TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. SÁBADO
– A mansidão e a misericórdia de Cristo.
– Jesus nunca dá ninguém por perdido. Ajuda‑nos ainda que tenhamos pecado.
– O nosso comportamento para com os outros deve estar cheio de compaixão, de compreensão e de misericórdia.
I. O EVANGELHO DA MISSA mostra‑nos Jesus que se afasta da roda dos fariseus, pois estes reuniram‑se em conselho para ver como levá‑lo à morte. Ainda que se tivesse retirado para um lugar mais seguro – talvez a Galiléia1 –, muitos o seguiram e ele curou‑os a todos, e ordenou‑lhes que não o descobrissem2. É esta a ocasião em que São Mateus, movido pelo Espírito Santo, se refere ao cumprimento da profecia de Isaías3 sobre o Servo de Javé, na qual se prefigura o Messias, Jesus, com traços bem definidos: Eis o meu servo, o meu escolhido, em quem a minha alma pôs as suas complacências. Farei repousar sobre ele o meu Espírito e ele anunciará a justiça entre as nações. Não disputará nem vociferará; ninguém o ouvirá gritar nas praças. Não quebrará a cana rachada nem apagará a mecha que fumega.
O Messias fora profetizado por Isaías, não como um rei conquistador, mas como Aquele que serve e cura. A sua missão caracterizar‑se‑ia pela mansidão, pela fidelidade e pela misericórdia, conforme descreve o Profeta servindo‑se de imagens belíssimas. A cana rachada e a mecha fumegante representam todo o tipo de misérias e sofrimentos a que a humanidade está sujeita. O Messias não acabará de quebrar a cana já rachada; pelo contrário, inclinar‑se‑á sobre ela, endireitá‑la‑á com sumo cuidado e devolver‑lhe‑á a fortaleza e a vida que se esvaem. Do mesmo modo, não apagará a mecha de uma lâmpada que parece extinguir‑se, mas empregará todos os meios para que volte a alumiar com uma luz clara e radiante. Esta é a atitude de Jesus em relação aos homens.
Na vida em geral, dizemos às vezes de um doente que a sua doença “não tem remédio”, e dá‑se por impossível a sua cura. Na vida espiritual, não acontece o mesmo: Jesus é o Médico que nunca dá por irrecuperáveis os que adoeceram da alma. Nem o homem mais endurecido no pecado é jamais abandonado pelo Mestre; também para esse, Jesus Cristo tem um remédio que cura. Em cada homem, Ele sabe ver a capacidade de conversão que existe sempre na alma. A sua paciência e o seu amor nunca dão ninguém por perdido. Podemos nós dar alguém por perdido? E se, por desgraça, nós mesmos nos encontramos alguma vez nessa triste situação, podemos desconfiar de quem disse de Si próprio que veio buscar e salvar o que estava perdido?
Como cana rachada foram Maria Madalena, e o bom ladrão, e a mulher adúltera… O Senhor recuperou Pedro, que estava despedaçado pelas negações da sua mais triste noite, e nem sequer lhe fez prometer que não voltaria a negá‑Lo. Limitou‑se a perguntar‑lhe: Simão, filho de João, amas‑me? É a pergunta que nos faz a todos, quando não sabemos ser inteiramente fiéis. Amas‑me? Pensemos hoje como é o nosso amor, como respondemos a essa única pergunta que o Senhor nos faz quando sucumbimos sob o peso das nossas misérias.
II. NÃO QUEBRARÁ a cana rachada nem apagará a mecha que fumega…
A misericórdia de Jesus pelos homens não decaiu nem por um instante, apesar das ingratidões, contradições e ódios que encontrou. O amor de Cristo pelos homens é profundo, porque se preocupa acima de tudo pela alma, para conduzi‑la com ajudas eficazes à vida eterna; e, ao mesmo tempo, é universal, estende‑se a todos. Ele é o Bom Pastor de todas as almas, conhece‑as todas e chama‑as pelo seu nome4. Não deixa nenhuma perdida no monte. Deu a sua vida por cada homem, por cada mulher.
A sua atitude, quando alguém se afasta, é a de lhe dar as ajudas suficientes para que volte, e todos os dias sai ao terraço para ver se o distingue no horizonte. E se alguém o ofendeu mais, empenha‑se em atraí‑lo ao seu Coração misericordioso. Não quebra a cana rachada, não acaba de parti‑la para depois abandoná‑la, mas recompõe‑na com tanto mais cuidado quanto maior for a sua debilidade.
O que é que diz aos que estão quebrados pelo pecado, aos que já não dão luz porque a chama divina nas suas almas se apagou? Vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei5. “Ele tem piedade da grande miséria a que o pecado os conduziu; leva‑os ao arrependimento sem julgá‑los com severidade. É o pai do filho pródigo que abraça o filho infelicitado pela sua falta. Perdoa a mulher adúltera prestes a ser lapidada; recebe Madalena arrependida e descobre o mistério de amor que trazia escondido debaixo da sua vida de pecado; fala da vida eterna à Samaritana apesar da sua má conduta; promete o céu ao bom ladrão. Verdadeiramente, nEle se realizam as palavras de Isaías: Não quebrará a cana rachada nem apagará a mecha que ainda fumega”6.
Nunca ninguém nos amou nem nos amará como Cristo. Ninguém nos compreenderá melhor. Quando os fiéis de Corinto andavam divididos dizendo uns: “Eu sou de Paulo”, e outros: “Eu sou de Apolo, eu de Cefas, eu de Cristo”, São Paulo escreveu‑lhes: Porventura foi Paulo crucificado por vós?7 É o argumento supremo.
Não podemos desesperar nunca. Deus quer que sejamos santos, e põe o seu poder e a sua providência a serviço da sua misericórdia. Por isso, não devemos deixar passar o tempo olhando para a nossa miséria, perdendo Deus de vista, deixando que os nossos defeitos nos descoroçoem e sentindo constantemente a tentação de exclamar: “Para que continuar lutando, se pequei tantas vezes, se fui tão desleal com o Senhor?” Não, nós devemos confiar no amor e no poder do nosso Pai‑Deus, e no do seu Filho, enviado ao mundo para nos redimir e fortalecer8.
Que grande bem para a nossa alma se nos sentirmos hoje, diante do Senhor, como uma cana rachada que necessita de muitos cuidados, ou como o pavio de uma débil chama que precisa do azeite do amor divino para brilhar como o Senhor quer! Não percamos nunca a esperança se nos vemos fracos, com defeitos, com misérias. O Senhor não nos abandona; basta que ponhamos em prática os meios convenientes e que não rejeitemos a mão que Ele nos estende.
III. ESTA MANSIDÃO e misericórdia de Jesus pelos fracos apontam‑nos o caminho a seguir para levarmos os nossos amigos até Ele, pois as nações porão a sua esperança no seu nome9. Cristo é a esperança salvadora do mundo.
Não podemos estranhar a ignorância, os erros, a dureza e resistência que tantos homens opõem a Deus. O apreço sincero por todos, a compreensão e a paciência devem ser a nossa atitude para com eles. Pois “quebra a cana rachada aquele que não dá a mão ao pecador nem leva a carga do seu irmão; e apaga a mecha que fumega aquele que despreza, nos que ainda crêem um pouco, a pequena centelha da fé”10.
Os nossos amigos devem encontrar na nossa amizade e nas nossas atitudes um firme apoio para a sua fé. Por isso, devemos aproximar‑nos da fraqueza que manifestam: para que se torne fortaleza; devemos vê‑los com olhos de misericórdia, como Cristo os vê; com compreensão, com um afeto sincero, aceitando o claro‑escuro formado pelas suas misérias e grandezas.
Por um lado, devemos ter presente que “servir os outros, por Cristo, exige que sejamos muito humanos […]. Temos que compreender a todos, temos que conviver com todos, temos que desculpar a todos, temos que perdoar a todos”11. Por outro, “não diremos que o injusto é justo, que a ofensa a Deus não é ofensa a Deus, que o mau é bom. No entanto, perante o mal, não responderemos com outro mal, mas com a doutrina clara e com a ação boa: afogando o mal em abundância de bem (cfr. Rom XII, 21). Assim Cristo reinará na nossa alma e nas almas dos que nos rodeiam”12.
Os frutos desta dupla atitude de compreensão e fortaleza são tão grandes – para a própria pessoa e para os outros – que bem vale a pena o esforço por ver, naqueles com quem convivemos diariamente, as suas almas; por vê‑los tão necessitados como os via o Senhor.
Diz um autor dos nossos dias13 que não é suficiente apreciar os homens brilhantes por serem brilhantes, os bons por serem bons. Devemos apreciar todos os homens por serem homens, todos os homens, o fraco, o ignorante, o que não tem educação, o mais obscuro. E só poderemos chegar a esse ponto se a nossa concepção do que é o homem o fizer objeto de estima. O cristão sabe que todos os homens são imagem de Deus, que têm um espírito imortal e que Cristo morreu por eles.
A consideração freqüente desta verdade ajudar‑nos‑á a não nos afastarmos dos outros, sobretudo quando os seus defeitos, faltas de educação ou mau comportamento se tornarem mais evidentes. Imitando o Senhor, nunca quebraremos uma cana rachada. Como o bom samaritano da parábola, aproximar‑nos‑emos do ferido e lhes vendaremos as feridas, e lhes aliviaremos a dor com o bálsamo da nossa caridade. E um dia ouviremos dos lábios do Senhor estas doces palavras: o que fizeste a um destes, a Mim o fizeste14.
Ninguém como Maria conhece o mistério da misericórdia divina. Ela sabe qual foi o seu preço e como foi alto. Neste sentido, chamamo‑la também Mãe de misericórdia… Mãe da divina misericórdia15. A Ela recorremos ao terminarmos a nossa meditação, na certeza de que Maria nos leva sempre a Jesus e nos anima a ser, como o seu Filho, compreensivos e misericordiosos.
(1) Cfr. Mc 3, 7; (2) Mt 12, 15‑16; (3) Is 42, 1‑4; (4) Mt 11, 5; (5) Mt 11, 28; (6) R. Garrigou‑Lagrange, El Salvador, Rialp, Madrid, 1965, pág. 322; (7) 1 Cor 1, 13; (8) cfr. B. Perquin, Abba, Padre, Herder, Barcelona, 1968, pág. 89; (9) Mt 12, 21; (10) São Jerônimo, em Catena Aurea, vol. II, pág. 166; (11) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 182; (12) ib.; (13) cfr. J. Sheed, Sociedad y sensatez, Herder, Barcelona, 1963, págs. 37‑38; (14) cfr. Mt 25, 40; (15) cfr. João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 30‑XI‑1980, 9.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal