TEMPO COMUM. DÉCIMA OITAVA SEMANA. SEXTA‑FEIRA

– A maior demonstração de amor.
– O sentido e os frutos da dor.
– Sacrifícios procurados voluntariamente.

I. UM DIA, JESUS CHAMOU os seus discípulos e estes, deixando tudo, seguiram‑no. Passaram a acompanhar o Mestre pelos caminhos da Palestina, percorrendo cidades e aldeias, compartilhando com Ele alegrias, fadigas, fome, cansaço… Houve ocasiões em que expuseram a vida e a honra por Jesus. Mas essa companhia externa foi‑se convertendo pouco a pouco num seguimento interior, dando lugar a uma transformação das suas almas. Era um seguimento mais profundo, que requeria algo mais do que o desprendimento ou mesmo o abandono efetivo da casa, do lar, da família, dos bens… Assim o manifestou o Senhor, como lemos no Evangelho da Missa de hoje 1: Se alguém quiser vir após mim, negue‑se a si mesmo, tome a sua cruz e siga‑me.

Negar‑se a si mesmo significa renunciar a ser o centro de si mesmo. O único centro do verdadeiro discípulo só pode ser Cristo, a quem se dirigem constantemente os seus pensamentos, anseios e afazeres cotidianos, que se convertem numa verdadeira oferenda ao Senhor.

Tomar a cruz significa que se está disposto a morrer. Aquele que abraça o madeiro e o coloca sobre os seus ombros aceita plenamente o seu destino, sabe que a sua vida terminará nessa cruz.

Toma uma decisão inabalável de imitar o Senhor até o fim, sem limite algum; propõe‑se identificar a sua vontade com a de Cristo, mesmo que isso signifique acompanhá‑lo até o Calvário.

Temos de considerar freqüentemente que a Paixão e a Morte na Cruz são a máxima expressão da entrega de Cristo ao Pai e do seu amor por nós. Certamente, o menor ato de amor de Jesus Cristo, a mais pequena das suas obras, já desde menino, tinha um valor meritório infinito para obter para todos os homens a graça da redenção, a vida eterna e todas as ajudas necessárias para a alcançarem. Mas, apesar disso, o Senhor quis sofrer todos os horrores da Paixão e da Morte na Cruz para nos mostrar quanto amava o Pai, quanto nos amava a cada um de nós.

O Espírito Santo deixou‑nos escrito por meio de São João que Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho Unigênito 2. Jesus entregou voluntariamente a sua vida por amor de nós, pois ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos 3. E manifestou aos seus discípulos toda a urgência com que desejava fazê‑lo: Tenho de receber um batismo; e como me sinto ansioso até que se cumpra! 4

Jesus Cristo revela as ânsias irreprimíveis com que desejava entregar a sua vida por amor. E se queremos segui‑lo, não já externamente, mas profundamente, identificando‑nos com Ele, como é que podemos rejeitar a Cruz, o sacrifício, que está tão intimamente relacionado com o amor e com a entrega? Seguir o Senhor de perto levar‑nos‑á à abnegação mais completa, à plenitude do amor, à alegria mais intensa. A abnegação limpa, purifica, clarifica e diviniza a alma. “Ter a Cruz é ter a alegria: é ter‑te a Ti, Senhor!” 5

II. CONTA‑SE DE UMA ALMA santa que, ao ver como todos os acontecimentos lhe eram contrários e que a uma prova se sucedia outra, e a uma calamidade um desastre ainda maior, voltou‑se com ternura para o Senhor e perguntou‑lhe: Mas, Senhor, que foi que Te fiz?, e ouviu no seu coração estas palavras: Amaste‑me. E encheu‑se de uma grande paz e alegria 6.

Na nossa vida, teremos penas, como todos os homens. “Se vierem contradições, fica certo de que são uma prova do amor de Pai que o Senhor tem por ti” 7. São ocasiões inigualáveis para olhar com amor para um crucifixo e contemplar a figura de Cristo, para compreender que Ele, do alto da Cruz, nos está dizendo: “A ti, amo‑te mais”, “de ti, espero mais”. Talvez tenhamos motivos para dizer‑lhe: “Senhor, que foi que Te fiz?” E Ele nos responderá silenciosamente que nos ama e que nos pede uma entrega sem limites à sua santa vontade, que tem uma “lógica” diferente da lógica humana. Chega o momento da aceitação e do abandono, e então compreendemos todo o bem que recebemos e como devemos dar graças ao Senhor! 8

Muitas vezes, no entanto, encontramos a Cruz em questões sem importância, como é uma dor de cabeça inoportuna, uma entrevista a que a outra pessoa não comparece nem se justifica, a pressa com que temos de resolver um assunto ou concluir um trabalho porque o prazo se esgota, uma pequena humilhação que não esperávamos, e por aí afora… O Senhor também nos espera nessas coisas do dia‑a‑dia. E não pensemos que isso não é a Cruz de Cristo por carecer de importância. Não é verdade que, muitas vezes, é mais difícil vencer sem queixas estéreis, sem mau‑humor, sem rebeldia, essas pequenas contrariedades do que as grandes? Não parecem exigir heroicidade, e sucumbimos por nos apanharem desprevenidos e, no fundo, porque esquecemos que o amor não distingue as coisas pequenas das grandes. Diz Caminho: “Quantos se deixariam cravar numa cruz perante o olhar atônito de milhares de espectadores, e não sabem sofrer cristãmente as alfinetadas de cada dia! – Pensa então no que será mais heróico” 9. E mais adiante, ao tratar da infância espiritual: “Uma picadela. – E outra. – Agüenta‑as, faz favor! Não vês que és tão pequeno que só podes oferecer na tua vida – no teu pequeno caminho – essas pequenas cruzes?

“Além disso, repara: uma cruz sobre outra – uma picadela e outra…, que grande montão!

“– No fim, menino, soubeste fazer uma coisa muito grande: Amar” 10.

A dor, abraçada com amor e por amor, tem imensos frutos: satisfaz pelos nossos pecados, “aprofunda e reforça o nosso caráter e a nossa personalidade. Dá‑nos uma compreensão e uma simpatia pelo nosso próximo que não se pode adquirir de outra maneira. Abre‑nos de verdade a vida interior do próprio Cristo, e ao fazê‑lo une‑nos mais estreitamente a Ele. Com freqüência, o sofrimento profundo é também um ponto decisivo nas nossas vidas e conduz ao princípio de um novo fervor e de uma nova esperança” 11, a uma nova maneira, mais profunda e mais completa, de entender a própria existência.

III. SE ALGUÉM QUISER vir após mim… Não desejamos outra coisa no mundo a não ser seguir Cristo de perto; não amamos nenhuma outra coisa, nem a própria vida, mais do que esta: identificar‑nos com Ele, tornar próprios os seus desejos e os sentimentos que teve aqui na terra. Estamos junto dEle não só quando tudo nos corre bem, mas também quando aceitamos com paciência as adversidades, contentes de poder acompanhar o Senhor no seu caminho para a Cruz 12.

Mas se nos limitássemos apenas a esperar as tribulações, as contrariedades, a dor que não podemos evitar, faltaria generosidade ao nosso amor. Cairíamos na atitude de quem quer contentar‑se com o mínimo. “Seria atuar com uma disposição remissa, que bem poderia expressar‑se com estas palavras: «Mortificação? Bastantes dissabores tem já a vida! Eu tenho preocupações suficientes!» No entanto, a vida interior necessita tanto da mortificação, que temos de procurá‑la ativamente. A mortificação que nos vem trazida pela vida e pelas suas circunstâncias é importante e valiosa, mas não pode ser uma desculpa para recusarmos uma generosa expiação voluntária, que será sinal de um verdadeiro espírito de penitência: Eu te oferecerei um sacrifício voluntário, celebrarei o teu nome, Senhor, porque és bom! (Sl 53, 8)”13.

A Igreja propõe‑nos um dia preciso na semana, a sexta‑feira, para que examinemos o sentido penitencial da nossa vida à luz da Paixão de Cristo. Nesse dia, muitos cristãos consideram com mais vagar os mistérios dolorosos da vida do Senhor, ou praticam o piedoso exercício da Via‑Sacra, ou meditam a Paixão do Senhor… É um bom dia para que examinemos como enfrentamos habitualmente as contrariedades, e com que generosidade, fruto do amor, procuramos essa mortificação voluntária que é complemento indispensável do espírito de amor à Cruz. São sacrifícios pequenos que nem por isso deixam de custar: ser cordiais com todos sem exceção, vencer os estados de ânimo que nos levariam a ser bruscos ou azedos no trato, sorrir quando temos vontade de ficar sérios, cuidar da pontualidade no trabalho ou no estudo, comer um pouco menos do que mais gostamos e um pouco mais do que nos apetece menos, manter habitualmente ordenada a mesa de trabalho, o armário, a estante de livros, o quarto…, mortificar a curiosidade, cuidar de andar pela rua com os sentidos recolhidos, não queixar‑se do calor, do frio ou do excesso de trânsito…

Mas dor e sofrimento não significam tristeza. A Cruz, levada junto com Cristo, enche a alma de paz e de uma profunda alegria no meio das tribulações e dos pequenos sacrifícios. A vida dos santos está cheia de alegria. É um júbilo que o mundo não conhece, e que tem as suas raízes em Deus.

Ao terminarmos hoje estes minutos de oração sobre as palavras de Jesus: Se alguém quiser vir após mim, negue‑se a si mesmo, tome a sua cruz e siga‑me, podemos dizer‑lhe na intimidade da nossa oração:

“Dá‑me, Jesus, uma Cruz sem cireneus. Digo mal: a tua graça, a tua ajuda far‑me‑á falta, como para tudo o mais; sê Tu o meu Cireneu. Contigo, meu Deus, não há prova que me assuste…

“– Mas, e se a Cruz fosse o tédio, a tristeza? – Eu te digo, Senhor, que, Contigo, estaria alegremente triste” 14. “Se eu não Te perco, Senhor, para mim não haverá pena que seja pena” 15.

(1) Mt 16, 24‑25; (2) Jo 3, 16; (3) Jo 15, 13; (4) Lc 12, 50; (5) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 766; (6) cfr. R. Garrigou‑Lagrange, O Salvador, pág. 311; (7) São Josemaría Escrivá, op. cit., n. 815; (8) cfr. J. Tissot, La vida interior, pág. 239; (9) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 204; (10) Josemaría Escrivá, op. cit., n. 885; (11) E. Boylan, Amor Sublime, vol. II, pág. 119; (12) cfr. Paulo VI, Const. Paenitemini, 17‑II‑1966, 1; (13) R. M. Balbin, Sacrifício y alegria, 2ª ed., Rialp, Madrid, 1975, pág. 130; (14) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 252; (15) ib., n. 253.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal