TEMPO COMUM. DÉCIMO SEXTO DOMINGO. CICLO B

– Santificar a fadiga.

I. NA PRIMEIRA LEITURA1, diz‑nos o profeta Jeremias: Juntarei o resto das minhas ovelhas […] e as farei voltar aos seus campos, e elas crescerão e se multiplicarão. A profecia refere‑se à solicitude do Messias para com todos os homens e para com cada um deles. Ele conduz‑me a águas tranqüilas e repara as minhas forças, lemos no Salmo responsorial2.

O Evangelho3 mostra a preocupação de Jesus pelos seus discípulos, cansados depois de uma missão apostólica pelas cidades e aldeias vizinhas. Vinde à parte, a algum lugar solitário, e descansai um pouco, diz‑lhes. E explica o Evangelista que eram tantos os que iam e vinham que não tinham tempo para comer. Entrando, pois, numa barca, retiraram‑se à parte, a um lugar deserto. “Que coisas não lhes perguntaria e contaria Jesus!”4

A nossa vida, que é também serviço a Cristo, à família, à sociedade, está cheia de trabalho e de dedicação aos outros. Por isso não podemos estranhar que nos sintamos cansados ao fim do dia e tenhamos vontade de descansar. Nesses tempos livres, recuperamos as forças para depois voltarmos a servir, e evitamos danos desnecessários à saúde que, entre outras coisas, repercutiriam naqueles que estão ao nosso lado, na qualidade das coisas que oferecemos a Deus: na atenção devida aos filhos, à mulher, ao marido, aos irmãos, aos amigos; na dedicação às nossas tarefas apostólicas; na atenção e formação das pessoas que o Senhor colocou sob os nossos cuidados.

Há ocasiões em que o descanso se torna uma obrigação grave. “A corda não pode suportar uma tensão ininterrupta, e as suas extremidades precisam de afrouxar um pouco, se se quer voltar a retesar o arco sem que se tenha tornado inútil para o arqueiro”5. O Senhor quer que, naquilo que depende de nós, nos esforcemos pelos meios ao nosso alcance por estar em boas condições físicas, pois é muito o que Ele espera de todos. “Quanto não nos ama Deus, irmãos – exclama Santo Agostinho –, se chega a dizer que descansa quando nós descansamos”!6

Mas temos que distrair‑nos como bons cristãos, começando antes de mais nada por santificar a própria perda de energias, amando a Deus na fadiga, mesmo que esta se prolongue e, por esta ou aquela circunstância, não nos seja possível interromper a tarefa que nos ocupa. Nessas ocasiões, será especialmente consolador recorrermos ao Senhor, que tantas vezes chegava ao fim do dia extenuado. Ele compreende‑nos muito bem.

– O descanso do cristão..

II. HAVERÁ DIAS, talvez por longas temporadas, em que experimentaremos a dureza de não nos sentirmos bem e de mesmo assim termos que levar adiante os negócios, o lar, o estudo… Essa situação não nos deve desconcertar: é parte da fraqueza humana e muitas vezes sinal de que trabalhamos intensamente. “Chegam dias – confessava Santa Teresa com muita simplicidade – em que uma simples palavra me aflige e em que gostaria de partir deste mundo, porque me parece que tudo me cansa”7.

Esses momentos também devem ser oferecidos a Deus; o Senhor também está muito próximo nessas circunstâncias, e deseja que tomemos as medidas oportunas em cada caso: recorrer ao médico, se for necessário, e obedecer às suas indicações; dormir um pouco mais; dar um passeio ou ler um livro entretido… São circunstâncias que o Senhor permite para que aprofundemos no desprendimento da saúde, para que cresçamos em caridade, esforçando‑nos por sorrir, ainda que seja custoso ou até muito custoso. O oferecimento a Deus dessas situações pode ser de um valor sobrenatural muito grande, mesmo que o coração pareça seco e sem forças para os atos de piedade.

Vinde… e descansai um pouco, diz‑nos o Mestre. No descanso, longe de centrarmos a atenção no nosso eu, também devemos procurar Cristo, porque o Amor não conhece férias. “Em qualquer lugar para onde o homem se dirija, se não se apóia em Deus, sempre achará dor”8, adverte‑nos Santo Agostinho: ao menos a dor de termos deixado o Senhor de lado.

Não devemos empregar os momentos de lazer em não fazer nada. “Descanso significa represar: acumular forças, ideais, planos… Em poucas palavras: mudar de ocupação, para voltar depois – com novos brios – aos afazeres habituais”9. Esse tempo deve produzir um enriquecimento interior, conseqüência de se ter amado a Deus, de se ter cuidado com esmero das normas de piedade, e de se ter vivido também a entrega aos outros, mediante o esquecimento próprio; devem ser momentos do dia, períodos de férias ou fins de semana em que procuramos especialmente tornar a vida mais amável aos que estão ao nosso lado; a alegria e a felicidade que virmos espelhadas nos seus rostos constituirão uma boa parte do nosso descanso.

Atualmente, são muitos os que deixam a sua vida espiritual de lado ao escolherem, imprudentemente, lugares de férias onde o ambiente moral se degradou de tal modo que um bom cristão não pode freqüentá‑los, se deseja ser coerente. Seria doloroso que uma pessoa que vive habitualmente de olhos postos em Deus aprovasse com a sua presença o triste espetáculo desses ambientes e se expusesse gravemente a ofender o Senhor. Mais grave seria, tratando‑se dos pais, se cooperassem para que os seus filhos e as pessoas que dependem deles viessem a sofrer um prejuízo espiritual sério, muitas vezes irreparável: pesar‑lhes‑iam sobre a consciência os pecados próprios e os dos filhos.

O Senhor poderia dizer a muitos: “Por que continuas a caminhar por estradas difíceis e penosas? O descanso não está onde tu procuras. Fazes bem em procurar o que procuras; mas deves saber que não está onde o procuras. Procuras a vida feliz na região da morte. Não está ali! Como é possível que haja vida feliz onde nem sequer há vida?”10

Ainda que em alguns ambientes se tenha esquecido a doutrina moral da cooperação com o mal, nós, que desejamos ser bons cristãos e que muitos outros o sejam, recordá‑la‑emos, no momento oportuno e com espírito positivo, aos nossos amigos e companheiros. Não esqueçamos que, ainda que o descanso seja um dever, não o é de um modo absoluto, e que o bem da alma, própria ou alheia, está acima do bem corporal.

Num cristão que deseja imprimir unidade à sua vida, Deus não quer um tempo em que repor‑se fisicamente signifique para a alma ficar doente, alquebrada ou pelo menos enfraquecida. Além disso, com um pouco de boa vontade, sempre é possível encontrar ou criar lugares e modos em que se venha a descansar tendo a Deus muito perto, no interior da alma em graça, aproveitando o tempo para estreitar laços de amizade e realizar um apostolado fecundo.

– As festas cristãs

III. “OS CRISTÃOS devem cooperar para que as manifestações e atividades culturais coletivas próprias da nossa época se impregnem de espírito humano e cristão”11.

É tarefa nossa abrir horizontes nobres e gratos a uma sociedade em que muitas pessoas gozam de mais tempo livre devido à tendência das legislações para diminuir a jornada de trabalho, com fins de semana mais longos, mais tempo de férias, etc. Devemos ensinar também por toda a parte que as festas têm um sentido essencialmente religioso, e que sem ele ficariam vazias de conteúdo: o Natal, a Semana Santa, os domingos e demais festas do Senhor e da Virgem. Trata‑se de um apostolado urgente, pois é cada vez maior o número dos que aproveitam esses dias para evadir‑se dos seus deveres cotidianos e, talvez, para afastar‑se mais de Deus.

As festas têm uma importância decisiva “para ajudar os cristãos a receber melhor a ação da graça divina e permitir‑lhes corresponder a ela mais generosamente”12. A Santa Missa é “o coração da festa cristã”13, e nela temos de oferecer ao Senhor tudo o que compõe o nosso dia. Nada teria sentido se descuidássemos este primeiro dever para com Deus, ou se o relegássemos para uma hora que somente preenchesse um buraco do dia, repleto de outras atividades tidas por mais importantes; isso revelaria ao menos pouco amor de Deus num cristão que deseja ter o Senhor como verdadeiro centro da sua vida. Para Ele deve ser a melhor hora do nosso dia, especialmente se se trata de um domingo ou de outro dia de preceito, ainda que para isso tenhamos que mudar os planos pessoais ou da família. Se formos generosos neste ponto, sentiremos a alegria profunda de quem correspondeu ao amor de seu Pai‑Deus.

Por último, não nos esqueçamos de que – como continua o Evangelho da Missa –, quando Jesus se dirigiu numa barca com os seus para um lugar afastado, muitos o viram partir e foram para lá a pé, e chegaram antes que eles. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e encheu‑se de compaixão, porque estavam como ovelhas sem pastor, e começou a ensinar‑lhes muitas coisas. Nem Jesus nem os seus discípulos puderam descansar naquele dia. O Senhor ensina‑nos aqui com o seu exemplo que as necessidades dos outros estão por cima das nossas. Também nós, em tantas ocasiões do dia, teremos que deixar o descanso para outro momento porque há quem esteja à espera da nossa atenção e dos nossos cuidados. Façamo‑lo com a alegria com que o Senhor se ocupou daquela multidão que precisava dEle, deixando de lado os planos que tinha feito. É um bom exemplo de desprendimento que devemos aplicar às nossas vidas.

(1) Jer 23, 1‑6; (2) Sl 22, 1‑6; (3) Mc 6, 30‑34; (4) cfr. Josemaría Escrivá, Sulco, n. 470; (5) São Gregório Nazianzeno, Oração 26; (6) Santo Agostinho, Comentário sobre os salmos, 131, 12; (7) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 38, 6; (8) Santo Agostinho, Confissões, 4, 10, 15; (9) Josemaría Escrivá, op. cit., n. 514; (10) Santo Agostinho, Confissões, 4, 12, 18; cfr. Comentário sobre os salmos, 33, 2; (11) Conc. Vat. II. Const. Gaudium et spes, 61; (12) Conferência Episcopal Espanhola, Las fiestas del calendario cristiano, 13‑XII‑1982, I, 5; (13) ib.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.