TEMPO COMUM. TERCEIRA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA

— Os “pecados da língua”. Calar-se quando não se pode louvar.
— Não fazer juízos precipitados. O amor à verdade deve levar-nos a procurar uma informação veraz e a contribuir com os meios ao nosso alcance para a veracidade nos meios de comunicação.
— O respeito à intimidade.

I. AS PESSOAS de coração simples ficavam pasmadas ante os milagres e a pregação do Senhor, mas havia aqueles que, perante os fatos mais prodigiosos, não queriam crer na divindade de Jesus.

O Senhor acaba de expulsar um demônio – diz São Marcos no Evangelho da Missa1 – e, ao passo que a multidão ficou assombrada2, os escribas que haviam descido de Jerusalém diziam: Está possuído por Belzebu e é por virtude do príncipe dos demônios que expulsa os demônios. Por falta de boas disposições, as obras do Senhor são interpretadas como obras do demônio. Tudo pode ser confundido se falta retidão na consciência! No auge da obcecação, chegam a dizer que Jesus tinha um espirito imundo, Ele que era a própria santidade!

Por amor a Deus e ao próximo, por amor à justiça, o cristão deve ser justo também ao falar, num mundo em que tanto se maltratam os outros com as palavras. “Deve-se ao homem o bom nome, o respeito, a consideração, a fama que mereceu. Quanto mais conhecemos o homem, tanto mais se revelam aos nossos olhos a sua personalidade, o seu caráter, a sua inteligência e o seu coração, e tanto mais nos apercebemos […] do critério com que devemos «medi-lo», e o que quer dizer sermos justos com ele” 4.

Todas as pessoas têm o direito de conservar o seu bom nome, enquanto não demonstrarem com fatos indignos, públicos e notórios, que não o merecem. A calúnia, a maledicência, a murmuração… constituem grandes faltas de justiça para com o próximo, pois o bom nome é preferível às grandes riquezas 5, já que, com a sua perda, o homem se torna incapaz de realizar boa parte do bem que poderia levar a cabo 6.

Frequentemente, o pouco domínio da língua, “a leviandade no agir e no dizer”, são manifestações de “estouvamento e de frivolidade” 7, de falta de conteúdo interior e de sentido da presença de Deus. E quantas injustiças não podemos cometer ao emitirmos juízos irresponsáveis sobre o comportamento daqueles que convivem, trabalham ou se relacionam conosco! Não esqueçamos, além disso, que a origem mais frequente da difamação, da crítica negativa, da murmuração, é a inveja, que não suporta as boas qualidades do próximo, o prestígio ou o êxito de uma pessoa ou de uma instituição. Diz-nos o Apóstolo São Tiago que a língua pode chegar a ser um mundo de iniqüidade 8.

Difamam e murmuram não só os que divulgam notícias desabonadoras da honra dos outros, mas os que comentam levianamente rumores infundados; ou os que cooperam para a propagação da maledicência através da palavra, da imprensa ou de qualquer outro meio de comunicação, fazendo-se eco e dando publicidade a palavras caluniosas comentadas ao ouvido; ou então os que o fazem através do silêncio, omitindo-se quando deveriam sair em defesa da pessoa injuriada, pois o silêncio – não poucas vezes – equivale a uma aprovação daquilo que se ouve. Como também se pode difamar “elogiando”, se se rebaixa injustamente o bem realizado.

E não são só as pessoas que têm direito à honra e à boa fama, mas também as instituições. A difamação que se comete contra estas tem a mesma gravidade que a que se comete contra as pessoas, e frequentemente maior, pelas consequências – às vezes irreversíveis — que o desprestígio público lançado sobre o bom nome dessas instituições pode ocasionar9.

Podemos perguntar-nos hoje na nossa oração se, nos ambientes em que se passa a nossa vida, somos conhecidos como pessoas que nunca falam mal do próximo; e se realmente vivemos aquele sábio conselho: “Quando não puderes louvar, cala-te” 10.

II. DEVEMOS PEDIR AO SENHOR que nos ensine a dizer aquilo que convém, a não pronunciar palavras vãs, a conhecer o momento certo e a medida exata de falar, a saber dizer o necessário e a dar a resposta oportuna, “a não conversar tumultuadamente e a não deixar cair as palavras que nos vêm à cabeça como uma chuva de granizo, pela impetuosidade no falar”11. Coisa que, por desgraça, é frequente em muitos ambientes.

Viveremos exemplarmente este aspecto da caridade e da justiça se mantivermos no nosso interior um clima de presença de Deus ao longo do dia e se evitarmos com prontidão os juízos negativos. Devemos viver as virtudes da justiça e da caridade primeiro no nosso coração, pois da abundância do coração fala a boca 12. É aí, no nosso interior, que devemos preservar habitualmente uma atitude de benevolência para com o próximo, evitando o juízo estreito e a medida mesquinha, pois “muitas pessoas, mesmo entre as que se consideram cristãs […], antes de mais nada, imaginam o mal. Sem prova alguma, pressupõem-no; e não só admitem essa ordem de pensamentos, como ainda se atrevem a manifestá-los num juízo aventurado, diante da multidão” 13.

O amor à justiça deve levar-nos a não formar juízos precipitados sobre pessoas e acontecimentos, baseados numa informação superficial. É necessário manter um são espírito crítico em face das informações que nos chegam, muitas das quais podem ser tendenciosas ou simplesmente incompletas. E frequente que os fatos objetivos se apresentem envolvidos em opiniões pessoais; e quando se trata de notícias sobre a fé, a Igreja, o Papa, os bispos, etc, se essas notícias são dadas por pessoas sem fé ou cheias de preconceitos, é fácil que nos cheguem deformadas na sua realidade mais íntima.

O amor à verdade deve defender-nos de um cômodo conformismo e levar-nos a discernir, a fugir das simplificações apressadas, a deixar de lado os canais informativos sectários, a desprezar o “ouvi dizer” e a contribuir positivamente para a boa informação dos outros: enviando cartas de esclarecimento aos jornais, aproveitando uma notícia parcial ou sectária para retificá-la com veracidade e sentido positivo no círculo das nossas relações… e, evidentemente, não colaborando nem com um centavo para a manutenção do jornal, da revista ou do boletim que a publicou. Se todos nós, cristãos, atuássemos assim, muito em breve mudaríamos a situação confusa de desrespeito à dignidade das pessoas que se observa em muitos países.

Outra manifestação clara de amor à justiça e à verdade será retificarmos a opinião – se necessário também publicamente – quantas vezes percebermos que, apesar da nossa boa intenção, nos enganamos ou tivemos conhecimento de um dado novo que nos obrigava a reformular uma afirmação anterior.

Sejamos intransigentes nesta matéria tão pegajosa. Comecemos nós mesmos por ser justos nos nossos juízos, nas nossas palavras, e procuremos que essa virtude seja vivida à nossa volta, sem permitir nunca a calúnia, nem a difamação, nem a maledicência, por nenhum motivo.

III. QUEM TEM A VISTA DEFORMADA vê os objetos deformados; e quem tem os olhos da alma doentes vê intenções retorcidas e pouco claras onde há somente desejos de servir a Deus; ou vê defeitos que, na realidade, são dele mesmo. Já Santo Agostinho aconselhava: “Procurai adquirir as virtudes que julgais faltarem aos vossos irmãos, e já não vereis os seus defeitos, porque vós mesmos não os tereis” 14. Peçamos com insistência ao Senhor a graça de vermos sempre e em primeiro lugar tudo o que há de bom – e que é muito – naqueles que convivem conosco. Assim saberemos desculpar-lhes os erros e ajudá-los a superar essas falhas.

Viver a justiça nas palavras e nos juízos significa também respeitar a intimidade das pessoas, protegê-la de curiosidades estranhas, não expondo em público o que deve permanecer em privado, no âmbito da família ou da amizade. É um direito elementar que vemos ferido e maltratado freqüentemente.

“Não custaria nenhum trabalho apontar na nossa época casos dessa curiosidade agressiva que leva a indagar morbidamente da vida privada dos outros. Um mínimo senso de justiça exige que, mesmo na investigação de um presumível delito, se proceda com cautela e moderação, sem tomar por certo o que é apenas uma possibilidade. Compreende-se até que ponto se deva qualificar como perversão a curiosidade malsã em desentranhar o que não só não é um delito, como pode até ser uma ação honrosa.

“Perante os mercadores da suspeita, que dão a impressão de organizarem um tráfico da intimidade, é preciso defender a dignidade de cada pessoa, o seu direito ao silêncio. Costumam estar de acordo nesta defesa todos os homens honrados, sejam ou não cristãos, porque está em jogo um valor comum: a legítima decisão de cada qual ser como é, de não se exibir, de conservar em justa e púdica reserva as suas alegrias, as suas penas e dores de família” 15.

“«Sancta Maria, Sedes Sapientiae» – Santa Maria, Sede da Sabedoria. – Invoca com freqüência, deste modo, a Nossa Mãe, para que Ela cumule os seus filhos – no seu estudo, no seu trabalho, na sua convivência – da Verdade que Cristo nos trouxe” 16.

(1) Mc 3, 22-30; (2) cfr. Lc 11, 14; (3) Mc 3, 30; (4) João Paulo II, Alocação, 8-XI-1978; (5) Prov 22, 1; (6) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 73, a. 2; (7) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 17; (8) Ti 3, 6; (9) F. Fernández Carvajal, Antologia de textos, verbete “Difamação”; (10) Josemaría Escrivá, op. cit, n. 443; (11) São Gregório Niceno, Homília I, Sobre os pobres que hão de ser amados’, (12) Mt 12, 34; (13) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 67; (14) Santo Agostinho, Comentário ao Salmo 30; (15) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 69; (16) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 607.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal