TEMPO DO NATAL DEPOIS DA EPIFANIA.12 DEJANEIRO

– O crescimento de Jesus. A sua Santíssima Humanidade.
– O nosso crescimento sobrenatural. As virtudes teologais e morais.
– A maturidade humana que deve acompanhar a verdadeira vida interior. As virtudes humanas.

I. JESUS CRESCIA em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e dos homens1. Nesta breve linha, São Lucas resume os anos de Jesus em Nazaré. Porque era homem perfeito, o Senhor quis que a passagem dos anos fosse acompanhada de um crescimento e manifestação progressivos da sua sabedoria e da sua graça.

Segundo a sua natureza humana, Jesus crescia como um de nós. Quanto ao crescimento em sabedoria, deve-se entendê-lo em relação aos conhecimentos adquiridos a partir das coisas que o rodeavam, dos seus mestres, da experiência da vida que todo o ser humano alcança com o passar dos anos. Na pequena escola de Nazaré, o Senhor devia aprender a Sagrada Escritura como os demais ouvintes, assim como os comentários clássicos com que se costumava acompanhar sempre a explicação dos textos. Impressiona ver Jesus lendo o Antigo Testamento e aprendendo o que se dizia do Messias, isto é, dEle próprio. Não nos custa imaginar que comentaria essas passagens com sua Mãe. E José, o homem da casa, escutaria a conversa com uma atenção e um assombro incomparáveis, e ele próprio interviria no diálogo.

Jesus aprendeu de José muitíssimas coisas; entre outras, o ofício com que ganhou a vida e depois manteve a casa, quando o santo Patriarca abandonou este mundo. A Virgem Maria também deve ter deixado uma profunda marca no seu Filho: na sua forma de ser humana, nas frases e nos modos de dizer, nas próprias orações que todos os judeus aprendiam de seus pais.

Além dessa ciência experimental humana, que foi crescendo com a idade, havia em Jesus outros dois tipos de ciência. Em primeiro lugar, a ciência dos bem-aventurados, a visão da essência divina derivada da união da natureza humana de Cristo com a natureza divina na única Pessoa do Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Esta ciência, própria de Deus, não podia crescer porque Ele a tinha em plenitude. E depois, a ciência infusa, que aperfeiçoava a sua inteligência e pela qual conhecia todas as coisas, mesmo as ocultas, como ler os corações dos homens. Esta ciência também não podia aumentar2.

Por vezes, Jesus fazia perguntas a um ou outro: Como te chamas?Quanto tempo há que sofres desta doença?4,Quantos pães tendes?5 Havia também ocasiões, diz-nos o evangelista, em que se surpreendia e admirava6. É que, embora possuísse uma ciência divina com um conhecimento perfeitíssimo, Jesus quis viver uma existência plenamente humana. Não finge quando se admira ou pergunta, porque são reações íntimas e profundas, próprias do ser humano.

Também nós devemos crescer no conhecimento de Deus e dos seus desígnios de salvação. Não podemos ficar estancados na nossa formação e nos nossos conhecimentos quanto à doutrina. Conhecendo melhor o Senhor, saberemos chegar a um trato mais íntimo com Ele, e desse trato surgirá um amor cada vez mais fecundo.

II. AO COMENTAR o crescimento de Jesus, diz São Cirilo que a sabedoria divina assim o dispôs para que o Redentor se assemelhasse em tudo a nós7.

O nosso crescimento em idade deve fazer-se acompanhar de um progressivo aumento das virtudes humanas e da vida sobrenatural. É um crescimento inteiramente peculiar, pois ao invés de nos fazer deixar para trás a juventude, como acontece na vida natural, faz com que tenhamos cada vez mais frescor e louçania. Na vida física, chega um momento em que o “ainda não” da juventude dá passagem ao “já não” da velhice. Na vida sobrenatural, acontece o contrário. A vida cristã jamais murcha; podemos dirigir-nos ao Deus que alegra a minha juventude8 em qualquer época da vida, mesmo que sejamos velhos. Talvez tenhamos conhecido pessoas santas, já muito avançadas em idade, que revelavam uma grande juventude interior, nascida do seu trato fiel com Cristo e manifestada em toda a sua atuação humana. Deus torna jovem a pessoa que o ama.

O crescimento obtém-se por meio da graça, especialmente através dos sacramentos, e pela prática das virtudes. A graça, que foi depositada em nossos corações como uma semente9, luta por crescer e por levar-nos à plenitude10. O obstáculo é o pecado, que “é, em última análise, uma diminuição do próprio homem que o impede de alcançar a plenitude”11. Quanto às virtudes, o homem espiritual desenvolve-as pela ação do Espírito Santo12 e sob a influência dos seus dons, cuja missão é aperfeiçoar a vida sobrenatural incoada pelas virtudes teologais. Os dons do Espírito Santo encontram-se em toda a alma em graça.

A maturidade humana e sobrenatural que devemos alcançar não é coisa de um momento. É tarefa de cada dia, de muitas pequenas vitórias, de uma correspondência à graça nas pequenas coisas e do empenho em praticar repetidamente as virtudes através de atos concretos. Assim forjaremos um verdadeiro caráter, instrumento dócil à ação do Espírito Santo; e alcançaremos uma vontade firmemente centrada nas coisas de Deus e dos outros por Deus.

III. JESUS CRESCIA. E Ele quis que o nosso crescimento sobrenatural se fizesse acompanhar de uma maturidade também humana. As virtudes naturais são o fundamento das sobrenaturais. Não se concebe um bom cristão que não seja ao mesmo tempo um bom pai, um bom cidadão, um bom amigo. Nele, com efeito, a própria vocação humana é de certo modo assumida pela sua vocação sobrenatural. “Quando uma alma se esforça por cultivar as virtudes humanas, o seu coração está já muito perto de Cristo. E o cristão percebe que as virtudes teologais – a fé, a esperança, a caridade –, e todas as outras que a graça de Deus traz consigo, o impelem a nunca descurar essas boas qualidades que compartilha com tantos homens”13.

A graça não atua à margem da natureza, da realidade – física, psicológica e moral – de cada cristão. A vida interior sobrenatural adquire normalmente a sua plenitude enquanto a pessoa se desenvolve humanamente. E, por sua vez, o amor a Deus facilita e fortalece as próprias virtudes naturais.

A maturidade humana “manifesta-se sobretudo numa certa estabilidade de ânimo, na capacidade de tomar decisões ponderadas e no modo reto de julgar os acontecimentos e os homens”14. O homem adulto tem uma idéia cheia de realismo e de objetividade acerca de si próprio, distingue as suas conquistas efetivas daquilo que não passa ainda de um projeto, de um puro desejo ou de um sonho. “Raramente um homem sonhador é um lutador; é mais cômodo e divertido refugiar-se num mundo fabricado sob medida pela imaginação – em que sempre se é protagonista – do que agarrar-se à realidade, compreendê-la e dominá-la ou tirar partido dela. Por isso o sonhador acaba por ser um apático”15, o oposto do que deve ser um discípulo de Jesus.

Tudo isto dá à pessoa amadurecida uma sensação de segurança que lhe permite atuar de modo coerente, responsável e livre. Sabe adaptar-se às circunstâncias sem rigidez e sem fraqueza, concedendo ou exigindo conforme for preciso. Já o imaturo engana-se com freqüência a si próprio nos seus planos e projetos, porque desconhece as suas possibilidades reais; vive inseguro, foge com desculpas à responsabilidade dos seus atos e não aceita facilmente as suas derrotas e erros.

O homem de virtudes amadurecidas é um homem sereno, tal como o foi o Senhor; um homem que não perde a compostura em circunstância alguma, que não se deixa levar pelo arrebatamento ou por reações intempestivas e desproporcionadas perante situações das quais sabe sair com um sorriso ou com um pouco de paciência. Possui uma prudente confiança em si mesmo, mas não uma confiança absoluta, porque sabe muito bem que os seus pés são de barro e que pode falhar e enganar-se. Quando o assunto o requer, sabe pedir o conselho oportuno, para depois decidir por si próprio, assumindo a responsabilidade dos seus atos.

A imaturidade está na base de muitas faltas de energia como, por exemplo, a moleza, a incapacidade de sofrer um contratempo sem buscar o consolo da compreensão alheia, o medo ao esforço, as queixas freqüentes diante das contrariedades e aborrecimentos que se apresentam em qualquer vida humana, o comodismo e o aburguesamento, a falta de intensidade no estudo ou no trabalho. A maturidade, pelo contrário, leva à tenacidade nas obras começadas, sem desistências em face dos obstáculos que, de uma maneira ou de outra, sempre aparecem pelo caminho.

A nossa Mãe Santa Maria, “modelo e escola viva de todas as virtudes”16, incluídas as humanas, ajudar-nos-á a chegar à idade perfeita segundo Cristo17.

(1) Lc 2, 52; (2) cfr. Santos Evangelhos, nota a Lc 2, 52; (3) Mc 5, 9; (4) Mc 9, 20; (5) Mc 6, 38; (6) cfr. Mt 8, 10; (7) São Cirilo de Alexandria, Sermão “Quod unus sit Christus”, PL 75, 1332; (8) Sl 42, 4; (9) 1 Jo 3, 9; (10) Ef 4, 13; (11) Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 13; (12) Ef 3, 16; (13) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, 91; (14) Concílio Vaticano II, Decreto Optatam totius, 11; (15) Francisco Suárez, O sacerdócio e seu ministério, Rialp, Madrid, 1970, pág. 139; (16) Santo Ambrósio, Tratado sobre as virgens, 2; (17) cfr. Ef 4, 13.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.