de que Cristo nos ama a cada um e sempre, torna-se um ponto de apoio firme para toda a existência humana. Quando tudo se conjuga para nos fazer duvidar de nós mesmos e do sentido da nossa vida, então esse olhar de Cristo, ou seja, a consciência do amor que nEle se mostrou mais forte do que todo o mal e toda a destruição, essa consciência permite-nos sobreviver14.

Cada um recebe uma chamada particular do Mestre, e da resposta a esse convite dependem toda a paz e toda a felicidade verdadeiras. A autêntica sabedoria consiste em dizer sim a cada um dos convites que Cristo, Sabedoria infinita, faz ao longo da nossa vida, porque Ele continua a percorrer as nossas ruas e praças. Cristo vive e chama. “Um dia – não quero generalizar; abre o teu coração ao Senhor e conta-lhe a tua história –, talvez um amigo, um simples cristão igual a ti, te fez descobrir um panorama profundo e novo, e, ao mesmo tempo, antigo como o Evangelho. Sugeriu-te a possibilidade de te empenhares seriamente em seguir Cristo, em ser apóstolo de apóstolos. Talvez tenhas perdido então a tranqüilidade e não a tenhas recuperado, convertida em paz, enquanto livremente, porque te apeteceu – que é a razão mais sobrenatural –, não respondeste sim a Deus. E veio a alegria, forte, constante, que só desaparece quando te afastas dEle”15.

É a alegria da entrega, tão oposta à tristeza que afogou a alma do jovem rico que não quis corresponder à chamada do Mestre.

III. VAI, VENDE QUANTO TENS e dá-o aos pobres, e terás um tesouro nos céus; e vem depois e segue-me, disse Jesus a esse jovem que tinha muitos bens. E as palavras que deviam comunicar-lhe uma grande alegria, deixaram-lhe na alma uma grande tristeza: Mas ele, afligido por estas palavras, retirou-se triste. “A tristeza deste jovem deve fazer-nos refletir. Podemos ter a tentação de pensar que possuir muitas coisas, muitos bens neste mundo, pode fazer-nos felizes. E no entanto, vemos no caso deste jovem do Evangelho que as muitas riquezas se converteram em obstáculo para aceitar o chamamento de Jesus. Não estava disposto a dizer sim a Jesus e não a si próprio, a dizer sim ao amor e não à fuga! O amor verdadeiro é exigente”16.

Se notamos no nosso coração um travo de desgosto e tristeza, é possível que se deva a que o Senhor nos está pedindo alguma coisa e nós nos recusamos a dá-la; não acabamos de deixar o coração livre de quaisquer laços para segui-lo plenamente.

 

 

É talvez o momento de nos lembrarmos das palavras de Jesus no fim desta passagem do Evangelho: Em verdade vos digo que todo aquele que deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa do Evangelho, receberá já agora no tempo presente cem vezes mais em casas, irmãos, irmãs, mães, pais, filhos e campos, juntamente com perseguições, e no século futuro a vida eterna.

… E vem depois e segue-me. Com que ansiedade não estariam todos à espera da resposta do jovem! Com essa palavra – segue-me –, Jesus chamava os seus discípulos mais íntimos. Era um convite que implicava acompanhá-lo no seu ministério, escutar a sua doutrina e imitar o seu modo de vida… Agora, depois da Ascensão aos Céus, esse seguimento não é, logicamente, acompanhá-lo pelos caminhos e aldeias da Palestina, mas permanecer onde Ele nos encontrou, no meio do mundo, e fazer nossa a sua vida e doutrina, comunicar-nos com Ele mediante a oração, tê-lo presente no trabalho, no descanso, nas alegrias e nas penas…, dá-lo a conhecer com o testemunho alegre de uma vida simples e com a palavra.

Seguir o Senhor significa hoje empreender o caminho de uma vida de empenho e de luta por imitar o Mestre. “Neste esforço de identificação com Cristo, costumo distinguir como que quatro degraus: procurá-lo, encontrá-lo, tratá-lo, amá-lo. Talvez vos sintais como que na primeira etapa. Procurai o Senhor com fome, procurai-o em vós mesmos com todas as forças. Atuando com este empenho, atrevo-me a garantir que já o tereis encontrado, e que tereis começado a tratá-lo e a amá-lo”17.

O Senhor não deixa de chamar-nos para que tomemos a sério o caminho da santidade no meio dos nossos afazeres diários. Jesus, hoje, continua a viver e a chamar-nos. É o mesmo que percorria os caminhos da Palestina. Não deixemos passar a oportunidade de assumir um compromisso definitivo, de pôr a mão no arado com a firme disposição de nunca mais olhar para trás18.

(1) Sab 7, 7-11; (2) Jacques Leclerq, Treinta meditaciones sobre la vida cristiana, Desclée de Brouwer, Bilbao, 1958, págs. 50-51; (3) Mc 10, 17-30; (4) cfr. Mt 19, 16; (5) Jo 1, 42; (6) cfr. Mc 2, 5; (7) cfr. Lc 7, 13; (8) cfr. Mt 9, 9; (9) cfr. Lc 19, 5; (10) cfr. Mc 12, 41-44; (11) cfr. Jo 8, 10; (12) cfr. Lc 22, 61; Mc 14, 72; (13) João Paulo II, Homilia, 1.10.79; (14) João Paulo II, Carta aos jovens, 31.03.85, 7; (15) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 1; (16) João Paulo II, Homilia, 1.10.79; (17) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 300; (18) Lc 9, 62.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal