TEMPO COMUM. DÉCIMA OITAVA SEMANA. TERÇA‑FEIRA

– Fé em Cristo. Com Ele, podemos tudo; sem Ele, somos incapazes de dar sequer um passo.

I. LOGO DEPOIS DO MILAGRE da multiplicação dos pães e dos peixes, o próprio Senhor despediu a multidão e ordenou aos seus discípulos que embarcassem1. Já devia ter caído o sol. Jesus, depois daquele dia de trabalho, de solicitude pelos que o tinham seguido, sentiu uma imensa necessidade de orar. Subiu a um monte vizinho e ali permaneceu sozinho, noite adentro, em diálogo com seu Pai do céu.

Do alto do monte, Jesus vê os Apóstolos já longe da margem, e percebe o momento em que a barca, batida pelas ondas porque o vento lhes era contrário, passou a estar em perigo. Pôde divisar a pobre embarcação no meio do lago, pois era plenilúnio e a Páscoa estava já próxima. Por volta da quarta vigília da noite, cerca de três horas da madrugada, antes de o dia despontar, foi ter com eles caminhando sobre as águas.

Os discípulos, ao verem a figura nebulosa que se aproximava deles pelo mar, tiveram medo: É um fantasma, disseram. E começaram a gritar. Mas Cristo deu‑se a conhecer imediatamente: Tende confiança, sou eu, não temais. É a atitude com que Cristo se apresenta sempre na vida do cristão: dando alento e serenidade.

Pedro ganha confiança e, levado pelo seu amor, que o faz desejar estar quanto antes com o Mestre, faz‑lhe um pedido inesperado: Senhor, se és tu, manda‑me ir até onde estás por sobre as águas. A audácia do amor não tem limites. E a condescendência de Jesus também é inesgotável. E ele disse‑lhe: Vem. Pedro, descendo da barca, começou a andar sobre as águas em direção a Jesus.

Foram momentos impressionantes para todos: Pedro trocou a segurança da barca pela da palavra do Senhor. Não ficou aferrado às tábuas da embarcação, mas dirigiu‑se para onde Jesus estava, a uns poucos metros dos seus discípulos, que contemplam atônitos o Apóstolo por cima das águas embravecidas. Pedro avança sobre as ondas. Sustentam‑no a fé e a confiança no seu Mestre; só isso.

Pouco importam o ambiente, as dificuldades que rodeiam a nossa vida, se sabemos avançar cheios de fé e confiança ao encontro de Jesus que nos espera; pouco importa que as ondas sejam muito altas ou o vento forte; pouco importa que não seja do natural do homem caminhar sobre as águas. Se olhamos para Jesus, tudo nos é possível; e esse olhar para Ele é a virtude da piedade. Se pela oração e pelos sacramentos nos mantemos unidos a Jesus, caminharemos com firmeza. Deixar de olhar para Cristo é naufragar, é incapacitar‑se para dar um passo, mesmo em terra firme.

– Quando a fé se torna pequena, as dificuldades agigantam‑se.

II. A FÉ, INICIALMENTE GRANDE, tornou‑se pequena depois. Pedro tomou consciência das ondas, dos ventos (São João diz que eram fortes), de como era impossível para o homem caminhar sobre as águas; preocupou‑se com as dificuldades e esqueceu‑se da única coisa que o mantinha à superfície: a palavra do Senhor. Perante os obstáculos, de que agora tomava consciência, a sua fé diminuiu; mas o milagre estava ligado a uma plena confiança em Cristo.

Deus pede às vezes “aparentes impossíveis”, que se tornam realidade quando nos conduzimos com fé, de olhos postos no Senhor. Certa vez, o Fundador do Opus Dei, Mons. Josemaría Escrivá, dizia a uma filha sua que partia para outro país onde encontraria as lógicas dificuldades próprias dos começos de um trabalho apostólico: “Quando te peço uma coisa, filha, não me digas que é impossível, porque já o sei. Mas desde que comecei a Obra, o Senhor pediu‑me muitos impossíveis… e foram saindo!”2 E foram saindo!: trabalhos apostólicos em muitos países…, multidões de simples leigos, de todas as condições sociais, que se dispuseram a santificar‑se no seu lugar de trabalho, santificando esse mesmo trabalho e santificando os outros através desse trabalho. Dizia‑lhes Mons. Escrivá de mil formas diferentes: “São precisos homens de fé, e renovar‑se‑ão os prodígios que lemos na Sagrada Escritura…” E esses prodígios realizam‑se todos os dias na terra… Sempre foi assim na história da Igreja.

É Deus quem nos mantém na superfície e nos torna eficazes no meio de “aparentes impossíveis”, de um ambiente que não raras vezes é contrário ao ideal cristão. É Ele quem faz que caminhemos sobre as águas, e a condição é sempre a mesma: olhar para Cristo e não deter‑se excessivamente a considerar os obstáculos.

São João Crisóstomo, ao comentar este episódio do lago, sublinha que Jesus levou Pedro a saber por experiência própria que toda a sua fortaleza procedia dEle, ao passo que de si mesmo só podia esperar fraqueza e miséria3; e acrescenta: “Quando falta a nossa cooperação, cessa também a ajuda de Deus”. No momento em que Pedro começou a temer e a duvidar, começou também a afundar‑se.

Quando a fé se torna pequena, as dificuldades agigantam‑se: “A fé viva depende da capacidade que eu tenha de responder afirmativamente a esse Deus que me chama e quer tratar‑me e ser meu amigo, a grande companhia da minha vida. Portanto, se eu lhe digo “sim, aqui estou” […], se passo a viver ao seu lado, robusteço a minha fé, porque a minha fé alicerça‑se em Deus […]. Pelo contrário, se me distancio de Deus, se o esqueço, se o empurro para a periferia da minha vida, e esta submerge naquilo que é puramente material e humano; se me deixo arrastar pelas evidências imediatas e Deus se desvanece da minha alma, como posso ter uma fé viva? Se não procuro o trato íntimo com Cristo, o que é que resta da minha fé? Por isso, temos de concluir que, em última instância, todos os obstáculos à vida de fé se reduzem na sua gênese a um afastamento de Deus, a um separar‑se de Deus, a um deixar de conviver com Ele num trato face a face”4.

Pedro teria continuado a caminhar firmemente sobre as águas e teria chegado até o Senhor se não tivesse afastado dEle o seu olhar confiante. Todas as tempestades juntas, as de dentro da alma e as do ambiente, nada podem enquanto estivermos bem ancorados na fé e na oração. A nossa fé nunca deve fraquejar, mesmo que as dificuldades sejam enormes e a sua violência pareça esmagar‑nos.

“Que importa que tenhas contra ti o mundo inteiro, com todos os seus poderes? Tu… para a frente!

“– Repete as palavras do salmo: «O Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?… ’Si consistant adversum me castra, non timebit cor meum’ – Ainda que me veja cercado de inimigos, não fraquejará o meu coração»”5.

– Jesus sempre ajuda.

III. E DESCENDO DA BARCA, Pedro caminhava sobre as águas ao encontro de Jesus. Vendo, porém, que o vento era forte, temeu e, começando a afundar‑se, gritou: Senhor, salva‑me! No mesmo instante, Jesus estendeu‑lhe a mão, segurou‑o e disse‑lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste? E, mal subiram à barca, o vento cessou.

Nos perigos, nos tropeços, nas dúvidas, é para Cristo que devemos olhar: Corramos com perseverança para o combate que nos é proposto, pondo os olhos no autor e consumador da fé, Jesus6, podemos ler na Epístola aos Hebreus. Cristo deve ser para nós uma figura clara, nítida e bem conhecida. Já o contemplamos tantas vezes que não podemos confundi‑lo com um fantasma!, como os discípulos no meio da noite. Os seus traços são inconfundíveis, bem como a sua voz e o seu olhar. Olhou para nós tantas vezes! É nEle que começa e culmina a vida cristã. “Se queres salvar‑te – escreve São Tomás de Aquino –, olha para o rosto do teu Cristo”7. O nosso trato habitual com Ele na oração e nos sacramentos é a única garantia de podermos conservar‑nos de pé, como filhos de Deus, no meio de um mar agitado como o que nos envolve.

Mais ainda, junto de Cristo, os conflitos e trabalhos que encontramos quase todos os dias fortalecem‑nos a fé, firmam‑nos a esperança e unem‑nos mais a Ele. Acontece conosco o mesmo que com “as árvores que crescem em lugares sombreados e livres de ventos: enquanto se desenvolvem externamente com um aspecto próspero, tornam‑se fracas e moles, e facilmente são atacadas por qualquer coisa; mas as árvores que vivem nos cumes dos montes mais altos, sacudidas por muitos ventos e constantemente expostas à intempérie e a todas as inclemências, agitadas por fortíssimas tempestades e freqüentemente cobertas por neves, tornam‑se mais robustas que o ferro”8.

Pedro deixou de olhar para Cristo, e afundou‑se. Mas soube recorrer imediatamente Àquele a quem tudo está submetido: Senhor, salva‑me!, gritou com todas as suas forças quando se sentiu perdido. E Jesus, com um carinho infinito, estendeu‑lhe a mão e retirou‑o das águas. Se vemos que submergimos, que as dificuldades ou a tentação são superiores à nossa capacidade de resistência, recorramos a Cristo: Senhor, salva‑me! E Cristo estender‑nos‑á a sua mão poderosa e segura, e passaremos incólumes por todos os perigos e tribulações.

O Senhor tem sempre a sua mão estendida, para que nos agarremos a ela. Nunca permite que nos afundemos, se fazemos o pouco que está ao nosso alcance. Além disso, colocou ao nosso lado um Anjo da Guarda, para que nos proteja de todas as adversidades e seja uma ajuda poderosa no nosso caminho para o Céu. Procuremos a sua amizade, recorramos a ele com freqüência ao longo do dia, peçamos‑lhe ajuda nas coisas grandes e pequenas, e alcançaremos a fortaleza de que necessitamos para vencer.

(1) Cfr. Mt 14, 22‑36; (2) P. Berglar, Opus Dei, Rialp, Madrid, 1987, pág. 270; (3) cfr. São João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, 50; (4) P. Rodríguez, Fe y vida de fe, EUNSA, Pamplona, 1974, pág. 128; (5) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 482; (6) Hebr 12, 1‑2; (7) São Tomás, Comentário à Carta aos Hebreus, 12, 1‑2; (8) São João Crisóstomo, Homilia De gloria in tribulationibus.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.