TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEGUNDA SEMANA. SÁBADO
– O sábado, um dia dedicado à Virgem. Honrá-la e meditar nas suas virtudes.
– A obediência da fé.
– A vida de fé de Santa Maria.
I. HOJE, SÁBADO, é um dia apropriado para que meditemos na vida de fé de Santa Maria e lhe peçamos ajuda para crescer mais e mais nesta virtude teologal. Desde os primeiros séculos, os cristãos reservaram este dia da semana para honrar de modo muito especial a Virgem. Alguns teólogos, antigos e recentes, enumeram diversas razões de conveniência que aconselham a fazê‑lo. Entre outras, a de que o sábado foi para Deus o dia de descanso, e a Virgem foi Aquela em quem – como escreve São Pedro Damião – “pelo mistério da Encarnação, Deus descansou como num leito sacratíssimo” 1. O sábado é também preparação para o domingo, símbolo e sinal da festa do Céu, e a Santíssima Virgem é a preparação e o caminho para Cristo, porta da felicidade eterna 2. São Tomás sublinha que dedicamos o sábado à nossa Mãe porque “conservou nesse dia a fé no mistério de Cristo enquanto Ele estava morto” 3. Por último, podemos apontar um argumento de amor: nós, cristãos, precisamos de um dia especial para honrar Santa Maria.
Desde há muito tempo, em igrejas, capelas, ermidas e oratórios, reza‑se ou canta‑se a Salve Rainha ou outras preces marianas na tarde do sábado. E muitos cristãos procuram esmerar‑se nesse dia em honrar a Rainha do Céu: escolhem uma jaculatória para repeti‑la muitas vezes durante o dia, visitam uma pessoa que esteja doente, sozinha ou necessitada, oferecem uma mortificação que assinala particularmente esse dia mariano, vão rezar nalguma ermida ou igreja dedicada à Virgem, põem mais atenção nas orações que lhe dirigem: o terço, o Angelus ou Regina Coeli, a Salve Rainha…
Existem muitas devoções marianas, e o cristão não tem obrigação de vivê‑las todas, mas “não possui a plenitude da fé cristã quem não vive algumas delas, quem não manifesta de algum modo o seu amor por Maria.
“Os que consideram ultrapassadas as devoções à Santíssima Virgem dão sinais de terem perdido o profundo sentido cristão que elas encerram, e de terem esquecido a fonte de que nascem: a fé na vontade salvífica de Deus Pai; o amor a Deus Filho, que se fez realmente homem e nasceu de uma mulher; a confiança em Deus Espírito Santo, que nos santifica com a sua graça” 4.
“Se procuras Maria, encontrarás «necessariamente» Jesus, e aprenderás – sempre com maior profundidade – o que há no Coração de Deus” 5. Consideremos hoje como vivemos o sábado, e se temos nesse dia da semana detalhes específicos de carinho para com a Virgem.
II. PROCUREMOS NOSSA SENHORA no dia de hoje meditando na sua grande fé, maior do que a de qualquer outra criatura.
Mesmo antes de o Anjo lhe ter anunciado que fora escolhida para Mãe de Deus, Ela meditava a Sagrada Escritura e aprofundava no seu conhecimento como antes dEla jamais o fizera qualquer outra inteligência humana. O seu entendimento, que nunca se viu afetado pelos danos causados pelo pecado, e além disso foi iluminado pela fé e pelos dons do Espírito Santo, devia meditar com profundidade as profecias relativas ao Messias. Por essa luz divina e pelo seu amor sem limites a Deus e aos homens, suspirava e clamava pela vinda do Salvador com maior veemência que os Patriarcas e todos os justos que a tinham precedido. E o Senhor deleitava‑se nessa oração cheia de fé e esperança. A Virgem Maria, com essa oração, dava mais glória a Deus que o universo inteiro com o resto das suas criaturas.
Quando chegou a plenitude dos tempos, sob o olhar amoroso da Santíssima Trindade e ante a expectativa dos coros celestiais, a Virgem recebeu a embaixada do Anjo: Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres 6. São Lucas narra que a Virgem se perturbou ao escutar a mensagem do Anjo, e discorria pensativa que saudação seria aquela 7. Na sua alma não há resistência, não há oposição, tudo está aberto à ação direta de Deus. Não há nela limitação alguma ao querer divino. Deus tinha preparado o seu coração cumulando‑a de graça, e a sua livre cooperação com esses dons converteram‑na em boa terra para receber a semente divina. Prestou imediatamente o seu pleno consentimento, abandonada no Senhor: Fiat mihi secundum verbum tuum, faça‑se em mim segundo a tua palavra.
“Na Anunciação, com efeito, Maria entregou‑se a Deus completamente, manifestando «a obediência da fé» Àquele que lhe falava através do seu mensageiro, prestando‑lhe o «obséquio pleno da inteligência e da vontade» (Const. Dei Verbum). Ela respondeu, pois, com todo o seu «eu» humano e feminino. Nessa resposta de fé estavam contidas uma cooperação perfeita com a «prévia e concomitante graça divina» e uma disponibilidade perfeita à ação do Espírito Santo, o qual «aperfeiçoa constantemente a fé mediante os seus dons» (ib.)” 8. A Anunciação é o momento em que a fé de Maria atinge o seu ponto culminante: realiza‑se então o que Ela tinha meditado tantas vezes na intimidade do seu coração; “mas é também o ponto de partida de todo o seu «itinerário para Deus», de toda a sua caminhada de fé” 9. Esta é a primeira conseqüência da fé de Santa Maria na sua vida: uma plena obediência aos planos de Deus, que Ela capta com especial profundidade.
Olhando para a nossa Mãe do Céu, podemos ver se a nossa fé também nos leva a realizar a vontade de Deus sem lhe pôr limites; se sabemos querer o que Ele quer, quando quer e do modo que quer. À luz da sua figura amabilíssima, podemos examinar também como aceitamos as contrariedades normais de cada dia, como amamos a doença, a dor, o fracasso, tudo aquilo que contraria os nossos planos ou modos de agir… Pensemos se tanto as coisas boas da nossa vida como as realidades penosas ou difíceis de enfrentar nos santificam, ou se, pelo contrário, nos afastam do Senhor.
III. A VIDA DE NOSSA SENHORA não foi fácil. Não lhe foram poupadas as provas e dificuldades, mas a sua fé saiu vitoriosa e fortalecida desses percalços, convertendo‑se em modelo para todos nós. “Como Mãe, ensina; e, também como Mãe, as suas lições não são ruidosas. É preciso ter na alma uma base de finura, um toque de delicadeza, para compreender o que Ela nos manifesta – mais do que com promessas – com obras.
“Mestra de fé. Bem‑aventurada tu, que creste (Lc 1, 45); assim a saúda Isabel, sua prima, quando Nossa Senhora sobe à montanha para visitá‑la. Tinha sido maravilhoso aquele ato de fé de Santa Maria: Eis a escrava do Senhor, faça‑se em mim segundo a tua palavra (Lc I, 38). No Nascimento do seu Filho, contempla as grandezas de Deus na terra: há um coro de anjos, e tanto os pastores como os poderosos da terra vêm adorar o Menino. Mas depois a Sagrada Família tem que fugir para o Egito, para escapar das tentativas criminosas de Herodes. E a seguir, o silêncio: trinta longos anos de vida simples, comum, como a de um lar qualquer de uma pequena aldeia da Galiléia” 10.
Nos anos de Nazaré, a fé da Virgem brilha em silêncio. O Filho que Deus lhe deu é um menino que cresce e se desenvolve como os outros seres humanos, que aprende a falar, a caminhar e a trabalhar como os outros. Mas a Virgem Maria sabe que aquele menino é o Filho de Deus, o Messias esperado há séculos. Quando o contempla inerme nos seus braços, sabe que Ele é o Onipotente. As suas relações com Ele estão repletas de amor, porque é o seu filho, e de respeito, porque é o seu Deus. Quando lhe ouve as primeiras palavras entrecortadas, olha‑o como à Sabedoria infinita; quando o vê entretido nos seus jogos de criança, ou fatigado – depois de um dia de trabalho ao lado de São José, quando já é um adolescente –, reconhece nEle o Criador do céu e da terra.
A fé da Virgem atualizava‑se ao ritmo dos acontecimentos dos dias normais, inflamava‑se no trato íntimo com Jesus, e foi crescendo de dia para dia mediante essa oração contínua que era a sua relação permanente com o seu Filho. Encarando com sentido sobrenatural os pequenos e grandes incidentes da sua vida, santificou “as coisas mais pequenas, aquelas que muitos consideram erroneamente como intranscendentes e sem valor: o trabalho de cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e visitas por motivos de parentesco ou de amizade” 11.
A fé de Santa Maria revelou‑se em plenitude iuxta crucem Iesu, junto da Cruz de Jesus. Sem palavras, com a sua presença no Calvário por desígnio divino 12, manifestou que toda a sua vida foi uma obediência à fé. Contemplando‑a ao pé do Filho agonizante, compreende‑se que “acreditar quer dizer «abandonar‑se» à própria verdade da palavra do Deus vivo, sabendo e reconhecendo humildemente «até que ponto são insondáveis os seus desígnios e imperscrutáveis os seus caminhos (Rom 11, 33). Maria, que pela eterna vontade do Altíssimo veio a encontrar‑se, por assim dizer, no próprio centro daqueles «caminhos imperscrutáveis» e daqueles «desígnios insondáveis» de Deus, conforma‑se com eles na penumbra da fé, aceitando plenamente e com o coração aberto tudo o que é disposição divina” 13.
“Falta‑nos fé. No dia em que vivermos esta virtude – confiando em Deus e na sua Mãe –, seremos valentes e leais. Deus, que é o Deus de sempre, fará milagres por nossas mãos.
“– Dá‑me, ó Jesus, essa fé, que de verdade desejo! Minha Mãe e Senhora minha, Maria Santíssima, faz que eu creia!” 14, que saiba encarar e dirigir todos os acontecimentos da minha vida com uma fé serena e inamovível.
(1) São Pedro Damião, Opúsculo 33. De bono sufragiorum, PL 145, 566; (2) cfr. G. Roschini, La Madre de Dios, Madrid, 1958, vol. II, pág. 596; (3) São Tomás, Sobre os mandamentos, em Escritos de Catequese; (4) São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, n. 142; (5) São Josemaria Escrivá, Forja, n. 661; (6) Lc 1, 28; (7) Lc 1, 29; (8) João Paulo II, Ene. Redemptoris Mater, 25-111-1987, 13; (9) ib., 14; (10) São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, n. 284; (11) São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, n. 148; (12) cfr. Cone. Vat. II, Const. Lumen gentium, 58; (13) João Paulo II, op. cit., 14; (14) São Josemaria Escrivá, Forja, n. 235.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal