TEMPO COMUM. DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO. CICLO B

– Jesus sempre se mostra atento às diversas situações humanas e ensina‑nos a santificar as realidades da vida corrente.

I. NUM LUGAR AFASTADO, junto do lago de Genesaré, tinha‑se reunido em torno de Jesus uma multidão proveniente dos povoados vizinhos. E enquanto o Senhor falava, ninguém pensou no cansaço, nem nas horas que tinham passado sem comer, nem na falta de provisões e na impossibilidade de obtê‑las. As palavras de Jesus tinham cativado a todos e ninguém se lembrou da fome nem da hora de regressar. Mas Jesus compreende as nossas necessidades materiais, e por isso compadeceu‑se também dos corpos exaustos daqueles que o tinham seguido. E realiza o esplêndido milagre da multiplicação dos pães e dos peixes1.

E quando todos tinham já matado a fome e estavam entusiasmados pelo milagre que tinham visto com os seus próprios olhos, o Senhor aproveitou a ocasião para dar aos Apóstolos – e a nós – uma lição prática sobre o valor das coisas pequenas, da pobreza cristã, da boa administração dos bens que se possuem. Quando se saciaram, disse aos seus discípulos: Recolhei os pedaços que sobraram, para que não se percam. E eles os recolheram, e encheram doze cestos com os pedaços dos cinco pães de cevada que sobraram aos que tinham comido. Jesus mostra‑nos a sua magnificência, pois todos comeram quanto quiseram, mas também a necessidade de evitar o esbanjamento inútil e irresponsável dos bens; dá‑nos exemplo não só quando se compadece das multidões e realiza grandes prodígios, como também nestes pequenos detalhes.

A grandeza de alma de Cristo manifesta‑se nos grandes prodígios e nas insignificâncias de todos os dias. “Recolher o que sobrou é um modo pedagógico de mostrar‑nos o valor das pequenas coisas feitas com amor de Deus: a ordem nos detalhes materiais, a limpeza, o perfeito acabamento das tarefas diárias”2. Durante trinta anos da sua vida, Jesus ocupou‑se em assuntos aparentemente intranscendentes: serrar troncos para fabricar móveis simples, colar ou pregar bem as peças, fazer que as gavetas abrissem e fechassem sem esforço, e tantas coisas mais do mesmo gênero… E também nesses trabalhos de pouco relevo externo o Filho de Deus estava redimindo a humanidade.

Durante a sua vida pública, o Evangelho mostra‑nos com freqüência que o Senhor fez o mesmo: permanecia constantemente em diálogo com seu Pai celestial, mas estava atento às coisas materiais e humanas, àquilo que se passava ao seu lado: quando devolve a vida à filha de Jairo, ordena que lhe dêem de comer; diante do assombro geral causado pela ressurreição de Lázaro, é Ele quem diz: Desatai‑o e deixai‑o ir3; sabe perceber o momento em que os seus discípulos precisam de uma pausa para descansar4… Vemo‑lo seguir com os cinco sentidos as situações humanas, interessar‑se vivamente por resolvê‑las, ter sempre presente o lado humano daqueles a quem anunciava os mistérios do Reino de Deus. Não é isso o que nos pede também a nós? Que estejamos verdadeiramente preocupados com as coisas dos outros, que estejamos atentos às coisas da casa, que não vivamos nas nuvens?

– Encontramos no cumprimento do dever o lugar, a matéria e o modo de sermos fiéis ao Senhor. O valor das coisas pequenas.

II. RECOLHEI OS PEDAÇOS que sobraram… Parece um detalhe de pouca monta em comparação com o milagre que o Senhor acaba de realizar, mas Ele não prescinde desse detalhe. Toda a nossa vida está composta praticamente de muitos nadas. E, no entanto, é através desses nadas que se tece uma tupida rede de atos que formam as virtudes humanas e cristãs e que forjam heroicamente a santidade no dia a dia. Toda a nossa jornada está cheia de ocasiões de sermos fiéis, de dizermos ao Senhor que o amamos. Que fazemos com elas? “«Obras é que são amores, não as boas razões». Obras, obras! – Propósito: continuarei a dizer‑Te muitas vezes que Te amo – quantas não Te terei repetido hoje! –; mas, com a tua graça, será sobretudo a minha conduta, serão as bagatelas de cada dia que – com eloqüência muda – hão de clamar diante de Ti, mostrando‑Te o meu amor”5.

A ordem, tanto mental como na execução, tem grande transcendência diante do Senhor, como também a pontualidade, o cuidado na conservação da roupa, dos livros que utilizamos ou dos instrumentos de trabalho, a fuga da rotina que mata o amor à profissão e sobretudo o amor humano; em suma, o querer dar sentido a todos os dias, a todas as horas, quer no trabalho pessoal, quer na convivência humana. Quando permitimos que a rotina e a apatia tomem conta de nós, quando não damos importância àquilo que fazemos porque nos parece que dá na mesma fazer as coisas de um modo ou de outro, a vida torna‑se medíocre e desamorada.

O campo das relações humanas é sem dúvida aquele em que também mais nos devemos esmerar no sentido do detalhe. É possível que se apresentem poucas ocasiões, ou talvez nenhuma, de salvarmos os outros com atos heróicos, expondo a vida. No entanto, todos os dias temos oportunidade de dizer uma palavra amável a esse amigo, a esse irmão que notamos estar mais cansado ou preocupado, de pedir as coisas com amabilidade, de ser agradecidos, de evitar conversas ou comentários que semeiem inquietação, de ceder nas nossas opiniões, de evitar a todo o custo o mau‑humor, que causa tantos estragos. Podemos esforçar‑nos por lançar um tema de conversa quando o silêncio se torna pesado, ou por escutar com interesse a pessoa que nos fala. Às vezes, um pormenor que parece trivial (uma saudação mais efusiva, os cumprimentos que fazemos chegar a um terceiro, uma palavra de incentivo, um favor que não é quase nada) produz nos outros um bem sem proporção com o pouco que nos custou: fá‑los sentir‑se seguros, considerados, apreciados, estimulados a praticar o bem. Notamos então como que um reflexo de Deus na convivência, na vida familiar, tão diferente dessas situações em que se desencadeiam as invejas, brotam atitudes tensas ou frias, ou se dizem palavras que nunca se deveriam ter dito…

O mesmo acontece com todas as virtudes: a fé pode expressar‑se num ato de amor quando passamos perto de um Sacrário no meio do tráfego da cidade (“Jesus, aqui vou eu, amo‑te, abençoa‑me”); a piedade, num olhar a uma imagem da Virgem (quanto se pode dizer num só olhar!); a fortaleza, em cortar uma conversa impura, em dar a cara por Jesus Cristo, pela Igreja…, em procurar render nessa última hora de trabalho de um dia que nos pareceu mais longo por terem surgido mais problemas ou por termos estado com uma terrível dor de cabeça…

Cristo espera‑nos todos os dias com os braços abertos. Neles podemos deixar esforços, sorrisos, constância no trabalho…, muitas coisas pequenas, que Ele sabe apreciar, como certamente apreciou que se tivessem recolhido os doze cestos depois da multiplicação dos pães. São tesouros que o Senhor guarda para a eternidade e que o levarão a dizer‑nos quando chegarmos à sua presença: Vem, servo bom e fiel, porque foste fiel no pouco, eu te darei o muito6.

– Deus pede todos os dias a cada um o que está ao alcance das suas forças. Correspondência naquilo que parece de pouca importância.

III. DEUS PEDE‑NOS em cada momento alguma coisa muito concreta, mas sempre ao alcance das nossas forças. Depois da primeira correspondência, chegam mais graças para uma segunda, precisamente por termos correspondido à primeira. E assim uma graça maior sucede a outra, e vamo‑nos tornando aptos para corresponder a Deus em coisas cada vez mais difíceis.

Pelo contrário, se descumprimos o querer de Deus em coisas que nos parecem sem importância, vamos resvalando por uma pendente que não demorará a precipitar‑nos no pecado e na infelicidade: Quem despreza as pequenas coisas, pouco a pouco cairá nas grandes7. “Foi dura a experiência; não esqueças a lição. – As tuas grandes covardias de agora são – é evidente – paralelas às tuas pequenas covardias diárias. – «Não pudeste» vencer nas coisas grandes, porque «não quiseste» vencer nas coisas pequenas”8.

Por outro lado, as coisas pequenas não costumam levar à vaidade, que esvazia tantas obras. Quem pensará em aplaudir aquele que cedeu o seu lugar no ônibus, ou que deixou ordenados os seus papéis e livros ao terminar o estudo? Quem louvará uma mãe por sorrir, se é o que todos esperam dela, ou o professor que preparou bem a sua aula, ou o aluno que estudou a matéria da prova, ou o médico que tratou o doente com delicadeza?

E essas coisas pequenas, muitas das quais são meramente humanas, tornam‑se divinas pelo oferecimento de obras que fazemos todas as manhãs e que depois procuramos renovar durante o dia. O humano e o divino fundem‑se então numa íntima e forte unidade de vida, que nos permite ganhar pouco a pouco o Céu, ao preço das coisas humanas de cada dia.

Para alcançarmos essa unidade de vida mediante a fidelidade às pequenas coisas, necessitamos de um grande amor ao Senhor, de um desejo profundo de ser inteiramente dEle, de querer procurar o seu rosto em todas as ocasiões da vida normal. Por sua vez, o cuidado das pequenas coisas alimenta continuamente o nosso amor a Deus.

Nossa Senhora ensinar‑nos‑á a dar valor ao que parece carecer de importância, a esmerar‑nos nos detalhes que podem passar despercebidos aos outros, como passou ao mestre‑sala das bodas de Caná que ia faltar vinho: mas não à Virgem nossa Mãe.

(1) Jo 6, 1‑15; (2) Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, EUNSA, Pamplona, 1983, nota a Mc 6, 42; (3) Jo 11, 44; (4) Mc 6, 31; (5) Josemaría Escrivá, Forja, n. 498; (6) Mt 25, 21; (7) Eclo 19, 1; (8) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 828.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.