TEMPO DO NATAL DEPOIS DA EPIFANIA. 10 DE JANEIRO
– O Senhor é o Mestre de todos os homens. É o nosso único Mestre.
– Aprender dEle. Meditar o Evangelho.
– Jesus ensina-nos no íntimo do nosso coração através dos acontecimentos e pessoas que nos rodeiam e, sobretudo, através do Magistério da Igreja.
Os ouvintes tomavam assento sobre esteiras à volta do mestre e podiam intervir e também ser perguntados sobre o texto que se explicava. As perguntas e respostas de Jesus, ainda que estivessem de acordo com a sua idade, chamaram muito a atenção de todos: Todos quantos o ouviam maravilhavam-se da sua inteligência e das suas respostas.
Quando começar a sua vida pública, o evangelista nos dirá que as multidões maravilhavam-se da sua doutrina, pois ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas2. Ouvindo-o, as multidões esqueciam-se da fome e do frio da intempérie. Nunca se opôs a que o povo o chamasse profeta e mestre3, e, aos seus discípulos, dizia-lhes: Vós me chamais mestre e senhor, e dizeis bem, porque o sou4.
Com freqüência Jesus utilizava a expressão: Mas eu vos digo… Queria indicar-nos que a sua doutrina tinha uma força especial: era o Filho de Deus quem falava. E ouviu-se do céu uma voz que dizia: Este é o meu Filho muito amado, ouvi-o5. Desde então, já não há outro a quem escutar.
Os Profetas apresentavam-se como porta-vozes de Deus: Assim fala o Senhor, declaravam depois dos seus discursos. Jesus fala em nome próprio e dá um ensinamento divino. Moisés vos disse…, mas eu vos digo. Indica o sentido e o alcance precisos dos mandamentos de Deus recebidos por Moisés no Sinai, corrigindo falsas interpretações. Os seus preceitos seguem a mesma revelação do Antigo Testamento, e, no entanto, são absolutamente novos. Ninguém como Ele mostrou a soberania de Deus e, ao mesmo tempo, a sua qualidade de Pai amorosamente preocupado com as coisas do mundo e, sobretudo, com os seus filhos, os homens. Ninguém como Ele indicou a verdade fundamental do homem: a sua liberdade interior e a sua dignidade intocável.
A vida de Jesus foi uma pregação incessante. Falou nas sinagogas6, à margem do lago7, no Templo8, nos caminhos9, nas casas, em toda a parte. A sua doutrina foi-nos transmitida, fidelíssima e substancialmente completa, através dos Evangelhos. Muitas outras coisas fez Jesus, as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que este mundo não poderia conter os livros que se deveriam escrever10, diz-nos São João ao terminar o seu Evangelho. Mas, quanto a tudo o que é essencial, conhecemo-lo tal como aconteceu, tal como o ensinou o Mestre, o nosso único Mestre. Junto dEle, sentimo-nos seguros. Sempre diz a cada um o que precisa ouvir. Lendo o Evangelho uns minutos todos os dias, com um coração leal, meditando-o devagar, sentimo-nos impelidos a repetir com São Pedro: Senhor, só tu tens palavras de vida eterna11. Só Tu, Senhor. Examinemos como e com que atenção lemos o Evangelho.
II. UM SÓ é o vosso mestre, Cristo12. Se depois houve mestres e doutores na sua Igreja13, foi porque Ele os constituiu14, subordinando-os a si; seriam repetidores e testemunhas do que viram e ouviram15. Através da Igreja, do Evangelho tal como a Igreja no-lo entregou, chega-nos como que por um canal a Boa Nova de Cristo.
Só se verá privado de ouvir a palavra divina quem se fechar a ela voluntariamente. Todos podem compreendê-la. A mais sublime de todas as doutrinas é acessível aos espíritos mais simples. Os humildes, os que se fazem pequenos como as crianças, captam-na sem esforço, ao passo que os “sábios”, os que se deixam arrastar pela sua soberba, ficam sem a luz do Espírito Santo e jazem nas trevas, sem nada entender ou deformando a verdade salvadora: Porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos16.
Jesus é o Mestre de todos, o nosso Mestre. E pode sê-lo porque Ele próprio sabe o que há dentro de cada homem17. Não se engana sobre as nossas misérias e fraquezas: conhece bem toda a maldade que pode esconder-se em cada coração. Mas conhece também, melhor do que nós próprios, as possibilidades de generosidade, de sacrifício, de grandeza que existem também em todo o coração, e pode despertá-las com a sua Palavra viva.
Tomar Jesus como Mestre é tomá-lo como guia, andar sobre as suas pegadas, buscar com ânsia a sua vontade sobre nós, sem nos desalentarmos nunca pelas nossas derrotas, das quais Ele nos levanta e que converte em vitórias uma após outra.
Tomá-lo como Mestre é querer parecer-se cada vez mais com Ele: que os outros, ao verem o nosso trabalho, o nosso comportamento no seio da família, com os estranhos e sobretudo com os mais necessitados, possam reconhecer Jesus.
Assim como, no relacionamento habitual com uma pessoa que se estima e se admira muito, se acaba por adotar não só a sua maneira de pensar, mas as suas expressões e gestos, da mesma forma, fazendo de Jesus o nosso Mestre inseparável, relacionando-nos diariamente com Ele através da oração e da meditação do Evangelho, acabaremos por parecer-nos com Ele, quase sem o percebermos: “Oxalá fossem tais o teu porte e a tua conversação que todos pudessem dizer, ao ver-te ou ouvir-te falar: «Este lê a vida de Jesus Cristo»”18.
III. DIZ-NOS SÃO PAULO que a palavra de Deus é viva e eficaz (cfr. Hebr 4, 12). A doutrina de Jesus Cristo é sempre atual, nova, para cada homem; é um ensinamento pessoal porque se destina a cada um de nós. Não nos é difícil reconhecer-nos num determinado personagem de uma parábola ou compreender no mais íntimo da alma que umas palavras de Jesus pronunciadas há vinte séculos foram ditas para nós, como se fôssemos os seus únicos destinatários. Deus falou muitas vezes e de muitos modos em outros tempos aos nossos pais através dos profetas; nestes últimos dias, falou-nos pelo seu Filho (cfr. Hebr 1, 1). Estes últimos dias são também os nossos. Jesus Cristo continua a ensinar. As suas palavras, por serem divinas e eternas, são sempre atuais.
Ler o Evangelho com fé é crer que tudo o que nele se diz está de algum modo acontecendo agora. São atuais a partida e o regresso do filho pródigo; são atuais a ovelha que anda perdida e o pastor que sai à sua busca; é atual a necessidade do fermento para transformar a massa e da luz que deve dissipar a grande escuridão que com enorme freqüência desce sobre o mundo e sobre o homem. “Nos Livros sagrados, o Pai que está nos céus sai amorosamente ao encontro dos seus filhos para conversar com eles. E é tão grande o poder e a força da sua palavra, que constitui sustento e vigor para a Igreja, firmeza de fé para os seus filhos, alimento da alma, fonte límpida e perene de vida espiritual”19.
Certo dia, estava o Senhor em casa de um fariseu chamado Simão. Tomando Jesus a palavra, disse-lhe: Simão, tenho uma coisa a dizer-te20. Cristo sempre tem alguma coisa a dizer-nos; a cada um em particular, pessoalmente. Para ouvi-lo, devemos ter um coração que saiba escutar, um coração atento às coisas de Deus. Ele é o Mestre de sempre. Era o Mestre ontem e sê-lo-á amanhã: Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre21. E dirige-se a cada homem em particular, a cada homem que queira escutá-lo. Todo aquele que, com sinceridade de coração, procurar um rumo para a sua vida, encontrá-lo-á; o Senhor não nega a sua graça a quem de verdade o procura.
Quando Salomão, que amava o Senhor, ainda era jovem, o Senhor apareceu-lhe durante a noite em sonhos e disse-lhe: Pede-me o que queiras que te dê. E Salomão não pediu riqueza, nem poder, nem uma vida longa…, mas sabedoria para governar o Povo de Deus. O pedido foi muito grato ao Senhor, que lhe concedeu um coração sábio e inteligente, um coração capaz de entender22.
Também nós devemos pedir antes de mais nada um coração capaz de escutar e de entender essas moções interiores do Espírito Santo na nossa alma, essa linguagem de Deus que nos fala através do Magistério da Igreja, essa doutrina que nos chega com suma clareza através do Papa e dos bispos unidos ao Papa, e que requer uma resposta prática. Convém que examinemos agora, na nossa meditação, qual o empenho com que procuramos conhecer bem a doutrina do Magistério. E não só conhecê-la, mas também vivê-la pessoalmente e difundi-la entre os católicos e entre todos os homens de boa vontade. O Mestre, Jesus, fala-nos através dessa doutrina.
Pedimos à Virgem Maria um ouvido atento à voz de Deus, que nos fala hoje tal como o fez há vinte séculos.
(1) Lc 2, 46-47; (2) Mc 1, 22; (3) Mt 21, 11; (4) Jo 13, 13; (5) Mc 9, 7; (6) Mt 4, 23 e segs.; (7) Mc 3, 9; (8) Mt 21, 22-23; (9) Jo 4, 5 e segs.; (10) Jo 21, 25; (11) Jo 6, 68; (12) Mt 23, 10; (13) cfr. At 13, 1; 1 Cor 12, 28-29; (14) Ef 4, 11; (15) cfr. At 10, 39; (16) Mt 11, 25; (17) Jo 2, 24; (18) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 2; (19) Concílio Vaticano II, ConstituiçãoDei verbum, 21; (20) Lc 7, 40; (21) Hebr 13, 8; (22) cfr. 1 Re 3, 4 e segs.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal