TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA. QUINTA-FEIRA 

– Os doentes é que precisam de médico. Jesus veio curar-nos.
– A ovelha perdida. A alegria de Deus ante as nossas conversões diárias.
– Jesus sai muitas vezes à nossa procura.

I. LEMOS NO EVANGELHO da Missaque os publicanos e os pecadores se aproximavam de Jesus para ouvi-lo. Mas os fariseus e os escribas murmuravam dizendo: Este recebe os pecadores e come com eles.

Meditando na vida do Senhor, podemos ver claramente como toda ela manifesta a sua absoluta impecabilidade. Ele próprio perguntará aos que o escutam: Quem de vós me arguirá de pecado?2, e “durante toda a sua vida luta contra o pecado e contra tudo o que gera o pecado, a começar por Satanás, que é o pai da mentira… (cfr. Jo 8, 44)”3.

Esta batalha de Jesus contra o pecado e contra as suas raízes mais profundas não o afasta do pecador. Pelo contrário, aproxima-o dos homens, de cada homem. Na sua vida terrena, Jesus costumava mostrar-se particularmente próximo dos que, aos olhos dos homens, passavam por “pecadores” ou o eram de verdade. O Evangelho assim no-lo mostra em muitas passagens, a ponto de os seus inimigos lhe terem dado o título de amigo dos publicanos e dos pecadores4.

A sua vida é um contínuo aproximar-se dos que precisam da saúde da alma. Sai à procura dos que necessitam de ajuda como Zaqueu, em cuja casa se hospeda: Zaqueu, desce depressa – diz-lhe – porque convém que eu me hospede hoje em tua casa5. Não se afasta e até vai em busca dos que estão mais distanciados. Por isso aceita os convites e aproveita as circunstâncias da vida social para estar com aqueles que parecem não ter postas as suas esperanças no Reino de Deus. São Marcos indica que, depois do chamamento dirigido a Mateus, estavam também à mesa com Jesus e com os seus discípulos muitos publicanos e pecadores6. E quando os fariseus murmuram dessa atitude, Jesus responde-lhes: Os sãos não têm necessidade de médico, mas os enfermos…7 Sentado à mesa com esses homens que parecem estar muito longe de Deus, Jesus mostra-se entranhadamente humano. Não se afasta deles; pelo contrário, procura conversar e relacionar-se com eles.

A suprema manifestação do amor de Jesus pelos que se encontravam numa situação mais crítica deu-se no momento da sua Morte por todos no Calvário. Mas nesse longo percurso até à Cruz, a sua vida foi uma manifestação contínua de interesse por cada um, que se expressava nestas palavras comovedoras: O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir…8 Para servir a todos: aos que têm boa vontade e estão mais preparados para receber a doutrina do Reino e aos que parecem resistir à Palavra divina e ter o coração endurecido.

A meditação de hoje deve levar-nos a aumentar a nossa confiança em Jesus, tanto mais quanto maiores forem as nossas necessidades, quanto mais sentirmos a nossa fraqueza: nesses momentos, Cristo também está perto de nós.

De igual forma, pediremos com confiança por aqueles que estão afastados do Senhor, que não correspondem à solicitude com que procuramos aproximá-los de Deus e até parecem afastar-se mais. “Oh!, que dura coisa Vos peço, meu Deus – exclama Santa Teresa –: que queirais a quem não Vos quer, que abrais a quem não Vos chama, que deis saúde a quem gosta de estar doente e anda procurando a doença!”9

II. JESUS CRISTO ANDAVA constantemente entre a turba, deixando-se assediar por ela, mesmo depois de entrada a noite10; muitas vezes, nem sequer lhe permitiam descansar11. A sua existência esteve totalmente dedicada aos seus irmãos os homens12, com um amor tão grande que chegou a dar a vida por todos13. Ressuscitou para a nossa justificação14; subiu aos Céus para nos preparar um lugar15; enviou-nos o Espírito Santo para não nos deixar órfãos16. Quanto mais necessitados nos encontramos, mais atenções tem conosco. Esta misericórdia supera qualquer cálculo e medida humana; é “própria de Deus, e nela se manifesta de forma máxima a sua onipotência”17.

O Evangelho da Missa continua com uma belíssima parábola em que se expressam os cuidados de que a misericórdia divina rodeia o pecador: Se um de vós tem cem ovelhas e uma delas se perde, não deixa porventura as noventa e nove no campo, e vai à procura da que se extraviou, até que a encontra? E, quando a encontra, carrega-a sobre os ombros alegremente; e, ao chegar a casa, reúne os amigos e vizinhos para dizer-lhes: Congratulai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha que se tinha perdido. “A suprema Misericórdia – comenta São Gregório Magno – não nos abandona nem mesmo quando nós a abandonamos”18. Jesus Cristo é o Bom Pastor que nunca dá por definitivamente perdida nenhuma das suas ovelhas.

O Senhor também quer expressar aqui a sua imensa alegria, a alegria de Deus, pela conversão do pecador. É um júbilo divino que ultrapassa toda a lógica humana: Digo-vos que assim também haverá maior júbilo no céu por um pecador que faça penitência, que por noventa e nove justos que não precisem de penitência, do mesmo modo que um capitão estima mais o soldado que na guerra, tendo voltado depois de fugir, ataca com maior valor o inimigo, do que aquele que nunca fugiu, mas também não mostrou valor algum, comenta São Gregório Magno; ou como o lavrador prefere muito mais a terra que, depois de ter produzido espinhos, dá fruto abundante, do que a terra que nunca teve espinhos, mas nunca produziu fruto abundante19.

É a alegria de Deus quando retomamos a luta interior, talvez depois de pequenos fracassos nesses pontos em que precisamos de uma conversão: esforçar-nos por vencer as asperezas do caráter; por ser otimistas em todas as circunstâncias, sem desanimar, pois somos filhos de Deus; por aproveitar o tempo no estudo, no trabalho, começando e terminando na hora prevista, deixando de lado telefonemas inúteis ou desnecessários; por desarraigar um defeito; por ser generosos na pequena mortificação habitual… É a luta diária por evitar “extravios” que, mesmo que não sejam graves, nos afastam do Senhor.

Sempre que recomeçamos, o nosso coração cumula-se de júbilo, e o mesmo acontece com o do Mestre. Cada vez que deixamos que Ele nos encontre, somos a alegria de Deus no mundo.

O Coração de Jesus “transborda de alegria quando recupera uma alma que lhe tinha escapado. Todos têm que participar da sua felicidade: os anjos e os eleitos do Céu, bem como os justos da terra”20Alegrai-vos comigo…, diz-nos o Senhor. Senhor – canta um antigo hino da Igreja –, ficaste extenuado procurando-me: / Que não seja em vão fadiga tão grande!21

III. E QUANDO A ENCONTRA, carrega-a sobre os ombros alegremente… Jesus Cristo sai muitas vezes à nossa procura. Ele, que pode medir a maldade e a essência da ofensa a Deus em toda a sua profundidade, aproxima-se de nós; Ele conhece bem a fealdade do pecado e a sua malícia, e, no entanto, “não chega iracundo: o Justo oferece-nos a imagem mais comovente da misericórdia […]. À samaritana, à mulher com seis maridos, diz simplesmente – e nela a todos os pecadores –:Dá-me de beber (Jo 3, 4-7). Cristo vê o que essa alma pode ser, quanta beleza se esconde nela – a imagem de Deus ali mesmo –, e que possibilidades, e até que «resto de bondade» não existe naquela vida de pecado, como uma marca inefável, mas realíssima, do que Deus quer dela”22.

Jesus Cristo aproxima-se do pecador com respeito, com delicadeza. As suas palavras são sempre expressão do seu amor por cada alma. Vai e não peques mais23, é a única coisa que dirá à mulher adúltera que estivera a ponto de ser apedrejada. Filho, tem confiança, são-te perdoados os teus pecados24, dirá ao paralítico que, depois de incontáveis esforços, tinha sido levado pelos seus amigos à presença de Jesus. Momentos antes de morrer, dirá ao Bom Ladrão: Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso25. São palavras de perdão, de alegria e de recompensa. Se soubéssemos com que amor Cristo nos espera em cada Confissão! Se pudéssemos compreender o seu interesse em que regressemos!

A impaciência do Bom Pastor é tanta que não fica à espera de ver se a ovelha volta ao redil por conta própria, mas sai pessoalmente em busca dela. Uma vez encontrada, nenhuma outra receberá tantas atenções como ela, pois terá a honra de voltar ao redil aos ombros do pastor. Volta ao redil e “passada a surpresa, é real esse acréscimo de calor que traz ao rebanho, esse descanso merecido do pastor, e a própria calma do cão de guarda, que só de vez em quando, em sonhos, acorda assustado e vai certificar-se de que a ovelha dorme mais aconchegada ainda, se é possível, entre as outras”26. Os cuidados e atenções da misericórdia divina para com o pecador arrependido são esmagadores.

O seu perdão não consiste apenas em perdoar e esquecer para sempre os nossos pecados; isto já seria muito. Com a remissão das culpas, a alma também renasce para uma vida nova, ou a que já existia cresce e fortifica-se. O que antes era morte converte-se em fonte de vida; o que era terra dura transforma-se num vergel de frutos duradouros.

O Senhor mostra-nos nesta passagem evangélica todo o valor que tem para Ele uma só alma, pois está disposto a lançar mão de todos os meios para que ela não se perca; mostra também a sua infinita alegria quando alguém volta de novo à sua amizade.

(1) Lc 15, 1-10; (2) Jo 8, 46; (3) João Paulo II, Audiência geral, 10.02.88; (4) cfr. Mt 11, 18-19; (5) cfr. Lc 19, 1-10; (6) cfr. Mc 2, 13-15; (7) cfr. Mc 2, 17; (8) Mc 10, 45; (9) Santa Teresa, Exclamações, n. 8; (10) cfr. Mc 3, 20; (11) cfr. ibid.; (12) cfr. Gál 2, 20; (13) cfr. Jo 13, 1; (14) cfr. Rom 4, 25; (15) cfr. Jo 14, 2; (16) cfr. Jo 14, 18; (17) São Tomás de Aquino, Suma teológica, II-II, q. 30, a. 4; (18) São Gregório Magno, Homilia 36 sobre os Evangelhos; (19) cfr. São Gregório Magno, Homilia 34 sobre os Evangelhos, 4; (20) Georges Chevrot, El Evangelio al aire libre, págs. 84-85; (21) HinoDies irae; (22) F. Sopenã, La Confesión, págs. 28-29; (23) Jo 8, 11; (24) Mt 9, 2; (25) Lc 24, 43; (26) F. Sopenã, La Confesión, pág. 36.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal