TEMPO COMUM. VIGÉSIMA NONA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA

– Os bens temporais e a esperança sobrenatural.
– O desprendimento do cristão.
– A nossa esperança está no Senhor.

I. ALGUÉM APROXIMOU-SE do Senhor 1 e pediu-lhe que resolvesse um problema de heranças. Pelas palavras de Jesus, parece que essa pessoa estava mais preocupada com aquele problema material do que atenta à pregação do Mestre. A questão proposta ao Messias – que lhes falava do Reino – dá a impressão de ter sido pelo menos inoportuna. Jesus respondeu-lhe: Ó homem, quem me constituiu juiz ou árbitro entre vós? A seguir, aproveitou a ocasião para advertir a todos: Estai alerta e guardai-vos de toda a avareza, porque a vida de cada um não consiste na abundância dos bens, a sua vida não depende daquilo que possui.

E para que a sua doutrina ficasse bem clara, expôs-lhes uma parábola. As terras de um homem rico produziram uma grande colheita, a tal ponto que o celeiro se tornou insuficiente. Então o proprietário achou que os seus dias maus tinham acabado e que a sua existência estava garantida. Decidiu deitar abaixo o celeiro e edificar outro maior, que pudesse armazenar a colheita. O seu horizonte terminava ali; reduzia-se a comer, beber, descansar, já que a vida se tinha mostrado generosa com ele. Esqueceu-se – como tantos homens! – de uns dados fundamentais: a insegurança desta vida na terra e a sua brevidade. Pôs a sua esperança nessas coisas passageiras e não considerou que todos estamos de passagem, a caminho do único destino que vale a pena: o Céu.

Deus apresentou-se de improviso na vida desse rico lavrador que parecia ter tudo assegurado, e disse-lhe: Néscio, esta noite virão demandar a tua alma; e as coisas que juntaste, para quem serão? Assim é o que entesoura para si e não é rico para Deus.

A insensatez desse homem consistiu em ter posto o seu fim último e a garantia da sua segurança em algo tão frágil e passageiro como os bens desta terra, por abundantes que sejam. A legítima aspiração de possuir o necessário para a vida própria e para a família não deve ser confundida com a ânsia de ter mais a todo o custo.

O nosso coração tem de estar no Céu, e a vida é um caminho que temos de percorrer. Se o Senhor é a nossa esperança, saberemos ser felizes com muitos ou com poucos bens.

“Assim, pois, o ter mais, tanto para as nações como para as pessoas, não é o fim último. Todo o crescimento tem dois sentidos bem diferentes. Se é necessário para permitir que o homem seja mais homem, por outro lado encerra-o numa prisão se se converte em bem supremo, que impede de olhar mais além. Então os corações se endurecem e os espíritos se fecham; os homens já não se unem pela amizade, mas pelo interesse, que em breve os faz opor-se uns aos outros e desunir-se. A busca exclusiva da posse dos bens converte-se num obstáculo para o crescimento do ser, e opõe-se à sua verdadeira grandeza. Tanto para as nações como para as pessoas, a avareza é a forma mais evidente de um subdesenvolvimento moral” 2.

O amor desordenado pelos bens materiais cega a esperança em Deus, que então se vê como algo longínquo e sem interesse. Não cometamos essa loucura: não há tesouro maior do que ter Cristo.

II. A SAGRADA ESCRITURA admoesta-nos com freqüência sobre a necessidade de termos o coração em Deus: Tende preparado o ânimo, vivei sobriamente e ponde a vossa esperança na graça que vos trouxe a revelação de Jesus Cristo 3, exortava São Pedro aos primeiros cristãos. E São Paulo aconselha a Timóteo: Aos ricos deste mundo, manda-lhes […] que não sejam altivos nem confiem na incerteza das riquezas, mas no Deus vivo, o qual dá abundantemente todas as coisas para nosso uso 4. O mesmo Apóstolo afirma que a avareza está na raiz de todos os males, e que foi por sua causa que muitos se extraviaram da fé e se enredaram em inúmeras aflições 5.

A Igreja continua a recordar o mesmo nos nossos dias: “Que todos, portanto, atendam a isso e orientem retamente os seus afetos, não seja que o uso das coisas do mundo e um apego às riquezas contrário ao espírito de pobreza evangélica os impeçam de buscar a caridade perfeita, segundo admoesta o Apóstolo: Os que usam deste mundo não se fixem nele, pois a aparência deste mundo passa (cfr. 1 Cor 7, 31)” 6.

A desordem no uso dos bens materiais pode provir da intenção, quando se desejam as riquezas por si mesmas, como se fossem bens absolutos; dos meios que se empregam para adquiri-las, buscando-as com ansiedade, com possíveis danos a terceiros, à saúde, à educação dos filhos, à atenção requerida pela família…; ou, enfim, da maneira de usá-las, quando se empregam unicamente em proveito próprio, com tacanhice.

O desprendimento e o reto uso daquilo que se possui, daquilo que é necessário para o sustento da família e para o exercício da profissão, daquilo que é lícito possuir para o descanso e para prever o futuro – sem angústias, com a confiança sempre posta em Deus –, são um meio de preparar a alma para os bens divinos.

“Se quereis agir a toda a hora como senhores de vós mesmos, aconselho-vos a pôr um empenho muito grande em estar desprendidos de tudo, sem medo, sem temores nem receios. Depois, ao atenderdes e ao cumprirdes as vossas obrigações pessoais, familiares…, empregai os meios terrenos honestos com retidão, pensando no serviço a Deus, à Igreja, aos vossos, à vossa tarefa profissional, ao vosso país, à humanidade inteira. Vede que o importante não é a materialidade de possuir isto ou carecer daquilo, mas conduzir-se de acordo com a verdade que a nossa fé cristã nos ensina: os bens criados são apenas meios. Portanto, repeli a miragem de considerá-los como algo definitivo” 7.

Se estamos perto de Cristo, bastará pouca coisa para andarmos pelos caminhos da alegria dos filhos de Deus. Se não estamos perto dEle, nada poderá preencher o nosso coração e estaremos sempre insatisfeitos.

III. “CERTA VEZ – conta um amigo sacerdote –, há já muitos anos, passava eu uma curta temporada de exercícios militares no povoado mais alto de Navarra. Fazíamos esses exercícios aproveitando a pausa dos nossos estudos. Recordo-me de que, estando naquele povoado, chamado Abaurrea, chegou ao acampamento um jovem tenente, no seu uniforme flamante. Apresentou-se ao chefe para que lhe dissesse qual a unidade a que estava destinado. Veio depois ter conosco e comunicou-nos que o comandante lhe dissera que devia ir a Jaurrieta e que lhe insinuara como a coisa mais natural do mundo que seria bom que tomasse um cavalo e fosse nele […]. O novato mostrava-se muito inquieto e passou todo o jantar falando do cavalo e pedindo conselhos práticos. Então um dos presentes disse-lhe: «O importante é montar com serenidade, com tranqüilidade, e que o cavalo não perceba que é a primeira vez que você monta. Isso é fundamental» […]. No dia seguinte pela manhã, muito cedo, estava à sua espera um soldado com o seu cavalo e com outra montaria para carregar as malas. O tenente montou, mas, pelos vistos, o cavalo notou imediatamente que era a primeira vez que o fazia, porque, sem mais aquelas, lançou-se num pequeno galope; depois parou e começou a pastar num dos lados da estrada…, por mais que o tenente puxasse das rédeas. Quando achou oportuno, continuou a caminhar pela estrada e, de vez em quando, parava; depois começava a trotar, enquanto o cavaleiro olhava para os lados, com cara de susto. Nessa situação, cruzou-se com ele uma equipe de engenheiros que estava instalando um cabo de alta tensão. Um deles perguntou-lhe: – Para onde é que você vai? E o tenente respondeu com grande verdade e com uma filosofia verdadeiramente realista: – Eu? Eu ia para Jaurrieta; o que não sei é para onde vai este cavalo… […].

Se nos perguntassem de repente: «Para onde é que você vai?», talvez nós também tivéssemos que dizer: «Eu? Eu ia para o amor, para a verdade, para a alegria; mas não sei para onde a vida me está levando»” 8.

Como seria bom podermos dizer a quem nos perguntasse para onde vamos: “Eu vou para Deus, com o meu trabalho, com as dificuldades da vida, com a doença talvez!…” Este é o objetivo, o lugar para onde devem levar-nos os bens da terra, a profissão…, tudo! Que pena se convertêssemos em bens absolutos aquilo que deve ser apenas meio!

Jesus Cristo ensina-nos continuamente que o objeto da esperança cristã não são os bens terrenos, esses que a ferrugem e a traça consomem e os ladrões desenterram e roubam 9, mas os tesouros da herança incorruptível. O próprio Cristo é a nossa única esperança10. Não há outra coisa que possa satisfazer o nosso coração. E junto dEle encontraremos todos os bens prometidos, que não têm fim. Os próprios meios materiais podem ser objeto da virtude da esperança, na medida em que sirvam para alcançar o fim humano e o fim sobrenatural do homem, desde que não passem de meios. Não os convertamos em fins.

A Virgem Maria, Esperança nossa, ajudar-nos-á a pôr o coração nos bens que perduram, em Cristo!, se recorrermos a Ela com confiança. Sancta Maria, Spes nostra, ora pro nobis.

(1) Lc 12, 13-21; (2) Paulo VI, Carta Encíclica Populorum progressio, 26.03.67, 19; (3) 1 Pe 1, 13; (4) 1 Tim 6, 17; (5) 1 Tim 6, 10; (6) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 42; (7) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 118; (8) A. G. Dorronsoro, Tiempo para creer, págs. 111-112; (9) Mt 6, 19; (10) 1 Tim 1, 1.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal