TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA SEMANA. SÁBADO
– Os primeiros lugares.
– Humildade de Maria.
– Frutos da humildade.
I. TODOS OS DIAS são bons para fazer uns minutos de oração junto da Virgem, mas hoje, sábado, é um dia especialmente apropriado, pois são muitos os cristãos de todas as regiões da terra que procuram que os sábados transcorram muito perto de Maria.
Aproximamo-nos dEla, no dia de hoje, para que nos ensine a progredir na virtude da humildade, fundamento de todas as outras, pois a humildade “é a porta pela qual passam as graças que Deus nos outorga; é ela que amadurece todos os nossos atos, dando-lhes valor e fazendo com que sejam agradáveis a Deus. Finalmente, constitui-nos donos do coração de Deus, até fazer dEle, por assim dizer, nosso servidor, pois Deus nunca pode resistir a um coração humilde”1. É tão necessária à salvação que Jesus aproveita qualquer circunstância para elogiá-la.
O Evangelho da Missa2 diz que Jesus foi convidado para um banquete. Na mesa, como também acontece freqüentemente nos nossos dias, havia lugares de honra. Os convidados, talvez atabalhoadamente, dirigiam-se para esses lugares mais considerados. Jesus observava-os. A certa altura, quando talvez a refeição estava já a ponto de terminar, num desses momentos em que a conversa se torna menos ruidosa, disse: Quando fores convidado para umas bodas, não te sentes no primeiro lugar […]. Mas vai tomar o último lugar, para que, quando vier o que te convidou, te diga: Amigo, vem mais para cima. Então serás muito honrado na presença de todos os comensais. Porque todo aquele que se exalta será humilhado; e aquele que se humilha será exaltado.
Jesus ocupou provavelmente um lugar discreto ou aquele que o anfitrião lhe indicou. Ele sabia onde estar, e ao mesmo tempo apercebeu-se da atitude pouco elegante, mesmo humanamente, de alguns comensais. Estes, por sua vez, enganaram-se por completo, porque não souberam perceber que o melhor lugar é sempre ao lado de Jesus. Era em ocupar esse lugar, ao lado de Jesus, que deveriam porfiar. Na vida dos homens, observa-se não poucas vezes uma atitude parecida à desses comensais: quanto empenho em serem considerados e admirados, e que pouco em permanecerem perto de Deus! Nós pedimos hoje a Santa Maria, neste tempo de oração e ao longo do dia, que nos ensine a ser humildes, que é a única maneira de crescermos no amor ao seu Filho, de estarmos perto dEle. A humildade conquista o Coração de Deus.
“«Quia respexit humilitatem ancillae suae» – porque viu a baixeza da sua escrava… Cada dia me persuado mais de que a humildade autêntica é a base de todas as virtudes! Fala com Nossa Senhora, para que Ela nos vá adestrando em caminhar por essa senda”3.
II. A VIRGEM MOSTRA-NOS o caminho da humildade. É uma virtude que não consiste essencialmente em reprimir os impulsos da soberba, da ambição, do egoísmo, da vaidade…, pois Nossa Senhora nunca teve nenhum desses movimentos e, no entanto, foi humilde em grau eminente. A palavra “humildade” vem do latim humus, terra, e significa inclinar-se para a terra. Trata-se de uma virtude que consiste fundamentalmente em inclinar-se diante de Deus e diante de tudo o que há de Deus nas criaturas4, em reconhecer a nossa pequenez e indigência em face da grandeza do Senhor.
As almas santas “sentem uma alegria muito grande em aniquilar-se diante de Deus, em reconhecer que só Ele é grande e que, em comparação com a dEle, todas as grandezas humanas estão vazias de verdade e não são mais do que mentira”5. Este aniquilamento não reduz, não encurta as verdadeiras aspirações da criatura, mas enobrece-as e concede-lhes novas asas, abre-lhes horizontes mais amplos.
Quando Nossa Senhora é escolhida como Mãe de Deus, proclama-se imediatamente sua escrava6. E no momento em que ouve a sua prima Santa Isabel dizer-lhe que é bendita entre as mulheres7, dispõe-se a servi-la. É a cheia de graça8, mas guarda na sua intimidade a grandeza que lhe foi revelada. Não desvenda o mistério nem sequer a José; deixa que a Providência o faça no momento oportuno. Cheia de alegria, canta as coisas grandes que se realizaram nEla, mas diz que essas maravilhas cabem ao Todo-Poderoso; da sua parte, só colaborou com a sua pequenez e o seu querer9.
“Ignorava-se a si mesma. Por isso, aos seus próprios olhos, não contava absolutamente nada. Não viveu preocupada consigo própria, mas com a vontade de Deus. Por isso pôde medir plenamente o alcance da sua baixeza e da sua condição de criatura – desamparada e segura ao mesmo tempo –, sentindo-se incapaz de tudo, mas sustentada por Deus. A conseqüência foi que se entregou a Deus, que viveu para Deus”10. Nunca buscou a sua própria glória, nem se esforçou por aparecer, nem ambicionou os primeiros lugares nos banquetes, nem quis ser considerada ou receber elogios por ser a Mãe de Jesus. Procurou unicamente a glória de Deus.
A humildade funda-se na verdade, na realidade; sobretudo numa certeza: a de que a distância que existe entre o Criador e a criatura é infinita. Quanto mais se compreende esta distância e o modo como Deus se aproxima da criatura com os seus dons, a alma, com a ajuda da graça, torna-se mais humilde e agradecida. Quanto mais alto se encontra uma criatura, mais compreende esse abismo; por isso a Virgem foi tão humilde.
Ela, a Escrava do Senhor, é hoje a Rainha do universo. Cumpriram-se nEla, de modo eminente, as palavras de Jesus no final da parábola: quem se humilha, quem ocupa o seu lugar diante de Deus e dos homens, será exaltado. Quem é humilde ouve Jesus dizer-lhe: Amigo, vem mais para cima. “Saibamos pôr-nos ao serviço de Deus sem condições, e seremos elevados a uma altura incrível; participaremos da vida íntima de Deus – seremos como deuses! –, mas pelo caminho regulamentar: o da humildade e da docilidade ao querer do nosso Deus e Senhor”11.
III. A HUMILDADE FAR-NOS-Á descobrir que todas as coisas boas que existem em nós vêm de Deus, tanto no âmbito da natureza como no da graça: Diante de ti, Senhor, a minha vida é como um nada12, exclama o Salmista. Somente a fraqueza e o erro é que são especificamente nossos.
Ao mesmo tempo, porém, a humildade nada tem a ver com a timidez, com a pusilanimidade ou a mediocridade. Longe de apoucar-se, a alma humilde coloca-se nas mãos de Deus e enche-se de alegria e de agradecimento quando o Senhor quer fazer grandes coisas através dela. Os santos foram homens magnânimos, capazes de grandes empreendimentos para a glória de Deus. O humilde é audaz porque conta com a graça do Senhor, que tudo pode, porque recorre com freqüência à oração – reza muito –, convencido da absoluta necessidade da ajuda divina. E por ser simples e nada arrogante ou auto-suficiente, atrai as amizades, que são veículo para uma ação apostólica eficaz e de longo alcance.
A humildade é o fundamento de todas as virtudes, mas é-o especialmente da caridade: na medida em que nos esquecemos de nós mesmos, podemos interessar-nos verdadeiramente pelos outros e atender às suas necessidades.
Ao redor destas duas virtudes encontram-se todas as outras. “Humildade e caridade são as virtudes mães – afirma São Francisco de Sales –; as outras seguem-nas como os pintinhos seguem a galinha”13. Em sentido contrário, a soberba, aliada ao egoísmo, é a “raiz e mãe” de todos os pecados, mesmo dos capitais14, e o maior obstáculo que o homem pode opor à graça.
A soberba e a tristeza andam frequentemente de mãos dadas15, enquanto a alegria é patrimônio da alma humilde. “Olhai para Maria. Jamais criatura alguma se entregou com tanta humildade aos desígnios de Deus. A humildade da ancilla Domini (Lc 1, 38), da escrava do Senhor, é a razão pela qual a invocamos como causa nostrae laetitiae, como causa da nossa alegria. Eva, depois de pecar por ter querido na sua loucura igualar-se a Deus, escondia-se do Senhor e envergonhava-se: estava triste. Maria, ao confessar-se escrava do Senhor, é feita Mãe do Verbo divino e enche-se de júbilo. Que este seu júbilo, de Mãe boa, nos contagie a todos nós: que nisto saiamos a Ela – a Santa Maria –, e assim nos pareceremos mais com Cristo”16.
(1) Cura d’Ars, Sermão para o décimo domingo depois de Pentecostes; (2) Lc 14, 1, 7-11; (3) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 289; (4) cfr. Réginald Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. II, pág. 670; (5) ibid.; (6) cfr. Lc 1, 38; (7) Lc 1, 42; (8) Lc 1, 28; (9) cfr. Lc 1, 47-49; (10) Federico Suárez, A Virgem Nossa Senhora, pág. 129; (11) cfr. Antonio Orozco Delclos, Olhar para Maria, pág. 138; (12) Sl 38, 6; (13) São Francisco de Sales, Epistolário; (14) São Tomás de Aquino, Suma teológica, II-II, q. 162, aa. 7-8; (15) cfr. Cassiano, Colações, 16; (16) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 109.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal