TEMPO COMUM. VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO. ANO C

– O seguimento de Cristo e o conhecimento próprio. Exame de consciência.
– Espírito de exame. Humildade. Vencer a preguiça nesta prática de piedade.
– Modo e disposições para fazê‑lo. Contrição. Propósitos.

I. O SENHOR FALA‑NOS no Evangelho da Missa das exigências que comporta o propósito de segui‑lo, atendendo à chamada que dirige a todos. E faz‑nos esta advertência: Quem de vós, se quiser edificar uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem com que terminá‑la? Não suceda que, tendo lançado os alicerces e não podendo acabá‑la, todos quantos o vejam comecem a mofar dele […]. Ou qual é o rei que, estando para guerrear contra outro rei, não se senta primeiro e considera se com dez mil homens pode fazer frente àquele que o ataca com vinte mil?1

Quando se mete ombros a uma grande tarefa, é preciso começar por avaliar as possibilidades e por medir os recursos disponíveis para levá‑la a bom termo. Ser discípulo de Cristo, procurar segui‑lo fielmente no meio das ocupações diárias, é o maior empreendimento que o homem pode acometer. E para levá‑lo a bom termo, é preciso que conheçamos bem os meios de que dispomos e que os saibamos utilizar, sendo conscientes do que nos falta para pedi‑lo com confiança a Deus, e arrancando tudo o que representa um empecilho. Ora bem, esta é a missão do exame de consciência, que nos leva a conhecer a verdade da nossa vida. “Conhecimento próprio, que é o primeiro passo que a alma tem que dar para chegar ao conhecimento de Deus”2.

Os bons empresários fazem um balanço freqüente da situação dos seus negócios, examinam os seus lucros e perdas, sabem em que pontos podem melhorar ou identificam com presteza a causa de um mau negócio e procuram pôr‑lhe remédio antes que sobrevenham maiores males à empresa. O nosso grande negócio é a correspondência à chamada de Deus em cada dia. Não há nada que seja tão importante para nós como aproximarmo‑nos mais e mais de Cristo.

No exame de consciência, confrontamos a nossa vida com o que Deus espera de nós, com a resposta diária que oferecemos à sua chamada; é o que nos permite pedir perdão e recomeçar muitas vezes. Por isso, “o exame é o passo prévio e o ponto de partida cotidiano para atearmos a chama do amor a Deus com realidades – obras – de entrega”3. “Quem se contentasse com uma visão rotineira, superficial (do estado da sua alma), acabaria por deslizar pelo plano inclinado da negligência e da preguiça espiritual, até chegar à tibieza, essa miopia da alma que prefere não discernir entre o bem e o mal, entre o que procede de Deus e o que provém das nossas próprias paixões ou do demônio”4.

Façamos o propósito firme, para todos os dias da nossa vida, de “fazer com consciência o exame de consciência” 5. Não demoraremos a compreender a grande ajuda que representa no caminho que leva a Cristo.

II. PARA FAZER COM CONSCIÊNCIA este balanço no fim de cada dia, será muito útil fomentar ao longo do dia o espírito de exame, como “o bom banqueiro que cotidianamente, ao anoitecer, computa as suas perdas e lucros; mas isso não o pode ele fazer com detalhe se não registra a todo o momento as contas nos livros. Um olhar a todas e cada uma das anotações mostra o estado de todo o dia”6.

Para construirmos a torre que Deus espera de nós, para travarmos essa batalha contra os inimigos da alma, devemos ser conscientes dos recursos com que contamos, das ajudas de que necessitamos, dos muros cuja vigilância descuramos ou dos flancos que deixamos desguarnecidos e à mercê do inimigo: defeitos que conhecemos e que deveríamos ter corrigido; inspirações que nos convidavam a fazer o bem e a servir os outros com mais alegria, e que ficaram sem resposta; mediocridade espiritual consentida, por termos omitido esta ou aquela prática de piedade costumeira, por não termos sido generosos nas pequenas mortificações do dia‑a‑dia, preferindo o comodismo pessoal…

Não é fácil o conhecimento próprio; temos que estar prevenidos contra “o demônio mudo”7, que tentará fechar‑nos a porta da verdade para que não vejamos as nossas fraquezas, os defeitos arraigados na alma, e nos inclinemos a desculpar as faltas de amor a Deus, os pecados e as imperfeições, encarando‑os como detalhes de pouca importância ou devidos às circunstâncias externas. Cai nas malhas do “demônio mudo” aquele que se contenta com generalidades, sem ir à raiz da sua apatia ou tibieza, sem querer realmente aprofundar nesses estados de alma vazios e inertes para lhes pôr um ponto final.

Para sairmos dessa situação nebulosa, é imprescindível que nos perguntemos com freqüência: Onde está verdadeiramente o meu coração?… Em mim, nas minhas doenças, nos meus êxitos, nas minhas pequenas satisfações, ou em Deus que me ama com um amor infinito? Quais são as intenções que me levam a agir? Em que coisas está ocupada habitualmente a minha mente e a minha imaginação? Quais são as coisas que me alegram e quais as que me entristecem? Este dia foi meu ou foi de Deus? São perguntas essenciais que iluminam e dão seriedade ao exame de consciência. Oxalá o saldo dos lançamentos parciais do nosso balanço diário, presidido por essas perspectivas fundamentais, possa ser como o daquele homem de Deus que reconhecia com humilde simplicidade: “Senhor, se não me lembrei para nada de mim, se pensei só em Ti e, por Ti, me ocupei somente em trabalhar pelos outros!”8

III. O EXAME DE CONSCIÊNCIA não é uma simples reflexão sobre o nosso comportamento no dia que termina; é um diálogo entre a alma e Deus. Por isso, ao iniciá‑lo, devemos pôr‑nos, em primeiro lugar, na presença de Deus, exatamente como se fôssemos recolher‑nos para fazer uns minutos de oração mental. Às vezes, bastará uma jaculatória ou uma breve oração. Noutras ocasiões, podem servir‑nos as palavras com que o cego de Jericó se dirigiu a Jesus pedindo‑lhe luz para os seus olhos cegos: Domine, ut videam! Senhor, que eu veja!9 Dá‑me luz para perceber o que me separa de Ti, o que devo arrancar e lançar fora, em que pontos concretos devo melhorar: trabalho, caráter, presença de Deus, alegria, otimismo, apostolado, preocupação por tornar a vida mais grata aos que convivem comigo…

Depois, no exame propriamente dito, pode ser‑nos muito útil começar por considerar como o Senhor terá visto o nosso dia. Com a ajuda do nosso Anjo da Guarda, procuremos vê‑lo refletido em Deus como num espelho, pois “nunca acabamos de nos conhecer se não procuramos conhecer a Deus”10. A essa luz, examinemos a seguir o nosso comportamento concreto: para com Deus, para com o próximo, para conosco mesmos. Podemos fazê‑lo percorrendo brevemente as horas do dia ou então as diferentes situações em que nos fomos encontrando, dando especial importância ao cumprimento do nosso plano de vida espiritual e aos propósitos formulados no exame do dia anterior, etc. De qualquer modo, tenhamos presente que o exame de consciência é uma prática de piedade que varia de pessoa para pessoa, e que portanto deve contar com o conselho daquele que orienta a nossa alma.

O elemento mais importante do exame de consciência – que não exige muito tempo, mas poucos minutos – é a dor, a contrição pelas nossas fraquezas e omissões, por mais pequenas que nos pareçam: “Reage. – Ouve o que te diz o Espírito Santo: «Si inimicus meus maledixisset mihi, sustinuissem utique» – que o meu inimigo me ofenda, não é estranho e é mais tolerável. Mas tu… «tu vero homo unanimis, dux meus, et notus meus, qui simul mecum dulces capiebas cibos» – tu, meu amigo, meu apóstolo, que te sentas à minha mesa e comes comigo doces manjares!”11

Se a dor for sincera, brotarão sem esforço alguns propósitos, poucos (muitas vezes apenas um), mas firmes: “«Quanto não devo a Deus, como cristão! A minha falta de correspondência, perante essa dívida, tem‑me feito chorar de dor: de dor de Amor. ’Mea culpa!’»

“– Bom é que vás reconhecendo as tuas dívidas. Mas não esqueças como se pagam: com lágrimas… e com obras”12.

Serão obras de retificação que agradarão a Deus tanto mais quanto mais nos pareçam detalhes sem grande importância: amanhã sorrirei a esse colega que me é antipático; amanhã lerei o Evangelho – cinco minutos – antes de começar a trabalhar; amanhã passarei pela igreja ao voltar para casa e farei uma breve visita ao Santíssimo; amanhã farei uma pequena mortificação durante o jantar, ou guardarei melhor a vista ao regressar do trabalho; amanhã… Dor profunda, ainda que as faltas sejam leves, e propósitos decididos, para os quais pediremos a ajuda de Deus, porque senão, ainda que sejam pequenos, não os cumpriremos.

E assim chegará a hora de nos retirarmos para descansar, e o faremos com a alma cheia de paz e de alegria, com desejos de retomar no dia seguinte, com novo entusiasmo, o nosso caminho de amor a Deus e ao próximo.

(1) Lc 14, 28‑32; (2) São João da Cruz, Cântico espiritual, 4, 1; (3) A. del Portillo, Carta, 8‑XII‑1976, n. 8; (4) ib.; (5) ib.; (6) São João Clímaco, Escada do paraíso, 4; (7) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 236; (8) Josemaría Escrivá, Carta, 9‑I‑1932; (9) cfr. Mc 10, 51; (10) Santa Teresa, Moradas, 1, 2, 9; (11) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 244; (12) ib., n. 242.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal