– A fortaleza de João.
– O seu martírio.
– Alegria nas contradições que possamos encontrar por seguirmos fielmente o Senhor.
São João é o único santo de quem a Igreja comemora o nascimento e a morte. Com o seu exemplo cheio de fortaleza, o Precursor ensina-nos a cumprir, apesar de todos os obstáculos, a missão que cada um recebeu de Deus.
I. E FALAREI DOS TEUS PRECEITOS diante dos reis, sem me envergonhar. E deleitar-me-ei nos teus mandamentos, que amo1.
No dia 24 de junho, a Igreja celebrou o nascimento de São João Batista; hoje comemora o seu dies natalis, o dia da sua morte, ordenada por Herodes. Este rei, como o chama São Marcos, é um dos personagens mais tristes do Evangelho. Foi durante o seu governo que Cristo pregou e se manifestou como o Messias esperado. Também teve oportunidade de conhecer João, incumbido por Deus de mostrar o Messias, e chegou a ouvi-lo com gosto2. Podia ter conhecido Jesus, a quem queria ver pessoalmente, mas cometeu a enorme injustiça de mandar decapitar aquele que poderia tê-lo levado até o Senhor. A imoralidade da sua vida, as suas más paixões, impediram-no de descobrir a Verdade e levaram-no a esse grande crime. Foi tal a cegueira da sua mente e do seu coração que, quando realmente se encontrou cara a cara com o Senhor do céu e da terra3, pretendeu que o entretivesse, a ele e aos seus amigos, com algum dos seus prodígios.
São João pregava a todos: à multidão do povo, aos publicanos, aos soldados4; aos fariseus e saduceus5, e ao próprio Herodes. Com o seu exemplo humilde, íntegro e austero, avalizava o seu testemunho sobre o Messias, que já tinha chegado6. João dizia a Herodes: Não te é lícito ter a mulher do teu irmão7. E não temeu os grandes e poderosos, nem se importou com as conseqüências das suas palavras. Tinha presente na alma a advertência do Senhor ao profeta Jeremias, que a primeira Leitura da Missa nos recorda hoje: Tu, pois, cinge os teus rins, levanta-te e diz-lhes tudo o que te mando. Não lhes tenhas medo, porque eu farei que não temas a sua presença. Porque eu te converto hoje em cidade fortificada, em coluna de ferro e em muro de bronze sobre toda esta terra, diante dos reis de Judá, dos seus príncipes, dos seus sacerdotes e do seu povo. E pelejarão contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para te livrar8.
O Senhor pede-nos também essa fortaleza e coerência, para que saibamos dar na vida diária um testemunho simples por meio do nosso exemplo e da nossa palavra, sem medo nem respeitos humanos.
II. SÃO MARCOS RELATA-NOS que Herodes mandara prender João, e mantinha-o em ferros no cárcere por causa de Herodíades, mulher de Filipe, seu irmão, que ele tinha tomado ilicitamente por mulher9. Herodíades odiava João porque este reprovava essa união ilegítima e o escândalo que causava entre o povo; por isso procurava ocasião de matá-lo. Mas Herodes temia João, sabendo que era varão justo e santo; e defendia-o, e a seu conselho fazia muitas coisas, e ouvia-o com gosto.
A ocasião apresentou-se quando o rei ofereceu no dia do seu aniversário um banquete a que foram convidados os principais da região. A filha de Herodíades dançou diante dos presentes e agradou a Herodes e aos comensais. Então o rei prometeu-lhe: Pede-me o que quiseres e eu to darei. E jurou-lhe: Dar-te-ei tudo o que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino. Por instigação de sua mãe, a jovem pediu-lhe a cabeça de João Batista. O rei entristeceu-se, mas, por causa do juramento e dos que com ele estavam à mesa, não quis desgostá-la. Executada a ordem, os discípulos do Batista recolheram o corpo e deram-lhe sepultura. Muitos deles, com toda a certeza, seriam mais tarde fiéis seguidores de Cristo.
João deu-se inteiramente a Cristo: não somente dedicou todos os seus esforços a preparar a sua chegada e os primeiros discípulos que o Mestre teria, mas sacrificou-lhe a sua própria vida. “Não devemos duvidar – diz São Beda – de que, se São João suportou a prisão e os grilhões, foi em testemunho do nosso Redentor, de quem foi precursor e por quem deu a vida. O seu perseguidor não lhe pediu que negasse Cristo, mas procurou obrigá-lo a calar a verdade. Isso é suficiente para afirmar que morreu por Cristo, porque o próprio Cristo disse: Eu sou a verdade[…]. Considerou apetecível aceitar a morte […], tendo em conta que a sofria pela confissão do nome de Cristo e que com ela alcançaria a palma da vida perene. Bem o diz o Apóstolo: Porque vos foi dado por Cristo não apenas crer nele, mas ainda sofrer por ele. E o mesmo Apóstolo explica em outro lugar por que é um dom sofrer por Cristo: Os sofrimentos desta vida não se comparam à futura glória que se revelará em nós”10.
Ao longo dos séculos, todos aqueles que seguiram de perto o Senhor alegraram-se quando tiveram que sofrer perseguições, tribulações ou contrariedades pela fé. Foram muitos os que seguiram o exemplo dos Apóstolos, a quem, depois de açoitados, ordenaram-lhes que não falassem mais no nome de Jesus, e soltaram-nos. Porém, eles saíram gozosos da presença do conselho, por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus11. E, longe de viverem acovardados e temerosos, todos os dias não cessavam de ensinar e de anunciar Jesus Cristo no templo e pelas casas12. Certamente, lembraram-se das palavras do Senhor relatadas por São Mateus: Bem-aventurados sereis quando vos injuriarem e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal de vós por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam13.
Podemos nós entristecer-nos ou queixar-nos se alguma vez temos que padecer um pouco pela nossa fé ou por sermos fiéis à chamada que recebemos do Senhor?
III. A HISTÓRIA DA IGREJA e dos seus santos mostra-nos como todos aqueles que quiseram seguir de perto os passos de Cristo encontraram de um modo ou de outro a Cruz e a contradição.
Para subir ao Calvário e corredimir com Cristo, não existem caminhos fáceis e cômodos.
Já nos primeiros tempos, São Pedro escrevia uma Epístola com acentos claros de consolo aos que sofriam. Não se tratava da sangrenta perseguição que viria anos mais tarde, mas da situação incômoda em que muitos se encontravam por serem conseqüentes com a sua fé: umas vezes, no âmbito familiar, onde os escravos tinham que suportar as injustiças dos seus amos14, e as mulheres, as intolerâncias dos seus maridos15; outras, por causa das calúnias, injúrias ou discriminações… São Pedro recorda-lhes que os contratempos que os afligem não são inúteis: devem servir-lhes para purificar-se, sabendo que é Deus quem julga, não os homens. Sobretudo devem ter presente que – à imitação de Jesus Cristo – alcançarão por esse meio muitos bens, e mesmo o dom da fé para os seus próprios perseguidores, como efetivamente aconteceu. Chama-os bem-aventurados e anima-os a suportar os sofrimentos com alegria. Pede-lhes que considerem que o cristão está incorporado em Cristo e participa da sua Paixão, Morte e Ressurreição. É Ele quem dá sentido e plenitude à cruz de cada dia16.
Desde São João Batista, foram muitos os que perderam a vida por guardarem fidelidade a Cristo. Também nos nossos dias. “O entusiasmo que Jesus despertou entre os seus seguidores e a confiança infundida pelo contacto imediato com Ele conservaram-se vivos na comunidade cristã e constituíram a atmosfera em que viviam os primeiros cristãos: […] Jesus Cristo tem a seu favor o testemunho de uma história quase bimilenária. O cristianismo produziu frutos bons e magníficos. Penetrou no interior dos corações, apesar de todas as oposições externas e de todas as resistências ocultas. O cristianismo mudou o mundo e converteu-se na salvaguarda de todos os valores nobres e sagrados. O cristianismo passou com o maior êxito pela prova da sua persistência, a que Gamaliel se referiu certo dia (At 5, 28). Não é, portanto, obra dos homens, já que, se fosse assim, ter-se-ia desmoronado e extinguido há muito tempo”17. Pelo contrário, vemos a força que a fé e o amor a Cristo têm nas nossas almas e nos milhões de corações que o confessam e lhe são fiéis, apesar das dificuldades e contradições.
Não é provável que o Senhor nos peça uma confissão de fé que nos leve à morte. Se no-la pedisse, dá-la-íamos de bom grado. O normal será que nos peça a paz e a alegria no meio das resistências que um ambiente paganizado opõe à fé: a calúnia, a ironia, o desprezo… O nosso júbilo será grande aqui na terra, e muito maior no Céu.
Todos os obstáculos devem ser vistos sempre com sentido positivo. “Cresce perante os obstáculos. – A graça do Senhor não te há de faltar: «Inter medium, montium pertransibunt aquae!»: passarás através das montanhas!”18 Mas é preciso fé, “fé viva e penetrante. Como a fé de Pedro. – Quando a tiveres, disse-o Ele, afastarás as montanhas, os obstáculos, humanamente insuperáveis, que se oponham aos teus empreendimentos de apóstolo”19.
Além disso, nunca nos faltará o consolo de Deus. E se alguma vez se tornar mais difícil caminharmos ao lado de Cristo, recorreremos a Nossa Senhora, Auxílio dos cristãos, para alcançarmos refúgio e amparo.
(1) Sl 118, 46-47; Antífona de entrada da Missa do dia 29 de agosto; (2) Mc 6, 17-20; (3) Lc 23, 6-9; (4) Lc 3, 10-14; (5) Mt 3, 7-12; (6) Jo 1, 29; 36-37; (7) Mc 6, 18; (8) Jer 1, 17-19; (9) Mc 6, 17 e segs.; (10) Liturgia das Horas, Segunda Leitura; São Beda, Homilia 23; (11) At 5, 40-41; (12) At 5, 42; (13) Mt 5, 11-12; (14) cfr. 1 Pe 2, 18-25; (15) cfr. 1 Pe 3, 1-3; (16) cfr. Sagrada Bíblia, Epístolas católicas, EUNSA, Pamplona, 1988, págs. 116-117; (17) A. Lang, Teologia fundamental, Rialp, Madrid, 1966, vol. I, págs. 319-320; (18) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 12; (19) ib., n. 489.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal