TEMPO COMUM. DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO. CICLO B
– O Senhor serve-se do que é pequeno para atuar no mundo e nas almas.
I. EIS O QUE DIZ O SENHOR: Eu mesmo arrancarei um ramo do grande cedro […] e o plantarei no cimo da montanha. Eu o plantarei na mais alta montanha de Israel para que estenda os seus rebentos e dê fruto e se torne um cedro magnífico, onde se aninharão aves de toda a espécie. Com estas belas imagens, o profeta Ezequiel1 recorda-nos, na primeira Leitura da Missa, como Deus se serve do que é pequeno para agir no mundo e nas almas. É também o ensinamento que Jesus nos propõe no Evangelho: O Reino de Deus é semelhante a um grão de mostarda que, quando semeado na terra, é a menor de todas as sementes; mas depois brota e torna-se maior do que todas as hortaliças e deita ramos tão grandes, que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra2.
O Senhor escolheu um punhado de homens para instaurar o seu reinado no mundo. A maioria deles eram humildes pescadores de pouca cultura, cheios de defeitos e sem meios materiais: escolheu a fraqueza do mundo para confundir os fortes3. À luz de considerações meramente humanas, é incompreensível que esses homens tivessem chegado a difundir a doutrina de Cristo por toda a terra em tempo tão curto e tendo que enfrentar tantos obstáculos e contradições. Com a parábola do grão de mostarda – comenta São João Crisóstomo –, o Senhor moveu-os à fé e fez-lhes ver que a pregação do Evangelho se propagaria apesar de todas as dificuldades4.
Nós também somos esse grão de mostarda em relação à tarefa que o Senhor nos confia no meio do mundo. Não devemos esquecer a desproporção entre os meios ao nosso alcance – os nossos poucos talentos – e a vastidão do apostolado que devemos realizar; mas também não podemos esquecer que sempre teremos a ajuda do Senhor. Surgirão dificuldades, e então seremos mais conscientes da nossa insignificância e não teremos outro remédio senão confiar mais no Mestre e no caráter sobrenatural da obra que nos encomenda.
“Nas horas de luta e contradição, quando talvez «os bons» encham de obstáculos o teu caminho, levanta o teu coração de apóstolo; ouve Jesus que fala do grão de mostarda e do fermento. – E diz-lhe: «Edissere nobis parabolam» – explica-me a parábola.
“E sentirás a alegria de contemplar a vitória futura: aves do céu à sombra do teu apostolado, agora incipiente; e toda a massa fermentada”5.
Se não perdermos de vista a nossa pouca valia e a ajuda da graça, permaneceremos sempre firmes e fiéis, e saberemos corresponder às expectativas do Senhor em relação a cada um de nós. Com Ele, podemos tudo.
– As dificuldades que encontramos no apostolado não devem desanimar-nos.
II. OS APÓSTOLOS E OS PRIMEIROS cristãos encontraram uma sociedade minada nos seus próprios alicerces, sobre os quais era praticamente impossível construir qualquer ideal. São Paulo descreve assim a sociedade romana e o mundo pagão em geral, que em muitos aspectos perdera a própria luz natural da razão e ficara como que cego para a dignidade do homem: Por isso Deus os abandonou aos desejos do seu coração, à impureza […]. Por isso os entregou a paixões infames […]. E, como não quiseram reconhecer a Deus, Ele os entregou aos seus sentimentos depravados, de sorte que cometeram torpezas indignas do homem e se encheram de toda a injustiça, malícia, fornicação, avareza, perversidade; dados à inveja, ao homicídio, às contendas, às fraudes, à malignidade; murmuradores, caluniadores, inimigos de Deus, ultrajadores, orgulhosos, arrogantes, inventores de vícios, rebeldes aos pais, sem bom-senso, sem coração, desleais, sem piedade6. E os cristãos transformaram essa sociedade atuando no seu próprio âmago; ali caiu a semente e, embora fosse insignificante, a partir dali propagou-se pelo mundo inteiro, porque trazia em si uma força divina, porque era de Cristo.
Os primeiros cristãos que chegaram a Roma não eram diferentes de nós, e com a ajuda da graça exerceram um apostolado eficaz, trabalhando nas mesmas profissões que os demais concidadãos, debatendo-se com os mesmos problemas, acatando as mesmas leis, a não ser que fossem diretamente contra as leis de Deus. A cristandade primitiva, em Jerusalém, em Antioquia ou em Roma, era verdadeiramente como um grão de mostarda perdido na imensidade do campo.
Os obstáculos do ambiente não nos devem desanimar, ainda que vejamos na nossa sociedade sinais semelhantes – ou idênticos – aos do tempo de São Paulo. Deus conta conosco para transformar o ambiente em que se desenrola a nossa vida diária. Não deixemos de fazer o que estiver ao nosso alcance, ainda que nos pareça pouco – tão pouco como uns insignificantes grãos de mostarda –, porque o próprio Senhor fará crescer o nosso empenho; e a oração e os sacrifícios que tenhamos feito darão os seus frutos.
Talvez esse “pouco” que está realmente ao nosso alcance possa ser aconselhar à vizinha ou ao colega da Faculdade um bom livro que lemos; ser amáveis com o cliente, com o subordinado; comentar um bom artigo do jornal; rezar pelo amigo doente, pedir-lhe que reze por nós, falar-lhe da Confissão… e, sempre, uma vida exemplar e sorridente.
Toda a vida pode e deve ser apostolado discreto e simples, mas audaz. E esses pequenos gestos, semeados com naturalidade e perseverança, serão como a pequena semente que a graça de Deus transformará em árvore frondosa, como a chispa que dá lugar a um incêndio divino por toda a face da terra.
– O Senhor é a nossa fortaleza. Esforço por afastar os respeitos humanos.
III. O ANÚNCIO DO EVANGELHO, feito a maioria das vezes entre os companheiros de ofício ou entre os vizinhos, significou nos primeiros tempos uma mudança radical de vida e a salvação eterna para famílias inteiras. Para outros, porém, foi escândalo e, para muitos, loucura7.
São Paulo declara aos cristãos de Roma que não se envergonha do Evangelho, porque é uma força de Deus para a salvação de todo aquele que crê8. E São João Crisóstomo comenta: “Se hoje alguém se aproxima de ti e te diz: «Mas adoras um crucificado?», longe de baixares a cabeça e ficares ruborizado, tira dessa zombaria ocasião de glória, e que o brilho dos teus olhos e o aspecto do teu rosto mostrem que não tens vergonha. Se tornam a perguntar-te ao ouvido: «Como!, adoras um crucificado?», responde: «Sim, eu o adoro» […]. Eu adoro e glorio-me de um Deus crucificado que, com a sua Cruz, reduziu ao silêncio os demônios e eliminou toda a superstição: para mim, a sua Cruz é o indizível troféu da sua benevolência e do seu amor!”9 É uma bela resposta, que tem plena aplicação nos nossos dias.
Devemos aprender dos primeiros cristãos a não ter falsos respeitos humanos, a não temer o “que podem dizer”, mantendo viva a preocupação de dar a conhecer Cristo em qualquer situação, com a consciência clara de que se trata do tesouro que achamos10, da pérola preciosa11 que encontramos depois de muito procurar. A luta contra o respeito humano não deve cessar em momento algum, pois não será infreqüente chocarmos com um clima adverso quando não escondemos a nossa condição de cristãos que seguem Jesus de perto e querem ser conseqüentes com a doutrina que professam. Muitos que se dizem cristãos, mas se mostram pouco valentes à hora de afirmarem com desassombro a sua fé, parecem dar mais valor à opinião dos outros que à de Cristo, ou deixam-se levar pela comodidade fácil de seguir a corrente, de não se singularizarem, etc. Semelhante atitude revela fraqueza de caráter, falta de convicções profundas, pouco amor a Deus.
É lógico que por vezes nos custe comportar-nos como aquilo que somos, como cristãos que querem viver a fé que professam em todos os momentos e situações da sua vida. E essas ocasiões serão excelentes para mostrarmos o nosso amor a Deus deixando de lado os respeitos humanos, a opinião do ambiente, etc., pois Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de coragem, de amor e de temperança. Jamais te envergonhes do testemunho do nosso Senhor12, exortava São Paulo a Timóteo, a quem ele próprio tinha aproximado da fé.
Foi esta a atitude daqueles que nos precederam na tarefa de recristianizar o mundo. E mesmo antes. Temos o exemplo de Judas Macabeu em momentos muito difíceis, quando o santuário ficou desolado como o deserto e muitos em Israel se acomodaram a esse culto, sacrificando aos ídolos e profanando o sábado13. Judas, à frente dos seus irmãos – seguindo o exemplo de seu pai, Matatias –, revolta-se contra aquela iniqüidade e sabe combater alegremente os combates de Israel14 pela honra de Deus. Judas Macabeu proclamou-nos a razão da sua vitória: Para o Deus dos céus, não há diferença entre salvar uma multidão ou um punhado de homens, porque a vitória na guerra não depende do número dos que combatem, mas da força de uns poucos15. Sempre foi assim nas coisas de Deus, desde os primórdios da Igreja até os nossos dias. Deus vale-se do pouco para as suas obras. Nunca nos faltará também a sua ajuda. Ele fará com que o pouco se torne uma força grande precisamente nesse lugar em que estamos.
E também nós encontraremos na Cruz o poder e a valentia de que necessitamos. Olhamos para Santa Maria: “Não a arreda o clamor da multidão, nem deixa de acompanhar o Redentor enquanto todos os do cortejo, no anonimato, se fazem covardemente valentes para maltratar Cristo. – Invoca-a com força: «Virgo fidelis!» Virgem fiel! –, e pede-lhe que nós, que nos dizemos amigos de Deus, o sejamos deveras e a todas as horas”16.
(1) Ez 17, 22-24; (2) Mc 4, 31-32; (3) 1 Cor 1, 27; (4) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 46; (5) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 695; (6) Rom 1, 24-31; (7) cfr. 1 Cor 1, 23; (8) cfr. Rom 1, 16; (9) São João Crisóstomo, Homilias sobre a Epístola aos Romanos, 2; (10) cfr. Mt 13, 44; (11) cfr. Mt 13, 45-46; (12) 2 Tim 1, 7-8; (13) 1 Mac 1, 41; (14) 1 Mac 3, 2; (15) 1 Mc 3, 18-19; (16) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 51.