TEMPO COMUM. DÉCIMA QUARTA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA

– Não é possível amar, seguir ou escutar Cristo, sem amar, seguir ou escutar a Igreja.
– Nela, participamos da Vida de Cristo.
– Fé, esperança e amor à Igreja.

I. TODOS PROCURAM JESUS. Todos necessitam dEle, e Ele está sempre disposto a compadecer‑se dos que o procuram com fé. A sua Santíssima Humanidade era como que o canal pelo qual passavam todas as graças, enquanto permaneceu entre os homens. Por isso, toda a multidão procurava tocá‑lo, porque saía dEle uma força que curava a todos.

A mulher de que nos fala o Evangelho da Missa 1 também se sentiu movida a aproximar‑se de Cristo. Aos seus sofrimentos físicos – de há doze anos –, somava‑se a vergonha de sentir‑se impura segundo a lei. No povo judeu, considerava‑se impura não só a mulher afetada por uma doença desse tipo, como também quem a tocasse. Por isso, para não se fazer notar, aproximou‑se de Jesus por trás e limitou‑se a tocar a orla do seu manto. “Tocou delicadamente a borda do manto, aproximou‑se com fé, acreditou e soube que tinha sido curada…” 2

Essas curas, os milagres, as expulsões de demônios que Cristo realizou enquanto vivia na terra, eram uma prova de que a Redenção já era uma realidade, não uma mera esperança. Essas pessoas que se aproximaram do Mestre anteciparam de algum modo a devoção dos cristãos pela Santíssima Humanidade de Cristo.

Depois, quando estava prestes a partir para o Céu, para junto do Pai, sabendo que sempre precisaríamos dEle, o Senhor preparou os meios para que em qualquer época e lugar pudéssemos receber as infinitas riquezas da Redenção: fundou a Igreja, bem visível e localizável. Procuramos nela o mesmo que as pessoas procuravam no Filho de Maria. Estar com a Igreja é estar com Jesus, unir‑se a esse redil é unir‑se a Jesus, pertencer a essa sociedade é ser membro do seu Corpo. Somente nela encontraremos Cristo, o próprio Cristo, Aquele que o Povo eleito esperava.

Os que pretendem ir a Cristo prescindindo da Igreja, ou até maltratando‑a, poderiam um dia ter a mesma surpresa que colheu São Paulo no caminho de Damasco: Eu sou Jesus a quem tu persegues 3. “Ele não diz – ressalta São Beda –: Por que persegues os meus membros?, mas: Por que me persegues? Porque Ele ainda padece afrontas no seu Corpo, que é a Igreja” 4. Paulo não sabia até esse momento que perseguir a Igreja era perseguir o próprio Jesus. Mais tarde, quando falar sobre ela, fá‑lo‑á descrevendo‑a como o Corpo de Cristo 5, ou simplesmente como Cristo 6; e designando os fiéis como seus membros 7.

Não é possível amar, seguir ou escutar Cristo, sem amar, seguir ou escutar a Igreja, porque Ela é a presença simultaneamente sacramental e misteriosa de Nosso Senhor, que assim prolonga a sua missão salvífica no mundo até o fim dos tempos.

II. NINGUÉM PODE DIZER que ama a Deus se não escolhe o caminho – Jesus – estabelecido pelo próprio Deus: Este é o meu Filho amado […], escutai‑o 8. E é ilógica a pretensão de sermos amigos de Cristo desprezando as suas palavras e os seus desejos.

Aquelas multidões que afluíam de toda a parte encontram em Jesus alguém que, com autoridade, lhes fala de Deus – Ele próprio é a Palavra divina feita carne –: encontram Jesus Mestre. E agora encontramo‑lo e vinculamo‑nos a Ele quando aceitamos a doutrina da Igreja: Quem vos ouve, a mim me ouve, e quem vos rejeita, a mim me rejeita 9.

Jesus é, além disso, nosso Redentor. Ele é Sacerdote, o possuidor do único sacerdócio, que se ofereceu a si próprio como propiciação pelos pecados. Cristo não se apropriou da glória de ser Sumo Sacerdote, mas ela foi‑lhe concedida por Aquele que lhe disse: Tu és meu filho…10 Unimo‑nos a Jesus‑Sacerdote e Vítima, que honra a Deus Pai e nos santifica, na medida em que participamos da vida da Igreja, particularmente dos seus sacramentos, que são como canais divinos pelos quais a graça flui até chegar às almas; sempre que os recebemos, pomo‑nos em contacto com o próprio Cristo, fonte de toda a graça.

Por meio dos sacramentos, os méritos infinitos que Cristo nos conquistou chegam aos homens de todas as épocas e são, para todos, firme esperança de vida eterna. Na Sagrada Eucaristia, que Cristo mandou a Igreja celebrar, renovamos a sua oblação e imolação: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim 11; e só a Sagrada Eucaristia nos garante essa Vida que Ele conquistou para nós: Se alguém comer deste pão, viverá eternamente, e o pão que eu lhe darei é a minha carne para a vida do mundo… 12

A condição para participarmos do sacrifício e banquete eucarístico reside em outro dos sacramentos que Cristo conferiu à sua Igreja, o Batismo: Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando‑os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo 13. O que crer e for batizado será salvo… 14 E se os nossos pecados nos afastaram de Deus, a Igreja também é o meio para recuperarmos a nossa condição de membros vivos do Senhor: Àqueles a quem perdoardes os pecados – diz Ele aos seus Apóstolos –, ser‑lhes‑ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser‑lhes‑ão retidos 15. O Senhor estabeleceu que esta vinculação profundíssima com Ele se realizasse através desses sinais visíveis da vida sacramental da sua Igreja. Nos sacramentos também encontramos Cristo.

E ainda que alguma vez possa haver dissensões dentro da Igreja, não será difícil encontrarmos Cristo. As maiorias ou minorias pouco significam quando se trata de encontrar Jesus: no Calvário, só estava presente a sua Mãe, rodeada de umas poucas mulheres e um adolescente, mas ali, a poucos metros, estava Jesus! Na Igreja, também sabemos onde é que o Senhor está: Eu te darei – declarou Ele a Pedro – as chaves do reino dos céus; e tudo quanto ligares na terra será ligado nos céus, e tudo quanto desligares na terra será desligado nos céus16. E nem sequer as negações de Simão Pedro foram suficientes para revogar esses poderes. O Senhor, depois de ressuscitado, confirmou‑os de modo solene: Apascenta os meus cordeiros […]. Apascenta as minhas ovelhas 17. A Igreja está onde estão Pedro e os seus sucessores, os bispos em comunhão com ele.

III. NA IGREJA vemos Jesus, o mesmo Jesus a quem as multidões queriam tocar porque saía dele uma força que os curava a todos. Pertence à Igreja quem, por meio da sua doutrina, dos seus sacramentos e do seu regime, se vincula a Cristo Mestre, Sacerdote e Rei. Com a Igreja, mantemos de certo modo as mesmas relações que temos com o Senhor: fé, esperança e caridade.

Em primeiro lugar , que significa crer naquilo que, em tantas ocasiões, não é evidente. Os contemporâneos de Jesus viam nEle um homem que trabalhava, que se cansava, que precisava de alimento, que sentia dor, frio, medo…, mas aquele Homem era Deus. Na Igreja, conhecemos pessoas santas, que muitas vezes permanecem na obscuridade de uma vida normal, mas também vemos homens fracos como nós, mesquinhos, preguiçosos, interesseiros… Mas se foram batizados e permanecem em graça, apesar de todos os defeitos estão em Cristo, participam da sua própria vida. E se são pecadores, a Igreja também os acolhe no seu seio, como membros mais necessitados.

A nossa atitude perante a Igreja também deve ser de esperança. O próprio Cristo afirmou: Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela 18. A Igreja será sempre a rocha firme onde poderemos procurar segurança diante dos tombos que o mundo vai dando. Ela não falha, porque nela encontramos Cristo.

E se devemos a Deus caridade, amor, esse deve ser o nosso mesmo sentir em relação à nossa mãe a Igreja, pois “não pode ter a Deus por Pai quem não tem a Igreja por Mãe” 19. Ela é a mãe que nos comunica a vida: essa vida de Cristo pela qual somos filhos do Pai. E uma mãe deve ser amada. Só os maus filhos é que se mostram indiferentes, e às vezes hostis, em relação a quem lhes deu o ser.

Nós temos uma boa mãe: por isso doem‑nos tanto as feridas que lhe causam os que estão fora e os que estão dentro, e as doenças que podem atingir outros membros. Por isso, como bons filhos, procuramos não ventilar as misérias humanas – passadas ou presentes – destes ou daqueles cristãos, constituídos ou não em autoridade: não misérias da Igreja, que é Santa, e tão misericordiosa que nem aos pecadores nega a sua solicitude maternal. Como se pode falar friamente da Igreja, com palavras duras ou indiferentes? Como se pode permanecer “imparcial” quando se trata da própria mãe? Não o somos nem queremos sê‑lo. O que é dela é nosso, e não nos podem pedir uma atitude de neutralidade, própria de um juiz diante de um réu, mas não de um filho em relação à sua mãe.

Somos de Cristo quando somos da Igreja: nela nos tornamos membros do seu Corpo, que Nossa Senhora concebeu e deu à luz. Por isso, a Santíssima Virgem é “Mãe da Igreja, quer dizer, mãe de todo o povo de Deus, tanto dos fiéis como dos pastores” 20. A última jóia que a piedade filial engastou nas ladainhas de Nossa Senhora, o mais recente elogio à Mãe de Cristo, é apenas um sinônimo: Mãe da Igreja.

(1) Mt 9, 20‑22; (2) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas, VI, 56; (3) At 9, 5; (4) São Beda, Comentário aos Atos dos Apóstolos; (5) 1 Cor 12, 27; (6) 1 Cor 1, 13; (7) Rom 12, 5; (8) Mt 17, 5; (9) Lc 10, 16; (10) Hebr 5, 5; (11) Lc 22, 19; (12) Lc 6, 51; (13) Mt 28, 19; (14) Mc 16, 16; (15) Jo 20, 23; (16) Mt 16, 19; (17) Jo 21, 15‑17; (18) Mt 16, 18; (19) São Cipriano, Sobre a unidade, 6, 8; (20) Paulo VI, Alocução, 21‑XI‑1964.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal