TEMPO COMUM. DÉCIMA SÉTIMA SEMANA. QUINTA‑FEIRA

– Deus vive no meio de nós.

I. DEUS TINHA REVELADO ao longo do Antigo Testamento a sua intenção de habitar perenemente entre os homens. A chamada Tenda da reunião ou do encontro foi como que o primeiro templo de Deus no deserto, e sobre ela pousava uma nuvem que era o símbolo da glória de Deus e da sua presença: Então a nuvem cobriu a tenda do encontro e a glória do Senhor encheu o santuário1. Essa nuvem era o sinal da presença divina2.

Mais tarde, o Templo de Jerusalém viria a ser o lugar em que os israelitas encontrariam a Deus3, o lugar pelo qual tinham suspirado no deserto: Como são desejáveis as tuas moradas, Senhor dos exércitos! A minha alma consome‑se e anela pelos átrios do Senhor4. Estar longe do Santuário era estar privado de toda a felicidade verdadeira. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e verei o rosto de Deus?5

Chegada a plenitude dos tempos, o Verbo fez‑se carne. No momento da Encarnação, o poder do Altíssimo cobriu Nossa Senhora com a sua sombra6 e a Virgem veio a ser o novo Tabernáculo de Deus: o Verbo de Deus habitou entre nós7.

A palavra grega correspondente a “habitar” que São João emprega “significa etimologicamente «erguer a tenda de campanha» e, daí, habitar num lugar. O leitor atento da Escritura devia, pois, recordar‑se espontaneamente do tabernáculo dos tempos da saída do Egito, em que Javé manifestava visivelmente a sua presença no meio do povo de Israel […].

“Aos sinais da presença de Deus na Tenda do santuário peregrinante no deserto e depois no Templo de Jerusalém, segue‑se, pois, a prodigiosa presença de Deus entre nós: Jesus, perfeito Deus e perfeito homem, em quem se cumpre a antiga promessa muito além do que os homens podiam esperar; como se cumprem também as promessas feitas por Isaías acerca do Emmanuelou «Deus conosco» (Is 7, 14)”8. Desde então podemos dizer com o mais absoluto respeito pela verdade que Deus vive entre nós. Não é para admirar‑nos e agradecer constantemente? Como podemos acostumar‑nos a essa realidade inaudita de um Deus que convive com os homens?

– Presença de Cristo no Sacrário.

II. DESDE O MOMENTO da Encarnação, podemos dizer em sentido próprio que Deus estáconosco, com uma presença pessoal, real, e de uma maneira que é exclusiva de Jesus Cristo: Jesus Cristo, verdadeiro Homem e verdadeiro Deus, está conosco numa proximidade maior do que qualquer outra que se possa imaginar. Jesus é Deus conosco. Antes, os israelitas diziam que Deus estava com eles; agora podemos dizê‑lo de modo exato, como quando afirmamos que uma coisa que apreciamos com os sentidos está mais perto ou mais longe do lugar em que nos encontramos.

Na Palestina, Cristo deslocava‑se, ia de uma cidade para outra, a fim de pregar em outros lugares… Quando acabou estas parábolas, partiu dali9, lemos no Evangelho da Missa. Era Deus que deixava determinado lugar para ir ao encontro de outras pessoas. O sacerdote, quando consagra na Santa Missa, traz‑nos Cristo, Deus e Homem, ao altar onde antes não estava na sua Santíssima Humanidade. É uma presença especial, que só se dá na Eucaristia e que permanece no Sacrário, no Tabernáculo da Nova Aliança, enquanto durarem as espécies.

Esta presença refere‑se de modo direto ao Corpo de Cristo e indiretamente às três Pessoas da Santíssima Trindade: ao Verbo, pela união com a Humanidade de Cristo, e ao Pai e ao Espírito Santo, pela mútua imanência das Pessoas divinas10. É, pois, literalmente adequado dizer diante do Sacrário: “Deus está aqui”, perto de mim; creio firmemente, Senhor, que estás aí, que me vês, que me ouves…

O Magistério da Igreja, esclarecendo diversos erros, recordou e tornou preciso o alcance da presença eucarística: é uma presença real, quer dizer, nem simbólica nem meramente significada ou insinuada por uma imagem; verdadeira, não fictícia nem meramente mental ou suposta pela fé ou pela boa vontade de quem contempla as sagradas espécies; e substancial, porque, pelo poder conferido por Deus às palavras do sacerdote no momento da Consagração, toda a substância do pão se converte no Corpo do Senhor, e toda a substância do vinho no seu Sangue. Assim, o Corpo e o Sangue adoráveis de Cristo Jesus estão substancialmente presentes, e “na própria realidade, independentemente do nosso espírito, o pão e o vinho deixaram de existir depois da Consagração”11; “realizada a transubstanciação, as espécies do pão e do vinho […] contêm uma nova «realidade», que com razão chamamos ontológica, porque sob as referidas espécies já não existe o que antes havia, mas algo completamente diverso […], e isto não unicamente pelo juízo de fé da Igreja, mas pela realidade objetiva”12.

Jesus está presente nos nossos Sacrários independentemente de que muitos ou poucos se beneficiem da sua presença inefável. Ele está ali com o seu Corpo, o seu Sangue, a sua Alma e a sua Divindade. Deus feito homem! Não é possível maior proximidade. Podemos dizer de alguma maneira que a presença eucarística de Cristo é o prolongamento sacramental da Encarnação.

Do Sacrário, Jesus convida‑nos a fazer confluir para Ele os nossos afetos e súplicas. Na visita ao Santíssimo e nos atos de culto da Sagrada Eucaristia, agradecemos este dom de que não somos totalmente conscientes. Vamos até o Sacrário para buscar forças, para dizer a Jesus como notávamos a sua falta, quanto precisamos dEle, pois “a Eucaristia é conservada nos templos e oratórios como centro espiritual da comunidade religiosa ou paroquial; mais ainda, da Igreja universal e de toda a humanidade, já que sob o véu das sagradas espécies contém Cristo, cabeça visível da Igreja, Redentor do mundo, centro de todos os corações, por quem são todas as coisas e nós com Ele (1 Cor 8, 6)”13.

– O culto e a devoção a Jesus Sacramentado. O hino Adoro te devote.

III. A PRÁTICA DA IGREJA de adorar o Senhor presente no Tabernáculo sempre foi constante. Se os israelitas tinham tanta reverência por aquela Tenda do encontro no deserto, e mais tarde pelo Templo de Jerusalém, que eram figuras antecipadoras ou imagens da realidade, como não devemos honrar Jesus Cristo, que ficou para sempre conosco no Sacrário?

Nos primeiros séculos da Igreja, a principal razão pela qual se guardavam as sagradas espécies era a de prestar assistência àqueles que se viam impedidos de assistir à Santa Missa, especialmente aos doentes e moribundos, e aos encarcerados por causa da fé. O Sacramento do Senhor era‑lhes levado com unção e fervor, para que também eles pudessem comungar. Mais tarde, a fé viva na presença de Cristo não só levou os fiéis a visitarem com freqüência o lugar em que o Senhor ficava reservado, como deu origem ao culto do Santíssimo Sacramento. A autoridade da Igreja ratificou‑o e enriqueceu‑o constantemente: “Os cristãos – declarava o Concílio de Trento – tributam a este Santíssimo Sacramento, ao adorá‑lo, o culto de latria que se deve ao Deus verdadeiro, conforme o costume sempre aceito da Igreja católica”14.

No século XIII, São Tomás compôs um hino que, de uma maneira fiel e piedosa, contém a fé da Igreja na Sagrada Eucaristia. Nós podemos fazê‑lo nosso em muitas ocasiões para alimentarmos a nossa piedade e honrarmos Jesus Sacramentado: Adoro te devote, latens Deitas… “Eu te adoro com devoção, Deus escondido, verdadeiramente oculto sob estas aparências. A ti se submete meu coração por completo, e se rende totalmente ao contemplar‑te”; acato com humildade e agradecimento – deslumbrado ante o poder de Deus, pasmado ante a sua misericórdia – tudo o que a fé nos ensina. O próprio Deus se entrega, inerme, nas nossas mãos: que grande lição para a minha soberba! E, com a confiança que cresce ao tê‑lo aí, tão próximo, pedimos ao Senhor a sua graça para submetermos o nosso eu à sua Vontade…

Junto do Sacrário, aprendemos a amar; nele encontramos as forças necessárias para sermos fiéis. Ele espera‑nos sempre e alegra‑se quando o procuramos, nem que seja numa breve visita de poucos minutos. Espera os homens tantas vezes maltratados pelas asperezas da vida, e conforta‑os com o calor da sua compreensão e do seu amor. Junto do Sacrário, cobram outra força aquelas palavras do Senhor: Vinde a mim, todos os que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei15.

(1) Ex 40, 34; Primeira leitura da Missa da quinta‑feira da décima sétima semana do TC, ano I; (2) cfr. Num 12, 5; 1 Rs 8, 10‑11; (3) cfr. Is 1, 12; Ex 23, 15‑17; (4) Sl 83, 2‑3; Salmo responsorialda Missa da quinta‑feira da décima sétima semana do TC, ano I; (5) Sl 42, 3; (6) cfr. Lc 1, 35; (7) Jo 1, 14; (8) Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, EUNSA, Pamplona, 1983, pág. 1146; (9) Mt 13, 53; (10) cfr. Conc. de Trento, Decr. De Sanctissima Eucharistia, cap. XI; (11) Paulo VI, Credo do povo de Deus, 25; (12) idem, Enc. Mysterium fidei, 3‑IX‑1965; (13) ib., 69; (14) Conc. de Trento, Secção XIII, cap. V, Dz 1643; (15) Mt 11, 28.