— O Senhor vem curar os nossos males mais profundos. Cura de um leproso.

 

A CURA DE UM LEPROSO narrada pelo Evangelho da Missa ‘ deve ter comovido muito as multidões. É o que transparece do fato de ter sido relatada com tanto pormenor por três Evangelistas. Um deles, São Lucas, precisa que o milagre se realizou numa cidade e que a doença se encontrava já muito avançada: estava todo coberto de lepra2, diz.

com deusA lepra era considerada então como uma doença incurável e era muito temida pelas deformações, acompanhadas de grandes sofrimentos, que produzia em todo o corpo. Como, além disso, era contagiosa, os leprosos eram segregados das cidades e dos caminhos e declarados legalmente impuros, como se lê na primeira Leitura da Missa3. Obrigados a levar a cabeça descoberta e as vestes esfarrapadas, deviam dar-se a conhecer de longe quando passavam pelas proximidades de um lugar habitado. As pessoas fugiam deles, como também os  próprios   familiares;   e  em muitos casos interpretava-se a sua doença como um castigo de Deus pelos seus pecados.

Por esse conjunto de circunstâncias, estranha ver este leproso numa cidade. Talvez tivesse ouvido falar de Jesus e estivesse há muito tempo em busca de uma oportunidade Para se aproximar dEle. Agora, finalmente, encontra-o e é tal o desejo de falar-lhe que passa por cima das rigorosas prescrições da antiga lei mosaica.

Cristo é a sua esperança, a sua única esperança.

A cena deve ter sido extraordinária. O leproso prostrou-se diante de Jesus e disse-lhe: Senhor, se quiseres, podes limpar-me. Se quiseres… Talvez tivesse preparado um discurso mais longo, com mais explicações…, mas por fim tudo ficou reduzido a essa jaculatória cheia de simplicidade, de confiança, de delicadeza: Si vis, potes me mundare, se quiseres, podes… Nessas poucas palavras condensava-se uma oração poderosa.

Jesus compadeceu-se; e os três Evangelistas que contam o episódio transmitem-nos o gesto surpreendente do Senhor: Estendeu a mão e o tocou. Até àquele momento, todos os homens haviam fugido dele com medo e repugnância. Cristo, porém, que podia tê-lo curado à distância – como já o fizera em outras ocasiões -, não só não se afasta dele, como chega a tocar a sua lepra. Não é difícil imaginar a ternura de Cristo e a gratidão do doente quando viu o gesto do Senhor e ouviu as suas palavras: Quero, sê limpo.

O Senhor sempre deseja curar-nos das nossas fraquezas e dos nossos pecados. E não temos necessidade de esperar meses nem mesmo dias para que passe perto da nossa cidade… No Sacrário mais próximo, na intimidade da alma em graça, no sacramento da Penitência, encontramos o mesmo Jesus de Nazaré que curou o leproso. Ele “é Médico, e cura o nosso egoísmo se deixarmos que a sua graça nos penetre até o fundo da alma. Jesus advertiu-nos que a pior doença é a hipocrisia, o orgulho que leva a dissimular os pecados próprios. Com o Médico, é imprescindível que tenhamos uma sinceridade absoluta, que lhe expliquemos toda a verdade e digamos: Domine, si vis, potes me mundare (Mt 8, 2), Senhor, se quiseres – e Tu queres sempre -, podes curar-me. Tu conheces a minha debilidade; sinto estes sintomas e experimento estas outras fraquezas. E descobrimos com simplicidade as chagas; e o pus, se houver pus”4; todas as misérias da nossa vida.

— A lepra, imagem do pecado. Os sacerdotes perdoam os pecados in persona Christi.

II PELA SUA FEALDADE e repugnância, pelo isolamento a que obrigava, os Santos Padres viram na lepra a imagem do pecado5. Contudo, o pecado, mesmo o venial, é incomparavelmente pior do que a lepra, pois são infinitamente maiores a sua fealdade, a sua repugnância e os efeitos trágicos que produz nesta vida e na outra. “Se tivéssemos fé e víssemos uma alma em estado de pecado mortal, morreríamos de terror”6, diz o Cura d’Ars. Todos somos pecadores, ainda que pela misericórdia divina estejamos longe do pecado mortal. É uma realidade que não devemos esquecer, e Jesus é o único que nos pode curar. Só Ele.

O Senhor vem buscar os enfermos e somente Ele pode avaliar e medir em toda a sua tremenda realidade a ofensa do pecado. Por isso comove-nos vê-lo aproximar-se do pecador, tocá-lo. Ele, que é a própria Santidade, não se apresenta cheio de ira, mas com grande delicadeza e respeito. “Esse é o estilo de Jesus”7.

O que Ele nos diz é que veio perdoar, redimir, veio livrar-nos dessa lepra da alma que é o pecado. E proclama o seu perdão como um sinal de onipotência, como sinal de um poder que só o próprio Deus pode exercer8. Cada uma das nossas confissões é expressão do poder e da misericórdia de Deus. Os sacerdotes não exercem esse poder por virtude própria, mas em nome de Cristo – in persona Christi —, como instrumentos nas mãos do Senhor. “Jesus identifica-nos de tal modo consigo próprio no exercício dos poderes que nos conferiu – dizia João Paulo II aos sacerdotes no Rio de Janeiro -, que a nossa personalidade como que desaparece diante da sua, já que é Ele quem age por meio de nós […]. É o próprio Jesus quem, no Sacramento da Penitência, pronuncia a palavra autorizada e paterna: Os teus pecados te são perdoados“9.

Quando nos confessamos, aproximamo-nos com veneração e agradecimento do próprio Cristo; na voz do sacerdote, ouvimos Jesus, o único que pode curar as nossas doenças. «Domine!» – Senhor! – «si vis, potes me mundare» – se quiseres, podes curar-me. – Que bela oração para que a digas muitas vezes, com a fé do pobre leproso, quando te acontecer o que Deus e tu e eu sabemos! – Não tardarás a sentir a resposta do Mestre: «Volo, mundare!» – Quero, sê limpo!”10 temos que aprender do leproso: com toda a sua sinceridade, coloca-se diante do Senhor e, de joelhos, reconhece a sua doença e pede para ser curado.

— Apostolado da Confissão.

Disse-lhe o Senhor: Quero, sê limpo. E imediatamente desapareceu dele a lepra e ficou limpo. Não podemos imaginar a imensa alegria que se apossou daquele que era leproso até aquele momento. Foi tal a sua alegria que, apesar da advertência do Senhor, começou a proclamar e a divulgar por toda a parte a notícia do bem imenso que recebera. Não pôde reter tanta felicidade só para si, e sentiu a necessidade de fazer participar a todos da sua boa sorte.

Esta deve ser a nossa atitude no que diz respeito ao sacramento da Confissão. Pois nela também nós ficamos livres das nossas enfermidades, por maiores que possam ser. E não só ficamos limpos do pecado, como adquirimos uma nova juventude, uma renovação da vida de Cristo em nós. Ficamos unidos ao Senhor de uma maneira diferente e particular.

E desse novo ser e dessa nova alegria que encontramos em cada confissão devemos fazer participar aqueles que mais estimamos e todos aqueles que passam pela nossa vida. Não nos deve bastar termos encontrado o Médico; devemos fazer chegar a notícia a muitos que não sabem que estão doentes ou pensam que os seus males não têm cura. Levar muitos a abeirar-se do sacramento da Confissão é uma das tarefas que Cristo nos confia nestes tempos em que verdadeiras multidões se afastaram daquilo que mais precisam: o perdão dos seus pecados.

Em certos casos, teremos que começar por uma cateque-se elementar, talvez aconselhando aos nossos amigos um livro de leitura acessível e explicando-lhes com uma linguagem compreensível os pontos fundamentais da fé e da moral. Ajudá-los-emos a ver que a sua tristeza e o seu vazio interior provêm da ausência de Deus em suas vidas. E, no momento adequado, animá-los-emos a procurar o sacerdote – talvez o mesmo com quem nós nos confessamos habitualmente – e a abrir-lhe a alma de um modo simples e humilde, contando tudo o que os afasta do Senhor, desse Deus que os está esperando. A nossa oração, o oferecimento das horas de trabalho e de algum pequeno sacrifício por eles, bem como a nossa própria confissão periódica, atrairão de Deus novas graças eficazes para esses nossos amigos.

Aquele dia foi inesquecível para o leproso. Cada um dos nossos encontros com Cristo é também inesquecível, e os amigos que ajudamos a caminhar para Deus nunca se esquecerão também da paz e do júbilo do seu encontro com o Mestre. E converter-se-ão por sua vez em apóstolos que propagam a Boa Nova, a alegria de uma confissão bem feita. A nossa Mãe Santa Maria haverá de conceder-nos, se recorrermos a Ela, a alegria e a urgência de comunicar a muitos os grandes bens que o Senhor — Pai das misericórdias — nos deixou neste sacramento.

(1) Mc 1, 40-45; (2) Lc 5, 12; (3) Lev 13, 1-2; 44-46; (4) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 93; (5) cfr. São João Crisóstomo, Homílias sobre São Mateus, 25, 2; (6) Cura d’Ars, citado por João XXIII em Carta Sacerdoti nostri primordia; (7) João Paulo II, Homília, 17-11-1985; (8) cfr. Mt 9, 2 e segs.; (9) João Paulo II, Homília no estádio do Maracanã, Rio de Janeiro, 2-VII-1980; (10) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 142; (11) Mc 1, 40.