SEXTA-FEIRA DA SEGUNDA SEMANA DEPOIS DE PENTECOSTES.
Amemos, pois, a Deus, porque Deus nos amou primeiro.
– Amor único e pessoal por cada criatura.
NÓS CONHECEMOS E CREMOS no amor que Deus tem por nós. Deus é amor; e quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus nele, podemos ler numa das Leituras da Missa1.
A plenitude da misericórdia de Deus para com os homens manifesta-se pela encarnação do seu Filho Unigênito. Soubemos que Deus nos amava não só por ser esse o contínuo ensinamento de Jesus, mas pela sua presença entre nós, que é a prova máxima desse amor. Ele próprio é a plena revelação de Deus e do seu amor aos homens2. Santo Agostinho ensina que a fonte de todas as graças é o amor de Deus por nós, revelado não só por meio de palavras, mas por atos, isto é, pela sua encarnação3.
Hoje temos de pedir novas luzes para entendermos de um modo mais profundo o amor de Deus por todos os homens, por cada um. Devemos suplicar ao Espírito Santo que, com a sua graça e a nossa correspondência, possamos dizer pessoalmente e de um modo muito vivo: “Eu conheci o amor de Deus por mim”. Chegaremos a essa sabedoria – a única que verdadeiramente importa – se, com a ajuda da graça, meditarmos muitas vezes na Santíssima Humanidade de Jesus: na sua vida, nas suas obras, nos seus padecimentos para nos redimir da escravidão em que nos encontrávamos e nos elevar a uma amizade com Ele que durará pelos séculos sem fim. O Coração de Jesus, um coração com sentimentos humanos, foi o instrumento unido à Divindade que nos fez chegar o seu amor indizível; o Coração de Jesus é o coração de uma Pessoa divina, quer dizer, do Verbo Encarnado, e “por conseguinte, representa e coloca diante dos nossos olhos todo o amor que Ele teve e tem por nós. E aqui está a razão pela qual, na prática, se considera o culto ao Sagrado Coração como a mais completa profissão de fé cristã. Verdadeiramente, a religião de Jesus Cristo fundamenta-se totalmente no Homem-Deus, Medianeiro; de maneira que não se pode chegar ao Coração de Deus a não ser passando pelo Coração de Cristo, conforme o que Ele mesmo afirmou: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por Mim (Jo 14, 6)”4.
“Eu conheci o amor de Deus por mim”
Não houve um só ato da alma de Cristo ou da sua vontade que não tivesse por fim a nossa redenção, que não se propusesse conseguir-nos todas as ajudas para que jamais nos separássemos dEle ou para que voltássemos, se nos extraviamos. Não houve sequer uma só parte do seu corpo que não tivesse padecido pelo nosso amor. Todo o tipo de penas, injúrias e opróbrios, aceitou-os o Senhor alegremente pela nossa salvação. Não restou uma só gota do seu preciosíssimo Sangue que não fosse derramado por nós.
Deus me ama. Esta é a verdade mais consoladora de todas e a que mais ressonâncias práticas deve ter na minha vida. Quem poderá compreender o infinito abismo da bondade de Jesus, manifestada na chamada que recebemos para compartilhar com Ele a sua própria Vida, a sua amizade…? Uma Vida e uma amizade que nem a morte conseguirá romper, antes as tornará mais fortes e mais seguras.
“Deus me ama… E o Apóstolo João escreve: Amemos, pois, a Deus, porque Deus nos amou primeiro. – Como se fosse pouco, Jesus dirige-se a cada um de nós, apesar das nossas inegáveis misérias, para nos perguntar como a Pedro: «Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?»…
“– É o momento de responder: «Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo!», acrescentando com humildade: – Ajuda-me a amar-te mais, aumenta o meu amor!”5
– Desagravo e reparação.
II. NA MISSA DESTA SOLENIDADE rezamos: Ó Deus, que no Coração do vosso Filho ferido pelos nossos pecados, depositastes infinitos tesouros de caridade, nós Vos pedimos que, ao prestar-lhe a homenagem do nosso amor, lhe ofereçamos uma generosa reparação”6.
Ao considerarmos uma vez mais, neste tempo de oração, o amor vivo e atual de Jesus por todos os homens, deve brotar dentro de nós uma imensa alegria. Um Deus com um coração de carne como o nosso! Jesus de Nazaré continua a passar pelas nossas ruas e praças fazendo o bem7, como quando estava em carne mortal entre os homens: ajudando, curando, consolando, perdoando, concedendo a vida eterna por meio dos sacramentos… Os tesouros do seu Coração são infinitos, e Ele continua a derramá-los a mãos cheias.
São Paulo ensina que o Senhor, subindo às alturas, levou cativo o cativeiro, e derramou os seus dons sobre os homens8. São incomensuráveis as graças, as inspirações, as ajudas, espirituais e materiais, que recebemos diariamente do Coração amantíssimo de Jesus. No entanto, Ele “não se impõe com atitudes de domínio, mas mendiga um pouco de amor, mostrando-nos em silêncio as suas mãos chagadas”9. Quantas vezes não lhe teremos dito não! Quantas vezes não terá Ele esperado de nós um pouco de amor, de fervor, nessa visita ao Santíssimo, naquela Comunhão…!
Devemos desagravar muito o Coração Sacratíssimo de Jesus: pela nossa vida passada, por tanto tempo perdido, por tantas indelicadezas, por tanta falta de amor… “Peço-te, Senhor – dizemos-lhe com palavras escritas por São Bernardo –, que acolhas a oferenda dos anos que me restam. Não desprezes, meu Deus, este coração contrito e humilhado, por todos os anos que malbaratei”10. Dá-me, Senhor, o dom da contrição por tanta torpeza atual no meu trato e no meu amor por Ti, aumenta-me a aversão por todo o pecado venial deliberado, ensina-me a oferecer-te como expiação as contrariedades físicas e morais de cada dia, o cansaço no trabalho, o esforço por concluir com esmero os trabalhos começados, como Tu desejas.
Diante de tantos e tantos que parecem fugir da graça, não podemos permanecer indiferentes.
“Não peças perdão a Jesus apenas das tuas culpas; não o ames com o teu coração somente…
“Desagrava-o por todas as ofensas que lhe têm feito, que lhe fazem e lhe hão de fazer…; ama-o com toda a força de todos os corações de todos os homens que mais o tenham amado.
“Sê audaz: diz-lhe que estás mais louco por Ele que Maria Madalena, mais que Teresa e Teresinha…, mais apaixonado que Agostinho e Domingos e Francisco, mais que Inácio e Xavier”11.
– Um forno ardente de caridade.
III. AQUELES DOIS DISCÍPULOS que Jesus acompanhou enquanto iam a caminho de Emaús reconheceram-no por fim ao partir o pão, depois de umas horas de caminhada. E disseram um para o outro: Não ardia o nosso coração dentro de nós enquanto nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?12 Os seus corações, que pouco antes estavam apagados, desalentados, tristes, agora estão cheios de fervor e de alegria. Isto teria sido motivo suficiente para reconhecerem que Cristo os acompanhava, pois esse é o efeito produzido por Jesus naqueles que estão perto do seu Coração amabilíssimo. Foi o que aconteceu naquela ocasião e é o que acontece todos os dias.
Nessa “arca preciosíssima” que é o Coração de Jesus, encontra-se a plenitude de toda a caridade. Dom por excelência do Coração de Cristo e do seu Espírito, “foi a caridade que deu aos Apóstolos e aos mártires a fortaleza necessária para anunciarem e testemunharem a verdade evangélica, até derramarem o seu sangue por ela”13. Pela caridade teremos a firmeza necessária para dar a conhecer Cristo, pois é no trato com Cristo que se ateia o verdadeiro zelo apostólico, capaz de perdurar por cima dos aparentes fracassos, dos obstáculos de um ambiente que às vezes parece fugir de Jesus.
O amigo faz chegar ao amigo aquilo que tem de melhor, e é por isso que temos que dar a conhecer Jesus aos nossos parentes, amigos e colegas de profissão. Não possuímos nada que se possa comparar ao fato de termos conhecido Jesus, e nEle encontramos uma fogueira acesa de caridade pelas almas, como rezamos na Ladainha do Sagrado Coração.
“A fogueira arde – comentava o Papa João Paulo II –, e, ao arder, queima todo o material, quer seja lenha ou outra substância facilmente combustível. Pois bem, o Coração de Jesus, o Coração humano de Jesus, queima com o amor que possui, o amor ao Pai Eterno e o amor aos homens, aos seus filhos e filhas adotivos.
“A fogueira, queimando, apaga-se pouco a pouco, mas o Coração de Jesus é fogo inextinguível. Nisto se parece com a sarça ardente do livro do Êxodo, no meio da qual Deus se revelou a Moisés: com essa sarça que ardia com o fogo…, mas não se consumia (Ex 3, 2).
“Efetivamente, o amor que arde no Coração de Jesus é sobretudo o Espírito Santo, em quem Deus-Filho se une eternamente ao Pai. O Coração de Jesus, o Coração humano de Deus-Homem, está abrasado pela chama viva do Amor trinitário que jamais se extingue.
“Coração de Jesus, fogueira ardente de caridade. A fogueira, enquanto arde, ilumina as trevas da noite e aquece os corpos dos viajantes que tiritam de frio.
“Hoje, queremos dirigir-nos à Mãe do Verbo Eterno e suplicar-lhe que, no horizonte da vida de cada um de nós, jamais cesse de arder o Coração de Jesus,fogueira ardente de caridade; que Ele nos revele o Amor que não se extingue nem dormita, o Amor eterno; que ilumine as trevas da noite terrena e aqueça os corações.
“Agradecidos pelo único amor capaz de transformar o mundo e a vida humana, dirigimo-nos com a Virgem Imaculada, no momento da Anunciação, ao Coração Divino que não cessa de ser fogueira ardente de caridade. Ardente: como a sarça que Moisés viu no monte Horeb”14.
(1) 1 Jo 4, 16; Segunda leitura da Missa da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, ciclo A; (2) cfr. Jo 1, 18; Hebr 1, 1; (3) cfr. Santo Agostinho, Tratado sobre a Trindade, 9, 10; (4) Pio XII, Enc. Haurietis aquas, 15-V-1956; (5) Josemaría Escrivá, Forja, n. 497; (6) Oração coleta,ib.; (7) cfr. At 10, 38; (8) Ef 4, 8; (9) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 179; (10) São Bernardo, Sermão 20, 1; (11) Josemaría Escrivá Caminho, n. 402; (12) Lc 24, 32; (13) Pio XII, op. cit., 23; (14) João Paulo II, Angelus, 23-VI-1985.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.