TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. QUINTA‑FEIRA

– Jesus Cristo liberta‑nos das cargas mais pesadas.

– Devemos contar com o peso da dor, das contrariedades e dos obstáculos.

– Espírito esportivo, rijeza e alegria para enfrentar tudo aquilo que contraria ou é menos agradável, o que se opõe aos nossos planos ou produz pesar e dor. Fugir do desalento.

I. VINDE A MIM todos os que estais fatigados e sobrecarregados – diz Jesus no Evangelho da Missa1 –, e eu vos aliviarei. O Senhor dirige‑se às multidões que o seguem, maltratadas e abatidas como ovelhas sem pastor2, e liberta‑as dos fardos que as afligem. Os fariseus sobrecarregavam‑nas de minuciosas práticas insuportáveis3, e em troca não lhes davam a paz que almejavam nos seus corações.

Os fardos mais pesados dos homens – ensina Santo Agostinho – são os pecados. “Jesus diz aos homens que carregam fardos tão pesados e detestáveis e que suam em vão debaixo deles: Vinde a mim… e eu vos aliviarei. Como alivia os sobrecarregados pelos pecados, senão mediante o perdão dos mesmos?”4 Cada confissão é libertadora, porque os pecados – mesmo os veniais – afogam e oprimem. Saímos desse sacramento restaurados, dispostos a lutar novamente, cheios de paz. “É como se o Senhor dissesse: todos os que andais atormentados, aflitos e carregados sob o fardo dos vossos cuidados e desejos, abandonai‑os, vindo a Mim, e Eu vos recrearei, e encontrareis para as vossas almas o descanso que vos foi tirado pelas vossas paixões”5.

O Senhor, em troca desses fardos do pecado, da soberba, da falta de generosidade…, convida‑nos a partilhar do seu próprio jugo. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu peso leve… E Santo Agostinho comenta: “Este jugo não é um peso para quem o carrega, mas asas para quem vai voar”6. Os compromissos próprios da nossa vocação cristã e aquela parte da Cruz que nos cabe a cada um são um doce peso; e esta amável carga permite‑nos remontar até o próprio Deus.

Além disso, junto de Cristo, as dificuldades e os obstáculos adquirem um sentido totalmente diferente. Em vez de serem a “nossa cruz”, convertem‑se na Cruz de Cristo, com a qual corredimimos, ao mesmo tempo que as nossas faltas se purificam e as nossas virtudes crescem. E, no entanto, levanta‑se tantas vezes ao nosso redor a voz de pessoas boas, mas sem uma fé viva, imersas no comodismo, que não entendem o sacrifício. “Esse caminho é muito difícil, disse‑te ele. E, ao ouvi‑lo, concordaste ufano, lembrando‑te de que a Cruz é o sinal certo do caminho verdadeiro… Mas o teu amigo reparou somente na parte áspera da senda, sem ter em conta a promessa de Jesus: «O meu jugo é suave».

“Lembra‑lhe isso, porque – quando o souber – talvez se entregue”7, talvez venha a compreender melhor que ele também foi chamado à santidade.

Devemos proclamar aos quatro ventos que o caminho que segue de perto os passos de Jesus é um caminho cheio de alegria, de otimismo e de paz, ainda que sempre estejamos perto da Cruz. E precisamente dessas tribulações, acolhidas por amor a Deus, tiraremos frutos extraordinários. “Recorda‑te – aconselha‑nos São Francisco de Sales – de que as abelhas, no tempo em que estão fabricando o mel, comem e sustentam‑se de um produto muito amargo; e que de igual maneira nós não podemos fazer atos de maior mansidão e paciência, nem compor o mel das melhores virtudes, senão enquanto comemos o pão da amargura e vivemos no meio das aflições”8.

II. É DIFÍCIL, talvez impossível, encontrar uma pessoa que não esteja sofrendo alguma dor, doença ou preocupação de um tipo ou de outro. Não deve acontecer com o cristão o que comenta São Gregório Magno: “Há alguns que querem ser humildes, mas sem serem desprezados; querem contentar‑se com o que têm, mas sem padecer necessidade; ser castos, mas sem mortificar o corpo; ser pacientes, mas sem que ninguém os ultraje. Quando procuram adquirir virtudes, e ao mesmo tempo fogem dos sacrifícios que as virtudes trazem consigo, assemelham‑se aos que, fugindo do campo de batalha, quereriam ganhar a guerra vivendo comodamente na cidade”9. Sem dor e sem esforço, não há virtude.

Devemos contar com dificuldades, com preocupações e com penas; numas épocas, manifestar‑se‑ão de uma forma mais custosa, e em outras, serão mais leves; mas, junto de Cristo, serão sempre suportáveis. Estas contradições – grandes ou pequenas – aceitas e oferecidas a Deus, não oprimem; pelo contrário, preparam a alma para a oração e para ver a Deus nos pequenos acontecimentos da vida. O Senhor não permitirá que nos chegue nenhuma dor, nenhum apuro, que não possamos enfrentar se recorremos a Ele pedindo ajuda. Se alguma vez tropeçamos com uma contrariedade maior, o Senhor nos dará também uma graça maior: “Se Deus te dá a carga, Deus te dará a força”10.

Enquanto estivermos na terra, devemos contar com as dificuldades como coisa normal. Já São Pedro advertia os primeiros cristãos: Caríssimos, quando Deus vos provar com o fogo da tribulação, não vos perturbeis como se vos acontecesse alguma coisa de extraordinário11. Não nos surpreendamos; a senda da felicidade e da eficácia passa precisamente pelo caminho da Cruz: todo o ramo que, unido à videira, dá fruto, o Senhor poda‑o para que dê mais fruto12. Mas nunca nos deixa sozinhos; está sempre junto dos seus, especialmente quando mais se faz notar o peso da vida.

III. DO SENHOR só nos chegam bens. Quando Ele permite a dor, a contrariedade, problemas econômicos ou familiares…, é porque deseja para nós um bem ainda mais valioso.

Freqüentemente, Deus abençoa os que mais ama com a sua Cruz para que saibam levá‑la com garbo humano e sobrenatural. Quando um dia Santa Teresa, já quase no final da vida, se dirigia a uma cidade a fim de iniciar uma nova fundação, encontrou pela frente caminhos impraticáveis e rios que tinham transbordado. Depois de passar a noite, doente e fatigada, numa pousada tão pobre que nem sequer tinha camas13, decidiu prosseguir viagem, porque o Senhor assim lho pedia. Ele tinha‑lhe dito: “Não faças caso destes frios, que Eu sou o verdadeiro calor. O demônio emprega todas as suas forças para impedir essa fundação; emprega‑as tu da minha parte para que se faça, e não deixes de ir pessoalmente, que será grande o proveito”14. O certo é que, no dia seguinte, a Santa decidiu atravessar o rio Arlanzón numas condições tais que, quando a caravana chegou às margens do rio, não se via senão um imenso lençol de água sobre o qual mal se distinguiam as pranchas flutuantes que formavam a ponte15. Os que estavam na margem viram como a carroça onde ela ia oscilava e ficava suspensa à borda da corrente. Teresa pulou, com a água pelos joelhos, mas como estava sem forças, machucou‑se. Dirigiu‑se então ao Mestre em tom amavelmente queixoso: “Senhor, entre tantas dificuldades, e acontece‑me isto!” E Jesus respondeu‑lhe: “Teresa, assim trato Eu os meus amigos”. E a Santa, cheia de engenho e de amor, respondeu‑lhe: “Ah, Senhor, por isso tendes tão poucos!”16Depois, todos voltaram a ficar contentes, “porque, em passando o perigo, era recreação falar dele”17.

O Senhor deseja que enfrentemos as contrariedades com paz, com rijeza, com alegria e confiança nEle, sabendo que nunca “falhou aos seus amigos”, especialmente se estes só desejam fazer a Sua vontade. Junto do Sacrário – enquanto dizemos talvez: Adoro te devote, latens deitas, adoro‑te com devoção, Deus escondido –, verificaremos que, mesmo nos casos aparentemente sem saída, a carga junto de Cristo se torna leve e o seu jugo suave. Ele ajuda‑nos a ter paciência e a encarar os obstáculos com espírito esportivo e, sempre que seja possível, com bom humor, como fizeram os santos. Com esta atitude, fazemos um grande bem à nossa alma e à de todos aqueles que vivem perto de nós.

Espírito esportivo e alegria para enfrentarmos tudo o que nos contraria ou nos é menos grato, o que se opõe aos nossos planos ou produz pesar e dor. E também simplicidade e humildade para não inventarmos problemas e dores que na realidade não existem, para deixarmos de lado as desconfianças, para não complicarmos falsamente a vida.

Porque, ainda que os obstáculos sejam reais e se deva contar com eles, corre‑se por vezes o risco de exagerá‑los, dando‑lhes excessiva importância. Pode acontecer de vez em quando que cheguemos a pensar que não fazemos nada de proveito, que tudo vai de mal a pior, que somos ineficazes na ação apostólica, que o ambiente pesa de tal maneira que não adianta ir contra a corrente… É uma visão deformada das coisas, talvez por não contarmos com a verdadeira realidade: somos filhos de Deus, e nunca nos faltará a graça para alcançarmos um bem muito maior.

Junto do Senhor, e com a proteção de Santa Maria, refugium nostrum et virtus, nosso refúgio e fortaleza, saberemos matizar e definir aquilo que não vai tão bem, pediremos ajuda ao diretor espiritual, e aquilo que nos parecia tão custoso tornar‑se‑á fácil de enfrentar. Este espírito otimista, alegre e cheio de fortaleza, é imprescindível para progredirmos no amor de Deus e para levarmos a cabo uma fecunda atividade apostólica. A alma rodeada de dificuldades robustece‑se, torna‑se generosa e paciente. Nos obstáculos, devemos ver sempre a grande ocasião de nos tornarmos fortes e de amarmos mais.

(1) Mt 11, 28‑30; (2) cfr. Mt 9, 36; (3) cfr. At 15, 10; (4) Santo Agostinho, Sermão 164, 4; (5) São João da Cruz, Subida ao Monte Carmelo, I, 7, 4; (6) Santo Agostinho, op. cit., 7; (7) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 198; (8) São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, III, 3; (9) São Gregório Magno, Moralia, 7, 28, 34; (10) Josemaría Escrivá, Forja, n. 325; (11) 1 Pe 4, 12; (12) cfr. Jo 15, 2; (13) Santa Teresa de Jesus, Fundações, 27, 12; (14) ib.; (15) cfr. M. Auclair, La vida de Santa Teresa de Jesus, 4ª ed., Palabra, Madrid, 1984, págs. 422‑423; (16) ib.; (17) Santa Teresa de Jesus, Fundações, 31, 17.