TEMPO DO ADVENTO. SEGUNDA SEMANA. QUARTA-FEIRA
– Jesus, modelo de mansidão que devemos imitar.
– A mansidão assenta numa grande fortaleza de espírito.
– Frutos da mansidão. Sua necessidade para a convivência e o apostolado.
I. TANTO O TEXTO do profeta Isaías na primeira leitura da Missa 1 como o salmo responsorial 2 nos convidam a contemplar a grandeza de Deus, em contraste com a nossa debilidade, que conhecemos pela experiência das nossas quedas, sempre repetidas. E dizem-nos que o Senhor é compassivo e misericordioso, tardo em irar-se e cheio de amor 3, e que aqueles que nEle esperam renovam as suas forças, tomam asas como a águia, correm sem se fatigar 4.
O Messias traz à humanidade um jugo e um fardo, mas esse jugo é suave porque é libertador, e o fardo não é pesado porque Ele carrega a parte mais dura. O Senhor nunca nos angustia com os seus preceitos; antes pelo contrário, estes nos tornam mais livres e nos facilitam a existência. Vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei, diz-nos Jesus no Evangelho da Missa. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas: porque o meu jugo é suave e o meu fardo leve 5. O Senhor propõe-se a si mesmo como modelo de mansidão e de humildade, duas virtudes e atitudes do coração que caminham sempre juntas.
A liturgia do Advento propõe-nos Cristo manso e humilde para que o procuremos com simplicidade, e também para que nos esforcemos por imitá-lo como preparação para o Natal. Só assim poderemos compreender os acontecimentos de Belém; e só assim poderemos fazer com que aqueles que caminham ao nosso lado nos acompanhem até o Menino-Deus.
A um coração manso e humilde como o de Cristo, as almas abrem-se de par em par. No seu Coração amabilíssimo, as multidões encontravam refúgio e descanso; e também agora se sentem fortemente atraídas por Ele, e nEle acham a paz. O Senhor disse-nos que aprendêssemos dEle. A fecundidade da ação apostólica estará sempre muito relacionada com esta virtude da mansidão.
Se observarmos Jesus de perto, vê-lo-emos paciente com os defeitos dos seus discípulos e disposto a repetir-lhes constantemente os mesmos ensinamentos, para que, apesar de lentos e distraídos, conheçam a doutrina da salvação. Não se impacienta com as suas rudezas e faltas de correspondência. Realmente, Jesus, “que é nosso Mestre e Senhor, manso e humilde de coração, atraiu e convidou pacientemente os seus discípulos” 6.
Imitar Jesus na sua mansidão é o remédio para as nossas irritações, impaciências e faltas de cordialidade e de compreensão. Este espírito sereno e acolhedor nascerá e crescerá em nós à medida que procurarmos estar cada vez mais na presença de Deus e considerarmos com mais freqüência a vida de Nosso Senhor.
“Oxalá fossem tais o teu porte e a tua conversação que todos pudessem dizer, ao ver-te ou ouvir-te falar: «Este lê a vida de Jesus Cristo»” 7. A contemplação de Jesus nos ajudará especialmente a não ser altivos e a não nos impacientarmos com as contrariedades.
Não cometamos o erro de pensar que o nosso “mau gênio”, que se manifesta em ocasiões e circunstâncias bem determinadas, depende da maneira de ser dos que nos rodeiam. “A paz do nosso espírito não depende do bom caráter e benevolência dos outros. Esse caráter bom e essa benignidade dos nossos próximos não estão submetidos de modo algum ao nosso poder e ao nosso arbítrio. Isso seria absurdo. A tranqüilidade do nosso coração depende de nós mesmos. É em nós que deve estar o esforço por evitar os efeitos ridículos da ira e por não fazê-lo depender da maneira de ser dos outros. O trabalho de superarmos o nosso mau gênio não há de depender da perfeição alheia, mas da nossa virtude” 8.
II. A MANSIDÃO não é característica dos homens moles ou amorfos; pelo contrário, exige uma grande fortaleza de espírito, e o próprio exercício desta virtude implica contínuos atos de fortaleza. Assim como os pobres são os verdadeiramente ricos segundo o Evangelho, assim também os mansos são os verdadeiramente fortes. “Bem-aventurados os mansos porque estão protegidos contra o demônio e contra os golpes das perseguições na guerra deste mundo. São como copos de vidro recobertos de palha ou de feno, que não se quebram quando recebem uma pancada. A mansidão é como um escudo muito forte contra o qual se chocam e se desfazem os ataques das setas agudas da ira. Os mansos vão vestidos com vestes de algodão muito suave, que os defendem sem incomodar ninguém” 9. A matéria própria desta virtude é a paixão da ira nas suas múltiplas manifestações, uma paixão que passa a ser de tal modo moderada e retificada que não desperta senão quando é necessário e na medida em que o é.
Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Diante da majestade de Deus, que se fez criança em Belém, tudo o que nos atinge adquire as suas justas proporções, e o que poderia ser uma grande contrariedade permanece na sua exata medida. Aprendemos a não perder a paz e a ser justos ao avaliarmos os diversos incidentes da vida diária, a calar-nos em muitas ocasiões, a sorrir, a tratar bem os outros, a esperar o momento oportuno para lhes corrigir uma falta.
Aprendemos também a sair em defesa da verdade e dos interesses de Deus e dos nossos irmãos com toda a firmeza que seja necessária. Porque a mansidão não é contrária a uma cólera santa perante a injustiça. Não é mansidão o que serve de refúgio à covardia.
A ira é, pois, justa e santa quando se propõe respeitar os direitos dos outros e, de modo especial, a soberania e a santidade de Deus. Vemos Jesus santamente irado diante dos fariseus e dos mercadores do Templo 10. O Senhor encontra o Templo convertido num covil de ladrões, num lugar profanado, dedicado a coisas que não tinham nada que ver com a adoração de Deus, e irrita-se terrivelmente, demonstrando-o com as suas palavras e atos. Os evangelistas descreveram-nos muito poucas cenas tão contundentes como esta.
E juntamente com a santa ira de Jesus para com os que prostituem o lugar santo, vemos a sua grande misericórdia para com os necessitados: Chegaram-se a Ele cegos e coxos que se encontravam no Templo, e Ele os sarou 11.
III. A MANSIDÃO opõe-se às manifestações estéreis de violência – que no fundo são sinais de fraqueza: impaciência, irritação, frieza, mau humor, ódio, etc. –, ao dispêndio inútil de forças por aborrecimentos que não têm razão de ser, nem pela sua origem – muitas vezes, surgem de ninharias que se podiam ter ultrapassado com um sorriso ou com o silêncio –, nem pelos seus resultados, porque não resolvem nada.
Da falta desta virtude provêm as explosões de mau humor entre os esposos, que vão corroendo pouco a pouco o verdadeiro amor; a iracúndia e suas conseqüências funestas na educação dos filhos; a falta de paz na oração, porque, ao invés de se falar com Deus, ruminam-se ofensas recebidas.
O domínio de si próprio – que faz parte da verdadeira mansidão – é a arma dos fortes; impede que falemos cedo demais, que digamos palavras ferinas que depois preferiríamos nunca ter pronunciado.
A mansidão sabe esperar o momento oportuno e matiza os juízos, preservando-lhes toda a sua força.
A falta habitual de mansidão é fruto da soberba e só produz solidão e esterilidade à sua volta. “O teu mau gênio, as tuas reações bruscas, os teus modos pouco amáveis, as tuas atitudes desprovidas de afabilidade, a tua rigidez – tão pouco cristã! –, são a causa de que te encontres só, na solidão do egoísta, do homem amargurado, do eterno descontente, do ressentido, e são também a causa de que à tua volta, em vez de amor, haja indiferença, frieza, ressentimento e desconfiança. É preciso que, com um temperamento amável e compreensivo, com a mansidão de Cristo amalgamada à tua vida, sejas feliz e faças felizes todos os que te rodeiam, todos os que te encontram no caminho da sua vida” 12.
Os mansos possuirão a terra. Possuir-se-ão a si próprios, porque não serão escravos das suas impaciências e do seu caráter iracundo; possuirão a Deus, porque a sua alma estará sempre inclinada à oração, num clima de contínua presença de Deus; possuirão os que os rodeiam, porque só um coração manso e humilde conquista a amizade e o carinho dos outros. Na nossa passagem pelo mundo, temos que espalhar o bom aroma de Cristo 13: o nosso sorriso habitual, uma calma serena, bom-humor e alegria, caridade e compreensão.
Examinemos qual a nossa disposição para o sacrifício, necessário para tornar agradável a vida aos outros; se somos capazes de renunciar aos nossos juízos, sem pretender ter sempre razão; se sabemos reprimir o mau gênio e passar por alto os atritos que surgem no convívio diário.
O tempo do Advento é uma boa ocasião para reforçarmos esta atitude do coração. Chegaremos a consegui-lo se procurarmos com mais freqüência Jesus, Maria e José; se soubermos aproximar-nos do Sacrário para conversar com o Senhor sobre os assuntos que mais nos preocupam ou nos contrariam.
(1) Cfr. Is 40, 25-31; (2) Sl 102, 1-2, 8, 10; (3) Sl 102, 8; (4) Is 40, 31; (5) Mt 11, 28-30; (6) Concílio Vaticano II, Declaração Dignitatis humanae, 11; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 2; (8) Cassiano, Constituições, 8; (9) Francisco de Osuna, Terceiro abecedário espiritual, III, 4; (10) cfr. Jo 2, 13-17; (11) Mt 21, 14; (12) Salvador Canals, Reflexões espirituais, 3ª ed., Quadrante, São Paulo, 1988, pág. 55; (13) cfr. 2 Cor 2, 15.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal