TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– Estamos nas mãos de Deus. Todos os acontecimentos que Ele envia ou permite têm o seu significado e visam o nosso proveito.
– O sentido da nossa filiação divina. Omnia in bonum!, tudo é para o bem.
– A confiança em Deus não nos leva à passividade, mas a lutar por todos os meios ao nosso alcance.

I. NA ÚLTIMA NOITE que Jesus passou com os seus discípulos antes da sua Paixão e Morte, num determinado momento daquela Ceia íntima, levantou-se, depôs o manto e, pegando numa toalha, cingiu-se1. São João, o Evangelista que nos deixou escritas as suas inesquecíveis recordações da Quinta-Feira Santa, descreve pausadamente aqueles acontecimentos que com tanta profundidade lhe ficaram gravados para sempre: Depois lançou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, e a limpar-lhos com a toalha com que se tinha cingido.

Tudo transcorria normalmente, ante o assombro dos Apóstolos, que não se atreviam a dizer palavra, até que o Senhor chegou a Pedro, que manifestou em voz alta a sua surpresa e a sua negativa: Senhor, tu lavares-me os pés? Jesus respondeu-lhe: O que eu faço, tu não o entendes agora, mas entendê-lo-ás mais tarde. Depois de um afável braço-de-ferro com o Apóstolo, Jesus lavar-lhe-á os pés, como o fizera com os outros. Com a vinda do Espírito Santo, ao relembrar esses acontecimentos, Simão compreendeu o significado profundo do gesto do Mestre, que assim quis ensinar aos que seriam as colunas da Igreja a missão de serviço que os aguardava. 

O que eu faço, tu não o entendes agora… Passa-se conosco o mesmo que com Pedro: às vezes, não compreendemos os acontecimentos que o Senhor permite: a dor, a doença, a ruína econômica, a perda do emprego, a morte de um ser querido quando estava no começo da vida… Ele tem uns planos mais altos, que abarcam esta vida e a felicidade eterna. A nossa mente mal alcança as coisas mais imediatas, uma felicidade a curto prazo. Como não havemos de confiar no Senhor, na sua Providência amorosa? Só confiaremos nEle quando os acontecimentos nos parecerem humanamente aceitáveis? Estamos nas suas mãos, e em nenhum outro lugar poderíamos estar melhor. Um dia, no fim da nossa vida, o Senhor explicar-nos-á em pormenor o porquê de tantas coisas que agora não entendemos, e veremos a sua mão providente em tudo, até nas coisas mais insignificantes.

Se diante de cada fracasso, diante dos acontecimentos que não sabemos discernir, ante a injustiça que nos revolta, ouvirmos a voz consoladora de Jesus que nos diz: O que eu faço, tu não o entendes agora, mas entendê-lo-ás mais tarde, então não haverá lugar para o ressentimento ou para a tristeza. “Porque tudo o que acontece está previsto por Deus e ordenado para a salvação do homem e para a sua plena realização na glória; se o que acontece é bom, Deus o quer; se é mau, não o quer, permite-o, porque respeita a liberdade do homem e a ordem natural, mas tem nas suas mãos o poder de tirar bem e proveito para a alma, mesmo do mal”2.

Em face dos acontecimentos que fazem sofrer, tem de sair do fundo da nossa alma uma oração simples, humilde, confiante: Senhor, Tu sabes mais, abandono-me em Ti. Entenderei mais tarde.

II. NUMA DAS LEITURAS previstas para a Missa de hoje, São Paulo escreve aos primeiros cristãos de Roma: Diligentibus Deum, omnia cooperantur in bonum…, todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus3. “Penas? Contrariedades por causa daquele episódio ou daquele outro?… Não vês que assim o quer teu Pai-Deus…, e que Ele é bom…, e te ama – a ti só! – mais do que todas as mães do mundo juntas podem amar os seus filhos?”4

O sentido da filiação divina leva-nos a descobrir que estamos nas mãos de um Pai que conhece o passado, o presente e o futuro, e que faz concorrer todas as coisas para o nosso bem, ainda que não seja o bem imediato que talvez nós desejemos e queiramos por não vermos mais longe.

Isto leva-nos a viver com serenidade e paz, mesmo no meio das maiores tribulações. Por isso seguiremos sempre o conselho de São Pedro aos primeiros fiéis: Descarregai sobre Ele as vossas preocupações, porque Ele cuida de vós5.

Não existe ninguém que possa cuidar melhor de nós: o Senhor jamais se engana. Na vida humana, mesmo aqueles que mais nos amam, às vezes não acertam e, ao invés de arrumar, desarranjam. Não acontece assim com o Senhor, infinitamente sábio e poderoso, que, respeitando a nossa liberdade, nos conduz suaviter et fortiter6, com suavidade e com mão de pai, para as coisas que realmente importam, para uma eterna felicidade.

As próprias faltas e pecados podem acabar por ser para bem, pois “Deus dirige absolutamente todas as coisas para o proveito dos seus filhos, de sorte que ainda àqueles que se desviam e ultrapassam os limites os faz progredir na virtude, porque se tornam mais humildes e experimentados”7. A contrição, quando não é só de boca e apressada, conduz a alma a um amor mais profundo e confiante, a uma maior proximidade com Deus.

Por isso, na medida em que nos sentimos filhos de Deus, a vida converte-se numa contínua ação de graças. Mesmo por trás daquilo que parece uma verdadeira catástrofe, o Espírito Santo nos faz ver “uma carícia de Deus”, que nos move à gratidão. Obrigado, Senhor!, dir-lhe-emos no meio de uma doença dolorosa ou ao termos notícia de um acontecimento que nos causa muita pena. Assim reagiram os santos, e assim devemos aprender a comportar-nos perante as desgraças desta vida.

“É muito grato a Deus o reconhecimento pela sua bondade que denota recitar um «Te Deum» de ação de graças, sempre que ocorre algum acontecimento um pouco extraordinário, sem dar importância a que seja – como o chama o mundo – favorável ou adverso: porque, vindo das suas mãos de Pai, mesmo que o golpe de cinzel fira a carne, é também uma prova de Amor, que tira as nossas arestas para nos aproximar da perfeição”8.

III. O ABANDONO e a confiança em Deus não nos levam de maneira nenhuma à passividade, que em muitos casos seria negligência, preguiça ou cumplicidade.

Temos de combater o mal físico ou moral com todos os meios ao nosso alcance, sabendo que esse esforço, com muito resultado ou aparentemente sem nenhum, é grato a Deus e origem de muitos frutos sobrenaturais e humanos. Quando ficamos doentes, além de aceitarmos essa situação e de oferecermos a Deus as dores e as incomodidades, devemos lançar mão dos meios que o caso requeira: ir ao médico, obedecer às suas prescrições, descansar… E a injustiça, a desigualdade social, a penúria de tantas pessoas, devem levar-nos – junto com outros homens de boa vontade – a procurar os recursos ou as soluções que pareçam mais aptas. E o mesmo temos de fazer perante a ignorância e a falta de formação de tantas pessoas… Nada mais alheio ao espírito cristão do que uma confiança em Deus mal entendida, que nos levasse a permanecer inativos diante do sofrimento e da necessidade.

Deus é nosso Pai e cuida amorosamente de nós, mas conta com a nossa inteligência e bom senso para nos ajudar a percorrer o caminho pelo qual nos quer levar, como conta também com o nosso amor fraterno para encaminhar através de nós a vida de outros filhos seus. Para isso deu-nos uns talentos que devemos utilizar constantemente.

Quando, apesar de tudo, parece que fracassamos, quando os meios requeridos pelo caso não dão o resultado esperado, temos que ter a certeza de que nos estamos santificando. O Senhor santifica os “fracassos” que surgem depois de termos empregado os meios que pareciam oportunos, mas não abençoa as nossas omissões, pois trata-nos como a filhos inteligentes, de quem espera que saiam em busca dos remédios adequados.

Empreguemos em cada caso todos os meios que estiverem em nossas mãos, e depois, omnia in bonum!, tudo será para bem. Os resultados aparentemente bons ou maus levar-nos-ão a amar mais a Deus, nunca a separar-nos dEle. No sentido da filiação divina encontraremos a proteção e o calor paternal de que todos necessitamos. “Se tendes confiança nEle e ânimos animosos, que Sua Majestade é muito amigo disto, não tenhais medo de que vos falte coisa alguma”9, escreveu Santa Teresa depois de uma longa experiência. Junto do Senhor e sob o amparo da Santíssima Virgem, ganham-se todas as batalhas, ainda que, aparentemente, se percam algumas.

(1) Jo 13, 4 e segs.; (2) Federico Suárez, Después, pág. 208; (3) Rom 8, 28; Primeira leitura da Missa da trigésima semana da quarta-feira do Tempo Comum, ano I; (4) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 929; (5) 1 Pe 5, 8; (6) Sab 8, 1; (7) Santo Agostinho, Sobre a conversão e a graça, 30; (8) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 609; (9) Santa Teresa, Fundações, 27, 12.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal