TEMPO COMUM. VIGÉSIMA NONA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– Responsabilidade pelas graças recebidas.
– Responsabilidade no trabalho. Prestígio profissional.
– Responsabilidade no apostolado.

I. DEPOIS DE JESUS ter falado sobre a necessidade de se estar vigilante, Pedro perguntou-lhe se se referia a eles, aos mais íntimos, ou a todos1. E o Senhor voltou a insistir em que o momento em que Deus nos chamará para prestarmos contas da herança que recebemos é imprevisível: pode acontecer na segunda vigília ou na terceira…, a qualquer hora.

Por outro lado, respondendo a Pedro, esclarece que o seu ensinamento se dirige a todos, e que Deus pedirá contas a cada um conforme as suas circunstâncias pessoais e as graças que recebeu. Todos temos que cumprir uma missão aqui na terra, e dela teremos que responder no fim da nossa vida. Seremos julgados conforme os frutos, abundantes ou escassos, que tenhamos produzido. O Apóstolo São Paulo recordará aos cristãos dos primeiros tempos: É necessário que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que é devido pelas boas ou más obras que tenha feito enquanto esteve revestido do seu corpo2.

O Senhor termina as suas palavras com esta consideração: A todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido, e àquele a quem muito foi confiado, muito lhe será pedido. Quanto nos foi confiado? Quantas graças, destinadas a outros, quis o Senhor que passassem pelas nossas mãos? Quantos dependem da minha correspondência pessoal às graças que recebo? Esta passagem do Evangelho que lemos na Missa é um forte apelo à responsabilidade, pois todos recebemos muito. “Cada homem, cada mulher – escreve um literato – é como um soldado que Deus destaca para velar por uma parte da fortaleza do Universo. Uns estão nas muralhas e outros no interior do castelo, mas todos devem ser fiéis ao seu posto de sentinela e não abandoná-lo nunca; caso contrário, o castelo ficará exposto aos assaltos do inferno”.

O homem e a mulher responsáveis não se deixam anular por um falso sentimento de incapacidade pessoal. Sabem que Deus é Deus e que eles, pelo contrário, são um monte de fraquezas; mas isso não os retrai da sua missão na terra que, com a ajuda da graça, se converte numa bênção de Deus: na fecundidade da família, que se prolonga muito além daquilo que os pais podem divisar com o seu olhar; na paternidade ou maternidade espiritual, que se cumpre de uma maneira toda particular naqueles que receberam de Deus uma chamada para uma entrega total, e que tem uma imensa transcendência para toda a Igreja e para a humanidade…, no cumprimento dos afazeres diários – para todos –, através dos quais se realiza plenamente a vocação cristã.

“És, entre os teus, alma de apóstolo, a pedra caída no lago. – Provoca, com o teu exemplo e com a tua palavra, um primeiro círculo…; e este, outro… e outro, e outro… Cada vez mais largo. Compreendes agora a grandeza da tua missão?”3

II. A RESPONSABILIDADE – capacidade de dar uma resposta a Deus – é sinal da dignidade humana: só uma pessoa livre pode ser responsável, escolhendo em cada momento, entre as várias possibilidades, aquela que é mais consentânea com o querer divino e, portanto, com a sua própria perfeição4.

A responsabilidade de uma pessoa que vive no meio do mundo gira em boa parte em torno do seu trabalho profissional, através do qual dá glória a Deus, serve a sociedade, consegue os meios necessários para o sustento da família e realiza o seu apostolado pessoal.

Durante o seu curto pontificado, João Paulo I contou numa ocasião um episódio ocorrido com um professor de muito prestígio da Universidade de Bolonha. Certa vez, o professor foi chamado pelo ministro da Educação que, depois de conversar com ele, o convidou a permanecer mais um dia em Roma. O professor respondeu: “Não posso, amanhã tenho que dar uma aula na Universidade e os alunos me esperam”. O ministro disse-lhe: “Eu o dispenso”. E o professor: “O senhor pode dispensar-me, mas eu não me dispenso”5. Era sem dúvida um homem responsável. Era daqueles, comentava o Pontífice, que podiam dizer: “Para ensinar latim a João, não basta conhecer o latim; é necessário também conhecer e amar João”. E também: “A lição vale o que valer a preparação”. Certamente, era um homem que amava muito o seu trabalho. Quantas vezes teremos de dizer: “Eu não me dispenso”…, ainda que as circunstâncias nos dispensem!

O sentido de responsabilidade levará o cristão a lavrar um prestígio profissional sólido se ainda está estudando ou formando-se no seu ofício, a conservá-lo se se encontra em pleno exercício da profissão, e a cumprir e exceder-se nessas tarefas. Isto é válido também para a mãe de família, para o catedrático, para o escriturário, etc.

“Quando a tua vontade fraquejar diante do trabalho habitual, lembra-te uma vez mais daquela consideração: «O estudo, o trabalho, é parte essencial do meu caminho. O descrédito profissional – conseqüência da preguiça – anularia ou tornaria impossíveis as minhas tarefas de cristão. Necessito – assim Deus o quer – do ascendente do prestígio profissional, para atrair e ajudar os outros».

“Não duvides: se abandonas o teu trabalho, afastas-te – e afastas outros – dos planos divinos!”6

III. A TODO AQUELE a quem muito foi dado… Pensemos nas inúmeras graças que recebemos ao longo da nossa vida – longa ou curta –, naquelas que conhecemos palpavelmente e nessa infinidade de dons que nos são desconhecidos. Pensemos nos bens que teríamos de repartir a mãos cheias: alegria, cordialidade, ajudas pequenas, mas constantes… Meditemos hoje se a nossa vida é uma verdadeira resposta ao que Deus espera de nós.

Na parábola que lemos na passagem do Evangelho de hoje, o Senhor fala de um servo irresponsável que tinha como justificativa para a sua má administração uma idéia errada: O meu senhor tarda em vir. O Senhor já chegou e está todos os dias entre nós. É para Ele que dirigimos diariamente o nosso olhar, a fim de nos comportarmos como filhos diante do Pai, como um amigo diante do Amigo. E quando um dia, no fim da vida, tivermos que prestar contas de como administramos os bens que nos foram confiados, o nosso coração se encherá de alegria ao ver essa fila interminável de pessoas que, com a graça e o nosso empenho, se aproximaram do Senhor. Compreenderemos que as nossas ações foram como “a pedra caída no lago”, pois tiveram uma imensa ressonância à nossa volta. Tudo isso graças à fidelidade diária aos nossos deveres – talvez não muito brilhantes externamente –, à oração e ao apostolado simples, mas firme e constante, com os amigos, com os parentes, com aqueles que passaram perto da nossa vida.

O próprio Jesus anunciou aos seus discípulos: Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará outras ainda maiores, porque eu vou para o Pai7. Santo Agostinho comenta assim estas palavras do Senhor: “Aquele que crê em mim não será maior do que Eu; mas Eu farei então coisas maiores que as que faço agora; farei mais através daquele que crê em mim do que faço agora por mim mesmo”8.

Quantas maravilhas não leva o Senhor a cabo através da nossa pequenez, quando nós o deixamos agir!

As obras ainda maiores a que o Senhor alude “consistem essencialmente em dar aos homens a vida divina, a força do Espírito Santo e, portanto, a sua adoção como filhos de Deus […]. Com efeito, Jesus diz: porque eu vou para o Pai. A partida de Jesus não interrompe a sua atividade salvadora: assegura o seu crescimento e expansão; não significa que o Senhor se separa dos seus eleitos, mas que está presente neles, de um modo real, ainda que invisível. A unidade com Ele – ressuscitado – é o que os torna capazes de realizar obras ainda maiores, de reunir os homens com o Pai e entre si […]. De nós depende que Jesus volte a passar pela terra para cumprir a sua obra: Ele atua através de nós, se o deixamos agir.

“Para vir pela primeira vez à terra, Deus pediu o consentimento de Maria, criatura como nós. Maria acreditou: deu o seu consentimento total aos planos do Pai. E qual foi o fruto da sua fé? Pelo seu “sim”, o Verbo se fez carne nEla (Jo 1, 14) e tornou-se possível a salvação da humanidade”9. Pedimos também a Nossa Senhora que nos ajude a cumprir tudo aquilo que o seu Filho nos encomendou: um apostolado eficaz no ambiente em que nos encontramos.

(1) Lc 12, 39-48; (2) 2 Cor 5, 10; (3) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 831; (4) São Tomás de Aquino, Comentário à Epístola aos Romanos, II, 3; (5) cfr. João Paulo I, Ângelus, 17.09.78; (6) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Sulco, n. 781; (7) Jo 14, 12; (8) Santo Agostinho, Comentário ao Evangelho de São João, 72, 1; (9) Chiara Lubich, Palabra que se hace vida, págs. 82-83.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal