TEMPO COMUM. VIGÉSIMA TERCEIRA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA
– O Senhor não pede coisas impossíveis. Dá‑nos a graça para sermos santos.
– Lutar no pouco, naquilo que está ao nosso alcance, no que nos aconselham na direção espiritual.
– Docilidade ao que o Senhor nos pede cada dia.
I. JESUS ENTROU NUM SÁBADO na sinagoga, onde havia um homem que tinha a mão seca. São Lucas especifica que era a direita 1. E os escribas e os fariseus tinham os olhos postos nEle para ver se curava em dia de sábado. A interpretação farisaica da Lei só permitia aplicar remédios médicos nesse dia dedicado ao Senhor se houvesse perigo de morte; e não era esse o caso daquele homem, que fora à sinagoga com a esperança posta em Jesus.
O Senhor, que conhecia bem os pensamentos e as intrigas daqueles que amavam mais a letra da Lei do que o Senhor da Lei, disse ao homem da mão seca: Levanta‑te e põe‑te no meio. Ele, levantando‑se, pôs‑se no meio. E Jesus, percorrendo com o olhar todos os que estavam à sua volta, disse ao homem: Estende a tua mão. E esse homem, apesar das suas experiências anteriores, esforçou‑se por fazer o que o Senhor lhe dizia, e a sua mão ficou sã. Curou‑se graças à força divina das palavras de Cristo, mas também pela sua docilidade em levar a cabo o esforço que lhe era pedido.
Assim são os milagres da graça: perante defeitos que nos parecem insuperáveis ou perante objetivos apostólicos que se nos afiguram excessivamente ambiciosos ou difíceis, o Senhor pede essa mesma atitude: confiança nEle, manifestada em fazer o que está ao nosso alcance e o que o Mestre nos insinua na intimidade da oração ou por meio dos conselhos recebidos na direção espiritual.
Alguns Padres da Igreja viram nas palavras do Senhor: “Estende a tua mão”, uma chamada à prática das virtudes. “Estende‑a muitas vezes – comenta Santo Ambrósio –, favorecendo o teu próximo; defende de qualquer injúria os que vejas sofrer sob o peso da calúnia, estende também a tua mão ao pobre que te pede; estende‑a ao Senhor, pedindo‑lhe o perdão dos teus pecados: é assim que se deve estender a mão, e é assim que ela fica curada”2, isto é, realizando pequenos atos daquelas virtudes que desejamos adquirir, dando pequenos passos em direção às metas que queremos atingir. Se não nos faltar empenho, a graça realizará maravilhas com esses esforços que parecem valer pouco.
As virtudes forjam‑se nas situações do dia‑a‑dia, a santidade lavra‑se pela fidelidade em ações que de per si seriam irrelevantes, se não estivessem continuamente vivificadas pela graça.
“Cada dia um pouco mais – como se se tratasse de talhar uma pedra ou uma madeira –, é preciso ir limando asperezas, tirando defeitos da nossa vida pessoal, com espírito de penitência, com pequenas mortificações […]. Depois, Jesus Cristo vai completando o que falta”3. É Ele quem realmente realiza a obra da santidade e quem move as almas, mas quer contar com a nossa colaboração, pela obediência ao que nos indica, ainda que pareça insignificante, como estender a mão. O nosso poder está no que é pequeno.
II. A TIBIEZA faz com que pareçam irrealizáveis os menores esforços: de um grão de areia faz uma montanha. O tíbio pensa que, ainda que seja o Senhor quem lhe pede para estender a mão, ele não pode fazê‑lo. E, conseqüentemente, não a estende… e não se cura. Acostuma‑se à sua mediania, convivendo com ela como se não houvesse outros horizontes que o da sua mão seca.
Pelo contrário, o amor não se conforma com as limitações pessoais, e, apoiado na graça, vai limando os defeitos e forjando as virtudes. Uma gota de água permeia pouco a pouco a pedra e acaba por perfurá‑la, a chuva miúda fecunda a terra sedenta, e assim também as boas obras repetidas criam o bom hábito, a virtude sólida, conservam‑na e aumentam‑na4. A caridade em ação impele a traduzi‑la no esforço constante por mexer a mão, numa “fisioterapia” talvez demorada, mas em que se persevera porque continua a ecoar nos ouvidos a ordem do Senhor: Estende a tua mão.
Há uma condição indispensável para essa perseverança no exercício a longo prazo: querer. Lutar por vencer os defeitos, por adquirir virtudes que nos são muito necessárias, é querer lutar, ao menos ter desejos de querer lutar, em movimentos mínimos da vontade que pouco a pouco darão lugar a outros de maior amplitude. Por isso as personalidades fracas definham não só humanamente, mas também no terreno da luta espiritual, que aliás comanda o resto da vida.
“Vontade. É uma característica muito importante. Não desprezes as pequenas coisas, porque, através do contínuo exercício de negar e te negares a ti próprio nessas coisas – que nunca são futilidades nem ninharias –, fortalecerás, virilizarás, com a graça de Deus, a tua vontade, para seres, em primeiro lugar, inteiro senhor de ti mesmo. E depois, guia, chefe, líder! – que prendas, que empurres, que arrastes, com o teu exemplo e com a tua palavra e com a tua ciência e com o teu império”5.
“Dizes que sim, que queres. – Está bem. – Mas… queres como um avaro quer o seu ouro, como uma mãe quer ao seu filho, como um ambicioso quer as honras, ou como um pobre sensual quer o seu prazer? – Não? Então não queres”6.
III. AQUELE HOMEM da mão tolhida foi dócil às palavras de Jesus: pôs‑se no meio de todos e depois estendeu a mão, tal como o Senhor lhe havia pedido. A ação do Espírito Santo na intimidade da alma sugere continuamente esses pequenos esforços que nos ajudam eficazmente a preparar‑nos para novas graças, numa cadeia ininterrupta. Quando um cristão se esforça por todos os meios por secundar essas sugestões para que as virtudes se desenvolvam na sua vida – afastando‑se das ocasiões de pecar, tirando os obstáculos, abafando decididamente uma tentação ainda nos começos –, Deus envia‑lhe novas ajudas para fortalecer essas virtudes incipientes e oferece‑lhe os dons do Espírito Santo, que aperfeiçoam esses hábitos formados pela graça.
O Senhor quer ver‑nos sempre animados de desejos eficazes e concretos de ser santos; na vida interior, não bastam as idéias gerais e os propósitos vagos. A docilidade à voz do Senhor não é simples boa vontade sentimental e fugaz, mas um tecido maravilhoso de pequenas obras de correspondência.
“Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente? – Um tijolo, e outro. Milhares. Mas, um a um. – E sacos de cimento, um a um. E blocos de pedra, que são bem pouco ante a mole do conjunto. – E pedaços de ferro. – E operários trabalhando, dia a dia, as mesmas horas…Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente?… À força de pequenas coisas!”7
Quando se fala ou se escreve sobre santidade, é freqüente sublinhar alguns aspectos chamativos: as grandes provas, as circunstâncias extraordinárias, o martírio; como se a vida cristã vivida com todas as suas conseqüências consistisse forçosamente nesses momentos episódicos e fosse tarefa destinada apenas a personalidades de envergadura excepcional; e como se o Senhor se conformasse, no caso da maioria das pessoas, com uma vida cristã de segunda classe. Nós, pelo contrário, temos de meditar profundamente que o Senhor nos chama a todos à santidade: a todos os que não teremos o nosso nome inscrito no livro de ouro da história8: chama a mãe de família aflita porque mal tem tempo para arrumar a casa, chama o empresário, o estudante, o carteiro, o funcionário público de uma repartição de bairro, o homem que cuida de uma banca de verduras. O Espírito Santo diz‑nos a todos: Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação9. E trata‑se de uma vontade eficaz, porque Deus conta com todas as circunstâncias pelas quais vai passar uma vida, por mais modesta que seja, e dá a todos as graças necessárias para se comportarem santamente.
“Exemplo sublime para todos nós desta docilidade é a Santíssima Virgem, Maria de Nazaré, que pronunciou o “faça‑se” da sua disponibilidade total aos desígnios de Deus, de modo que o Espírito Santo pôde começar nEla a realização concreta do plano de salvação”10. Pedimos hoje à nossa Mãe Santa Maria que nos ajude a ser cada vez mais dóceis ao Espírito Santo, crescendo nas virtudes pela luta enérgica nas pequenas metas de cada dia.
(1) Lc 6, 6‑11; (2) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas; (3) Josemaría Escrivá, Forja, n. 403; (4) cfr. R. Garrigou‑Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. I, pág. 532; (5) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 19; (6) ib., n. 316; (7) ib., n. 823; (8) cfr. Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 174; (9) 1 Tess 4, 3; (10) João Paulo II, Alocução, 30‑V‑1981.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal