TEMPO PASCAL. TERCEIRA SEMANA. SÁBADO

– Para sermos fiéis ao Senhor, temos que lutar todos os dias. O “exame particular”.
– Fim e matéria do “exame particular”.
– Constância na luta. A fidelidade nos momentos difíceis forja-se todos os dias naquilo que parece pequeno.

I. A PROMESSA da Sagrada Eucaristia na sinagoga de Cafarnaum provocou discussões e escândalos. Perante uma verdade tão maravilhosa, uma boa parte dos discípulos do Senhor deixou de segui-lo: Desde então – relata São João no Evangelho da Missa – muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com Ele 1.

Diante da maravilha da sua entrega na Comunhão eucarística, os homens respondem virando-lhe as costas. Não é a multidão, mas os discípulos que o abandonam. Os Doze permanecem, são fiéis ao seu Mestre e Senhor. Possivelmente, eles também não compreenderam bem naquele dia o que o Senhor lhes prometia, mas permaneceram com Ele. Por que ficaram? Por que foram leais naquele momento de deslealdade? Porque uma profunda amizade os unia a Jesus, porque conversavam familiarmente com Ele todos os dias e haviam compreendido que Ele tinha palavras de vida eterna; porque o amavam profundamente. Aonde iremos?, diz Pedro quando o Senhor lhes pergunta se eles também querem ir-se embora: Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna. E nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus 2.

Nós, cristãos, vivemos numa época privilegiada para dar testemunho dessa virtude tão pouco valorizada que é a fidelidade. Vemos com freqüência como se quebra a lealdade na vida conjugal, nos compromissos assumidos, como se é infiel à doutrina e à pessoa de Cristo. Os Apóstolos mostram-nos que esta virtude se baseia no amor; eles são fiéis porque amam a Cristo. É o amor que os induz a permanecer ao lado do Senhor no meio das deserções. Só um deles o trairá mais tarde, porque tinha deixado de amar. Por isso o Papa São João Paulo II nos aconselha: “Procurai Jesus, esforçando-vos por conseguir uma fé pessoal profunda que informe e oriente toda a vossa vida; mas sobretudo que o vosso compromisso e o vosso programa sejam amar a Jesus, com um amor sincero, autêntico e pessoal. Ele deve ser o vosso amigo e o vosso apoio no caminho da vida. Só Ele tem palavras de vida eterna” 3. Ninguém mais fora dEle.

Enquanto estivermos neste mundo, a nossa vida será uma luta constante entre amar a Cristo e deixar-nos levar pela tibieza, pelas paixões ou por um aburguesamento que mata todo o amor.

A fidelidade a Cristo forja-se na luta contra tudo o que nos afasta dEle, no esforço por progredir nas virtudes. Então seremos fiéis tanto nos momentos bons como nas épocas difíceis, quando nos parecer que são poucos os que permanecem junto do Senhor.

Para nos mantermos numa fidelidade firme ao Senhor, é necessário que lutemos a cada instante, com espírito alegre, ainda que as batalhas sejam pequenas. E uma manifestação desse desejo de nos aproximarmos todos os dias um pouco mais de Deus, de amá-lo cada vez mais, é o exame particular, que nos ajuda a combater com eficácia os defeitos e obstáculos que nos separam de Cristo e dos nossos irmãos, os homens, e nos permite adquirir virtudes e hábitos que limam as nossas arestas no relacionamento com o Senhor.

O exame particular concretiza-nos as nossas metas da vida interior e leva-nos a atingir, com a ajuda da graça, uma cota determinada e específica dessa montanha que é a santidade, ou a expulsar um inimigo, talvez pequeno mas bem apetrechado, que causa inúmeros estragos e retrocessos. “O exame geral assemelha-se à defesa. – O particular, ao ataque. – O primeiro é a armadura. O segundo, espada toledana” 4, de aço penetrante.

Hoje, enquanto dizemos ao Senhor que queremos ser-lhe fiéis, devemos também perguntar-nos na sua presença: são grandes os meus desejos de progredir no seu amor? Concretizo esses desejos de luta num ponto específico que possa ser objeto do meu exame particular?

II. MEDIANTE O EXAME GERAL, chegamos a conhecer as razões últimas do nosso comportamento; através do exame particular, procuramos os remédios eficazes para combater determinado defeito ou para crescer em determinada virtude. Este exame, breve e freqüente ao longo do dia, em momentos concretos, deve ter uma finalidade muito precisa. “Com o exame particular tens de procurar diretamente adquirir uma virtude determinada ou arrancar o defeito que te domina” 5.

Por vezes, o seu objeto será “derrubar o nosso Golias, isto é, a paixão dominante” 6, aquilo que mais sobressai como defeito no nosso comportamento, aquilo que mais prejudica a nossa amizade com o Senhor ou a caridade com o próximo. “Quando alguém se vê especialmente dominado por um defeito, deve armar-se somente contra esse inimigo, e tratar de combatê-lo antes de lutar com os demais […], pois, enquanto não o tiver vencido, deitará a perder os frutos da vitória conseguida sobre os demais” 7. É por isso que é tão importante conhecermo-nos bem e darmo-nos a conhecer na direção espiritual, que é o momento em que normalmente determinamos a matéria desse exame.

Como nem todos temos os mesmos defeitos, “torna-se necessário que cada um batalhe conforme o tipo de dificuldade que o acossa” 8. Podem ser temas do nosso exame particular: cuidar de ser pontuais a todo o momento, a começar pela hora de nos levantarmos, de iniciar a nossa oração, de assistir à Santa Missa…; ser pacientes conosco próprios, com os defeitos dos nossos familiares ou dos que colaboram conosco no trabalho; suprimir pela raiz o hábito de murmurar e contribuir para que não se murmure na nossa presença; combater as nossas brusquidões no relacionamento ou a falta de interesse pelas necessidades do próximo; crescer na virtude da gratidão, de tal maneira que saibamos agradecer também os pequenos serviços da vida cotidiana; ser ordenados na distribuição do tempo, nos livros ou instrumentos de trabalho, nas coisas de uso pessoal…

Ainda que por vezes o objeto do nosso exame particular possa ser formulado em termos negativos, como uma resistência ao mal, o melhor meio de alcançá-lo será praticarmos a virtude contrária ao defeito que procuramos desarraigar: cultivar a humildade para vencer a ânsia de ser o centro de tudo ou de receber contínuos elogios e louvores; procurar viver habitualmente na presença de Deus para evitar as palavras precipitadas, as faltas de caridade… Deste modo a luta interior torna-se mais eficaz e atrativa. “O movimento da alma para o bem é mais forte do que aquele que se propõe afastá-la do mal” 9.

Antes de fixarmos a matéria do nosso exame particular, devemos pedir luzes ao Senhor para saber em que coisas Ele quer que lutemos: Domine, ut videam! 10, Senhor, que eu veja!, podemos dizer-lhe como o cego de Jericó. E pedir ajuda ao sacerdote a quem confiamos a direção da nossa alma.

III. A MANEIRA DE CONCRETIZAR o exame particular é uma tarefa pessoal. Para uns – pela sua tendência para as coisas vagas e para as generalidades –, será necessário detalhá-lo muito e montar uma contabilidade rigorosa; para outros, isso poderia ser motivo de complicações e criar problemas onde não deve havê-los. Se nos esforçarmos por dar-nos a conhecer, a direção espiritual poderá vir em nossa ajuda neste ponto.

Não nos devemos surpreender se demoramos um certo tempo a alcançar o objeto do nosso exame particular. Se estiver bem escolhido, o normal será que incida sobre um defeito arraigado, e que, portanto, seja necessária uma luta paciente, que nos leve a recomeçar muitas vezes, sem desânimos. Nesse começar novamente, com a ajuda do Senhor, vamos firmando bem os alicerces da humildade. Só saberemos manter vivo o exame particular se tivermos uma constância humilde. O amor – que é inventivo – achará todos os dias a maneira de tornar novo esse mesmo ponto de luta, porque nele procuraremos não tanto superar-nos como amar o Senhor, tirar todos os obstáculos que dificultam a nossa amizade com Ele e, portanto, o que nos separa dos outros. Teremos ocasião de fazer muitos atos de contrição pelas derrotas e de dar graças pelas vitórias.

A luta num exame particular concreto, dia após dia, é o melhor remédio contra a tibieza e o aburguesamento. Que grande coisa seria se o nosso Anjo da Guarda pudesse testemunhar no fim da nossa vida que lutamos todos os dias, ainda que nem tudo tenham sido vitórias!

A fidelidade cheia de fortaleza nos momentos difíceis forja-se naquilo que parece pequeno. “Devemos convencer-nos de que o maior inimigo da rocha não é a picareta ou o machado, nem o golpe de qualquer outro instrumento, por mais contundente que seja: é essa água miúda, que se infiltra, gota a gota, por entre as fendas do penhasco, até arruinar a sua estrutura. O maior perigo para o cristão é desprezar a luta nessas escaramuças que calam pouco a pouco na alma, até a tornarem frouxa, quebradiça” 11.

Ao terminarmos a nossa oração, dizemos ao Senhor como Pedro: Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna. Sem Ti ficamos sem Caminho, sem Verdade e sem Vida. É uma esplêndida jaculatória que podemos repetir muitas vezes, mas especialmente à hora da luta.

Pedimos a Nossa Senhora, Virgo fidelis, que nos ajude a ser fiéis, a lutar todos os dias por tirar os obstáculos, bem concretos, que nos separam do seu Filho.

(1) Jo 6, 66; (2) Jo 6, 69; (3) João Paulo II, Discurso, 30-I-1979; (4) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 238; (5) ib., n. 241; (6) J. Tissot, A vida interior; (7) São João Clímaco, Escada do paraíso, 15; (8) Cassiano, Colações, 5, 27; (9) São Tomás, Suma Teológica, 1-2, q. 29, a. 3; (10) cfr. Mc 10, 48; (11) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 77.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal