TEMPO COMUM. QUINTA SEMANA. SEXTA-FEIRA
— Jesus, nosso Modelo, realizou o seu trabalho em Nazaré com perfeição humana.
— Laboriosidade, competência profissional.
— Terminar o trabalho com perfeição. As coisas pequenas na tarefa profissional.
I. OS EVANGELHOS RECOLHEM freqüentemente os sentimentos e as palavras de admiração que o Senhor provocou nos seus anos aqui na terra: A multidão estava maravilhada, todos estavam admirados com os prodígios que fazia… E “entre as muitas palavras de louvor que disseram de Jesus os que contemplaram a sua vida, há uma que de certo modo compreende todas as outras. Refiro-me à exclamação, prenhe de acentos de assombro e de entusiasmo, que a multidão repetia espontaneamente ao presenciar atônita os seus milagres: Bene omnia fecit (Mc 7, 37), fez tudo admiravelmente bem: os grandes prodígios e as coisas triviais, cotidianas, que a ninguém deslumbraram, mas que Cristo realizou com a plenitude de quem é perfectus Deus, perfectus homo (Símbolo Quicumque), perfeito Deus e homem perfeito”1.
O Evangelho da Missa 2 convida-nos a considerar essa passagem em que aqueles que seguiam o Senhor não puderam deixar de exclamar: Fez tudo bem. Cristo apresenta-se assim como Modelo para a nossa vida de todos os dias, modelo divino que há de incitar-nos a ver se se pode dizer de nós que cuidamos de fazer bem todas as coisas, tanto as grandes como as pequenas, essas que parecem sem importância, porque queremos imitar o Senhor.
A maior parte da vida humana de Jesus foi uma vida corrente de trabalho num povoado desconhecido até então. E nesse povoado, em Nazaré, também fez tudo bem, isto é, acabadamente, com perfeição humana. Ora, uma boa parte da vida de cada homem e de cada mulher se apresenta configurada pela realidade do trabalho, e dificilmente encontraremos uma pessoa responsável que, por vontade própria, esteja sem ocupação ou emprego. Por que trabalhamos? Como é que trabalhamos?
Muitas pessoas sentem-se movidas a trabalhar por fins humanos nobres: manter a família, conseguir um futuro melhor… Há também os que se dedicam a uma tarefa pelo desejo de praticarem e desenvolverem uma habilidade particular ou uma inclinação pessoal, ou de contribuírem para o bem da sociedade, porque sentem a responsabilidade de fazer alguma coisa pelos outros. Muitos outros trabalham por fins menos nobres: riqueza, satisfação das paixões, poder, auto-afirmação; são pessoas competentes que trabalham muitas horas e bem, por fins exclusivamente humanos.
O Senhor quer que os que se propõem segui-lo no meio do mundo sejam pessoas que trabalhem bem, competentes na sua profissão ou ofício, com prestígio; mas pessoas que ao mesmo tempo se distingam pelos fins humanos nobres que os movem e porque compreendem que o trabalho – seja qual for – é o meio por excelência em que devem cultivar as virtudes do caráter e as virtudes sobrenaturais…, pois “sabemos que, com o oferecimento do seu trabalho a Deus, os homens se associam à própria obra redentora de Jesus Cristo, que deu ao trabalho uma dignidade eminente ao trabalhar com as suas próprias mãos em Nazaré” 3.
Dizemos hoje ao Senhor que queremos realizar as nossas obrigações de forma exemplar porque desejamos vivamente que sejam uma oferenda diária que chegue até Ele, e porque estamos decididos a imitá-lo naqueles anos de vida oculta em Nazaré.
II. QUANDO JESUS PROCUROU aqueles que o haviam de seguir, fê-lo entre homens acostumados ao trabalho. Mestre, estivemos trabalhando toda a noite…4, dizem-lhe aqueles que haveriam de ser os seus primeiros discípulos. Toda a noite, num trabalho duro, porque lhes era necessário para viver, porque eram pescadores.
São Paulo deixou-nos o seu próprio exemplo e o daqueles que o acompanhavam: Afadigamo-nos trabalhando com as nossas próprias mãos 5. E aos primeiros cristãos de Tessalônica escreve: Não comemos de graça o pão de ninguém, mas sim com esforço e fadiga, trabalhando dia e noite para não vos sermos pesados a nenhum de vós 6. São Paulo não se dedicava ao trabalho por divertimento e distração – comenta São João Crisóstomo –, mas para prover às suas necessidades e às dos demais. Um homem que imperava aos demônios, que era mestre de todo o universo, a quem foram confiados os habitantes de povos, nações e cidades, e que cuidava deles com toda a solicitude – esse homem trabalhava dia e noite. Nós – continua o Santo –, que não trazemos sobre as nossas costas nem uma sombra das suas preocupações, que desculpa teremos? 7 Não temos desculpas para não trabalhar intensamente.
É necessário trabalhar com laboriosidade, aproveitando bem as horas, pois é difícil, para não dizer impossível, que quem não aproveita bem o tempo possa manter o seu espírito desperto e viver as virtudes humanas mais elementares.
Uma vida sem trabalho – ou preenchida com um trabalho indolente – corrompe-se e com freqüência corrompe o que tem à sua volta. “O ferro que fica encostado a um canto, consumido pela ferrugem, torna-se fraco e inútil; mas se é utilizado no trabalho, torna-se muito mais útil e bonito, e pouco lhe falta para ser comparado à prata. Um terreno baldio não produz nada de útil, mas apenas mato, cardos, espinhos e plantas infrutuosas; mas se for cultivado, enche-se de frutos suaves. Para dizê-lo numa palavra, todos os seres se corrompem pela ociosidade e melhoram pela atividade que lhes é própria” 8.
O Senhor pede-nos um trabalho sério, que não apenas pareça bom, mas que o seja de fato. Não importa que seja manual ou intelectual, de execução ou de organização, que seja presenciado por outras pessoas de mais responsabilidade ou por ninguém. O cristão acrescenta-lhe, sem dúvida, algo novo: fá-lo por Deus, a quem o apresenta cada dia como uma oferenda que permanecerá para toda a eternidade; mas o modo de exercê-lo – responsável, competente, intenso… – deve ser o de todo o trabalho honrado. Mais ainda: deve ter uma perfeição maior, pois Cristofez tudo bem. E uma tarefa realizada dessa forma dignifica quem a realiza e dá glória ao seu Criador; faz com que os dons naturais rendam e converte-se num louvor contínuo a Deus.
III. O CRISTÃO DESCOBRE no trabalho novas riquezas, “pois todos os caminhos da terra podem ser ocasião de um encontro com Cristo” 9, como dizia de muitos modos diferentes Mons. Escrivá, ao pregar em toda a sua vida que “a santidade não é coisa para privilegiados”10. Recordava ele um fato da sua experiência que lhe havia servido para ensinar de modo prático, aos que se aproximavam do seu apostolado, como deve ser o trabalho feito na presença de Deus:
“Lembro-me também da temporada da minha permanência em Burgos […]. Às vezes, as nossas caminhadas chegavam ao mosteiro de Las Huelgas e, em outras ocasiões, dávamos uma escapada até à Catedral.
“Gostava de subir a uma torre, para que (os que o acompanhavam) contemplassem de perto os lavores cimeiros, um autêntico rendilhado de pedra, fruto de um trabalho paciente, custoso. Nessas conversas, fazia-os notar que aquela maravilha não se via lá de baixo. E, para materializar o que com repetida freqüência lhes havia explicado, comentava-lhes: assim é o trabalho de Deus, a obra de Deus!: acabar as tarefas pessoais com perfeição, com beleza, com o primor destas delicadas rendas de pedra. Diante dessa realidade que entrava pelos olhos dentro, compreendiam que tudo isso era oração, um diálogo belíssimo com o Senhor. Os que haviam consumido as suas energias nessa tarefa sabiam perfeitamente que, das ruas da cidade, ninguém apreciaria o seu esforço: era só para Deus. Entendes agora como é que a vocação profissional pode aproximar de Deus? Faze tu o mesmo que aqueles canteiros, e o teu trabalho será também operatio Dei, um trabalho humano com raízes e perfis divinos” 11, ainda que ninguém o veja, ainda que ninguém o valorize. Deus o vê e o aprecia; e isso é suficiente para pormos empenho em acabar as tarefas com perfeição, com amor.
Acabar bem o que realizamos significa em muitos casos estarmos atentos ao que é pequeno. É coisa que exige esforço e sacrifício, e que, ao oferecê-lo, se converte em algo grato a Deus.
Estar atento aos detalhes por amor a Deus não torna a alma pequena, antes a engrandece e dilata porque desse modo se aperfeiçoa a obra que realizamos e, oferecendo-a por intenções determinadas, nos abrimos às necessidades de toda a Igreja; a nossa tarefa adquire então uma dimensão sobrenatural que antes não tinha. Na tarefa profissional – assim como em outros aspectos da vida corrente: na vida familiar, social, no descanso… – temos sempre diante de nós uma disjuntiva: ou o descuido e o mau acabamento, que empobrecem a alma, ou a pequena obra de arte oferecida a Deus, expressão de uma alma com vida interior.
Talvez Deus nos queira fazer ver, neste tempo de oração, detalhes que pedem uma mudança de orientação ou de ritmo no nosso modo de trabalhar. Com a ajuda da Virgem Maria, façamos agora um propósito concreto que nos leve a realizar a nossa tarefa com mais perfeição e a lembrar-nos com mais freqüência de Deus: “Aí, nesse lugar de trabalho, deves conseguir que o teu coração escape para o Senhor, junto ao Sacrário, para lhe dizer, sem fazer coisas estranhas: – Meu Jesus, eu te amo”12.
(1) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 56; (2) Mc 7, 31-37; (3) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 67; (4) Lc 5, 5; (5) 1 Cor 4, 12; (6) 2 Tess 3, 8; (7) cfr. São João Crisóstomo, Homilia sobre Priscila e Áquila; (8) ib.; (9) Josemaría Escrivá, Carta, 24-III-1930; (10) Josemaría Escrivá, Carta, 19-III-1954; (11) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 65; (12) cfr. Josemaría Escrivá, Forja, n. 746.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal