TEMPO COMUM. DÉCIMA SEXTA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA

– Necessidade de boas disposições para receber a mensagem de Jesus.

I. LEMOS NO EVANGELHO da Missa1 que se aproximaram de Jesus alguns escribas e fariseus para pedir‑lhe um novo milagre que lhes mostrasse definitivamente que Ele era o Messias esperado; queriam que Jesus confirmasse com espetáculo aquilo que pregava com simplicidade. Mas o Senhor responde‑lhes anunciando o mistério da sua morte e da sua Ressurreição, e servindo‑se para isso da figura de Jonas: Não se dará a esta geração outro prodígio senão o do profeta Jonas.

Com essas palavras, Jesus mostra que a sua Ressurreição gloriosa ao terceiro dia (tantos quantos o Profeta esteve no ventre do “grande peixe”) é a prova decisiva do caráter divino da sua Pessoa, da sua missão e da sua doutrina2. Jonas fora enviado à cidade de Nínive, e, pela pregação do Profeta, os seus habitantes tinham feito penitência3. Jerusalém, no entanto, não quer reconhecer Jesus, de quem Jonas era somente figura e imagem.

O Senhor recorda também que a rainha do Meio Dia, a rainha de Sabá, visitara Salomão4 e ficara maravilhada com a sabedoria que Deus havia conferido ao rei de Israel. Jesus também está prefigurado em Salomão, em quem a tradição via o homem sábio por excelência. A censura divina ganha mais força com o exemplo desses pagãos convertidos.

O Senhor conclui dizendo: Aqui está alguém que é mais do que Jonas…, aqui está alguém que é mais do que Salomão. Esse alguém que é mais é na realidade infinitamente mais, mas Jesus, talvez com uma carinhosa ironia, prefere suavizar essa incomensurável diferença entre Ele e os que o tinham prefigurado, que não passavam de sombra e sinal dAquele que havia de vir5.

Jesus não fará nesta ocasião mais milagres nem dará outros sinais. Os seus interlocutores não estão dispostos a acreditar, e não o farão por muito que lhes fale e por mais sinais que lhes mostre. Apesar do valor apologético que têm os milagres, se não há boas disposições, até os maiores prodígios podem ser mal interpretados. O que se recebe, ad modum recipientis recipitur: as coisas que se recebem tomam a forma do recipiente que as contém, diz o velho adágio. São João diz‑nos no seu Evangelho que alguns, ainda que tivessem visto muitos milagres, não criam nele6. O milagre é apenas um auxílio à razão para que possa crer, mas, se faltam as boas disposições, se a mente se enche de preconceitos, só verá escuridão, mesmo que tenha diante de si a mais clara das luzes.

Nós pedimos a Jesus nestes minutos de oração que nos dê um coração bom para podermos vê‑lo no meio dos nossos dias e dos nossos afazeres, e uma mente sem preconceitos para podermos compreender e nunca julgar os nossos irmãos, os homens.

– Querer conhecer a verdade.

II. PARA OUVIR A VERDADE de Cristo, é necessário escutá‑lo, aproximar‑se dEle com uma disposição interna límpida, estar aberto com sinceridade de coração à palavra divina.

Não era essa a atitude daqueles fariseus que pediram ao cego de nascença, curado por Jesus, uma nova explicação do milagre: Que é que te fez ele? Como te abriu os olhos? E a resposta do cego deixa a descoberto que o preconceito daqueles homens os impedia de entender a verdade; talvez ouvissem, mas não escutavam. Ele replicou: Eu já vo‑lo disse, e vós já o ouvistes; por que quereis ouvi‑lo novamente?7

A mesma coisa acontece com Pilatos. Ouve Jesus dizer‑lhe: Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade; todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Então o procurador romano perguntou‑lhe: O que é a verdade? E como não estava disposto a escutar, dito isto, tornou a sair para ir ter com os judeus8. Volta as costas ao Senhor, sem lhe dar tempo para uma resposta que no fundo não lhe interessava.

Se tivermos boas disposições, o Senhor, por caminhos muitos diferentes, dar‑nos‑á abundância e sobreabundância de sinais para continuarmos a ser fiéis ao caminho que empreendemos. Teremos a alegria de poder contemplá‑lo em tudo o que nos rodeia: na própria natureza, onde deixou tantos sinais para que o vejamos como Criador; no meio do trabalho; na alegria; na doença…; e, tantas vezes, na intimidade da oração. A história de cada homem está cheia de sinais.

Muitos fariseus não se converteram ao Messias, apesar de o terem tão perto e de serem espectadores de muitos dos seus milagres, porque lhes faltavam boas disposições: o orgulho deixara‑os cegos para o essencial. Um dia chegaram a dizer: Ele expulsa os demônios por meio do príncipe dos demônios9. Muitos homens encontram‑se hoje também como que cegos para o sobrenatural por causa da sua soberba, do seu empenho em não retificar juízos carregados de desconfiança, por causa do seu apego às coisas deste mundo e da sua sensualidade.

“Ouvi falar a uns conhecidos sobre os seus aparelhos de rádio. Quase sem perceber, levei o assunto ao terreno espiritual: temos muita tomada de terra, demasiada, e esquecemos a antena da vida interior…

“– Esta é a causa de que sejam tão poucas as almas que mantêm um trato íntimo com Deus: oxalá nunca nos falte a antena do sobrenatural”10.

– Limpar o coração para poder ver. Deixar‑se ajudar nos momentos de escuridão.

III. AQUI ESTÁ ALGUÉM que é mais do que Jonas, aqui está alguém que é mais do que Salomão. O próprio Cristo está ao nosso lado! Bate à porta do homem – da sua inteligência e do seu coração – não como um estranho, mas como alguém que nos ama, que deseja comunicar‑nos os seus sentimentos e até a sua própria vida, que quer dar solução divina àquilo que nos preocupa ou até nos oprime.

Mas, assim como as ondas de rádio sofrem interferências que impedem uma boa sintonia, também podem apresentar‑se obstáculos no campo da fé. Por vezes, as trevas podem afetar pessoas que vêm seguindo o Senhor há muitos anos e que ficam, por culpa própria ou não, desconcertadas ou como que perdidas, deixando de ver a alegria e a beleza da entrega.

Nesses casos, tornam‑se necessárias umas perguntas feitas com sinceridade na intimidade da alma: Desejo realmente voltar a ver? Estou disposto a concordar ao menos em que existem razões e acontecimentos que revelam a presença de Deus na minha vida? Deixo‑me ajudar? E para isso exponho a minha situação com clareza, sem esconder‑me por trás de teorias, sem maquiagens, sem paliativos?

Juntamente com a soberba, que é o principal obstáculo, podem apresentar‑se outras dificuldades: o ambiente ávido de comodismo, que tende a rejeitar por princípio tudo o que implica sacrifício e cruz, e que pode armar laços sutis, cheios de razões humanas contrárias ao que Deus pede em determinado momento: um caminho cheio de alegria, mas mais árduo e íngreme que o de um ambiente carregado de hedonismo. Será necessário então um esforço suplementar e mesmo heróico por desprender‑se de todo o lastro das paixões, que arrastam para o pó da terra; será necessário purificar o coração dos amores desordenados para cumulá‑lo do amor verdadeiro que Cristo oferece, pois dificilmente poderá apreciar a luz quem tem o olhar turvo.

A preguiça é outro obstáculo que pode interpor‑se no caminho para Deus. Como todo o amor autêntico, a fé e a vocação implicam uma entrega da pessoa, que o amor nunca considera suficiente. A preguiça costuma traçar uns limites e defender uns direitos mesquinhos que entravam e atrasam a resposta definitiva a essa fé amorosa.

O Senhor pode também ocultar‑se à nossa vista para que o procuremos com mais amor, para que cresçamos em humildade e nos deixemos orientar e guiar por quem Ele colocou ao nosso lado para levar a cabo essa missão. Se compreendemos nesses casos que é essa a vontade divina, sempre acabamos, sem exceção alguma, por descobrir o rosto amável de Cristo, mais claramente do que antes, com mais amor.

A palavra “fé” tem na sua raiz um matiz que vem a significar deixar‑se conduzir por outra pessoa mais forte do que nós, confiar em que outro nos preste a sua ajuda11. Confiamos fundamentalmente em Deus, mas Ele também quer que nos apoiemos nessas pessoas que colocou ao nosso lado para que nos ajudem a ver. Deus dá‑nos freqüentemente a luz através de outros.

O Senhor passa ao nosso lado com os suficientes pontos de referência para podermos vê‑lo e segui‑lo. Peçamos à Virgem que nos ajude a purificar o olhar e o coração para que saibamos interpretar corretamente os acontecimentos de cada dia, descobrindo neles a presença de Deus.

Creio, Senhor, mas ajuda‑me a crer com mais firmeza; espero, mas faz que espere com mais confiança; amo‑te, mas que eu te ame com mais ardor12.

(1) Mt 12, 38‑42; (2) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos; (3) Jon 3, 6‑9; (4) 1 Rs 10, 1‑10; (5) cfr. Sagrada Bíblia, ib.; (6) Jo 12, 37; (7) Jo 9, 26‑27; (8) Jo 18, 38; (9) Mt 9, 34; (10) Josemaría Escrivá, Forja, n. 510; (11) cfr. J. Dheilly, Diccionario bíblico, Herder, Barcelona, 1970, voz Fe, pág. 445 e segs.; (12) Missal Romano, Ação de graças para depois da Missa, oração do Papa Clemente XI.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.