TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– Todos recebem uma chamada do Senhor para tra­balhar na sua vinha, para corredimir com Ele o mundo.
– Qualquer hora e circunstância é boa para o aposto-lado. O exemplo dos primeiros cristãos.
– Todos os que tenham passado perto de nós deve­riam poder dizer que se sentiram movidos a viver mais perto de Cristo.

I. NO EVANGELHO DA MISSA1, o Senhor compara-se a um pai de família que sai a diferentes horas do dia para contra­tar operários para trabalharem na sua vinha: ao amanhecer, à hora terça, sexta, nona… Com os primeiros – os que foram contratados em primeiro lugar – combinou o salário de um denário. Os outros foram contratados pelo preço justo. Quando já estava próximo o final da jornada, à hora undécima, o pai de família saiu novamente e encontrou outros que estavam sem trabalhar e disse-lhes: Por que estais aqui todo o dia ociosos? E eles responderam-lhe: Porque ninguém nos contratou. E enviou-os também para trabalharem na sua vi­nha.

O Senhor quer dar-nos um ensinamento fundamental: to­dos os homens recebem uma chamada da parte de Deus. Uns, no amanhecer das suas vidas, quando são jovens, e so­bre eles recai uma especial predileção divina por terem sido chamados tão cedo. Outros, quando já percorreram uma boa parte do caminho. E todos, em circunstâncias bem diversas: as que se dão no mundo em que vivemos. O denário que todos recebem ao terminar o dia – ao concluírem a jornada da sua vida – é a glória eterna, a participação na própria vida de Deus 2, numa felicidade sem fim, bem como a alegria incomparável, já aqui, de trabalharem para o Mestre, de consumirem a vida por Cristo.

Trabalhar na vinha do Senhor, em qualquer idade em que nos encontremos, é colaborar com Cristo na Redenção do mundo: difundindo a sua doutrina em qualquer ocasião; participando de alguma catequese ou trabalho de formação; animando este ou aquele a cumprir o preceito dominical e a freqüentar os sacramentos; sugerindo a outros a leitura do Evangelho e de algum livro espiritual; contribuindo econo­micamente para criar novos instrumentos apostólicos; pro­pondo a algum amigo, com a prudência necessária e depois de pedir insistentemente luzes na oração, a possibilidade de entregar-se mais plenamente a Deus…

Quem se sente chamado a trabalhar na vinha do Senhor deve, de modos muito diversos, participar no desígnio divi­no da salvação. Deve caminhar para a salvação e ajudar os outros a salvar-se. Ajudando os outros, salva-se a si próprio  3.

Não seria possível caminharmos em seguimento de Cris­to se ao mesmo tempo não transmitíssemos a alegre notícia da sua chamada a todos os homens, “pois quem nesta vida só procura o seu próprio interesse não entrou na vinha do Se­nhor” 4. Trabalham por Cristo os que “se desvivem por con­quistar as almas e se apressam a levar outros à vinha” 5.

II. O SENHOR SAI a diferentes horas para contratar trabalhadores para a sua vinha. Qualquer hora, qualquer momento é bom para o apostolado, para levar trabalhadores à vinha do Senhor, a fim de que sejam úteis e dêem fruto. Deus chama a cada um de acordo com as suas circunstâncias pessoais, com o seu modo de ser peculiar, com os seus defeitos e também com a capacidade de adquirir novas virtudes. Mas são incontáveis os que talvez morram sem saber que Cristo vive e que traz a salvação a todos, porque ninguém lhes transmitiu a chamada do Senhor. Como podemos, portanto, ficar parados sem falar de Deus? “Talvez me digas: E por que havia eu de me esforçar? Não sou eu quem te responde, mas São Paulo: o amor de Cristo nos compele (2 Cor 5, 14). Todo o espaço de uma existência é pouco para dilatares as fronteiras da tua caridade” 6.

Os primeiros cristãos aprenderam bem que o apostolado não tem limites de pessoas, lugares ou situações. Era fre­qüente começarem pela própria família: “Aos servos e ser­vas, bem como aos filhos, se os têm, persuadem-nos a fa­zer-se cristãos pelo amor que têm por eles, e quando se fa­zem tais, chamam-nos irmãos sem distinção”7. Foram inú­meras as famílias que, do mais humilde dos servos até os filhos ou os pais, receberam a fé e viveram no amor a Cris­to. Depois, foi a vez dos vizinhos, dos clientes ou dos com­panheiros de ofício ou de armas… A vida dos acampamen­tos, as próprias virtudes militares e bem cedo o testemunho dos mártires favoreceram a expansão do Evangelho entre os soldados. O exército romano proporcionou incontáveis márti­res na Itália, na África, no Egito e até nas margens do Da­núbio. A última perseguição começou com uma depuração das legiões8.

Todas as situações eram boas para aproximar as almas de Cristo, mesmo as que humanamente poderiam parecer menos adequadas, como a de comparecer perante um tribu­nal. São Paulo, prisioneiro em Cesaréia, fala em defesa pró­pria diante do procurador Festo e do rei Agripa. Descobre-lhes os mistérios da fé de tal forma que, dizendo ele estas coisas em sua defesa (anunciando a ressurreição de Cristo), disse Festo em voz alta: Estás louco, Paulo; o muito saber desorienta o teu juízo. E comenta São Beda: “Considerava loucura que um homem posto a ferros não falasse das calú­nias de que era acusado, mas das convicções que o ilumina­vam por dentro” 9.

Mais tarde, Agripa dirá a Paulo: Por pouco não me persuades a fazer-me cristão. E Paulo respondeu-lhe: Prouvera a Deus que, por pouco ou por muito, não somente tu, mas também todos quantos me ouvem se fizessem hoje como eu, menos estas cadeias 10.

E nós, não saberemos levar, com paciência, com cordia­lidade, os nossos parentes, vizinhos, amigos… até o Senhor? O sentido apostólico da nossa vida será a medida do nosso amor por Cristo. Não desaproveitemos nenhuma ocasião: to­das as horas são boas para levar operários até à vinha do Senhor. Todas as idades são boas para encher as mãos de frutos.

III. CAUSA SURPRESA ver o pai de família sair quase ao cair do dia, quando restava pouco tempo para trabalhar; e sur­preende também ver como se justificaram os que a essa hora tardia vagueavam ociosos: Ninguém nos contratou, ninguém nos trouxe a boa notícia de que o dono do campo procurava operários para que trabalhassem na sua vinha. É a mesma resposta que dariam hoje muitos que foram batizados, mas que vegetam numa fé que vai murchando porque ninguém se preocupou com eles. “Tiveste uma conversa com este, com aquele, com aquele outro, porque te consome o zelo pelas almas […]. – Persevera: que ninguém possa depois descul­par-se afirmando «quia nemo nos conduxit» – que ninguém nos chamou”11. Nenhum dos nossos parentes, amigos, vizi­nhos…, dos que passaram conosco uma só tarde ou fizeram conosco a mesma viagem, ou trabalharam na mesma empre­sa, ou estudaram na mesma Faculdade… deveria dizer que não se sentiu contagiado pelo nosso amor a Cristo. Quando 0 amor é grande, manifesta-se na menor oportunidade.

Muitos sentir-se-ão atraídos pelas nossas palavras, que falam com vigor e com alegria do Mestre; outros serão aju­dados pelo nosso exemplo de um trabalho bem acabado ou de serenidade perante a dor, ou talvez pelo nosso trato cor­dial, que mergulha as suas raízes na virtude da caridade… E todos notarão o impulso que lhes vem da nossa oração e da nossa profunda alegria, conseqüência de seguirmos o Senhor de perto. Seja como for, ninguém que nos tenha conhecido em qualquer circunstância deverá poder dizer ao concluir os seus dias que não teve quem se preocupasse com ele.

Os contratados no começo do dia protestaram quando chegou o momento de receberem o salário. Sem razão, por­que receberam o que tinha sido combinado: um denário. Não compreenderam que servir o Senhor já é uma honra imerecida. Trabalhar para Cristo é reinar; e é motivo de ação de graças termos sido chamados da praça pública para terras de Deus. Sendo apóstolos no meio do mundo, o próprio serviço a Deus é a nossa recompensa, porque, na realidade, não procuramos nada para nós mesmos: queremos apenas amar mais a Cristo e servi-lo, convidando outros a trabalhar no seu campo. O Senhor nunca nos esquecerá. De­vemos ter em conta que no denário do salário “está gravada a imagem do Rei” 12: o próprio Deus se dá a cada um de nós nesta vida. E, ao entardecer, dar-nos-á uma glória sem fim: Cada um receberá segundo a medida do seu trabalho 13.

“Vamos juntos à presença da Mãe de Cristo. Mãe nossa, tu, que viste crescer Jesus, que o viste aproveitar a sua pas­sagem entre os homens, ensina-me a utilizar os meus dias em serviço da Igreja e das almas. Mãe boa, ensina-me a ou­vir no mais íntimo do coração, como uma censura carinhosa, sempre que for necessário, que o meu tempo não me perten­ce, porque é do Pai Nosso que está nos Céus” 14. Pecamos ajuda a São José para que nos ensine a gastar a vida no ser­viço a Jesus, enquanto realizamos com alegria os nossos afa­zeres no mundo.

(1) Mt 20, 1-16; (2) cfr. F. M. Moschner, Las parábolas dei reino de los cielos, pág. 215; (3) João Paulo II, Sobre a virtude da prudência, 25-10-1978; (4) São Gregório Magno, Homílias sobre os Evangelhos, 19, 2; (5) ib.; (6) São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, n. 43; (7) Aristides, cit. por D. Ramos, El testimonio de los primeros cristianos, pág. 195; (8) A. G. Hamman, La vida cotidiana de los primeros cristianos, 2a ed., Palabra, Madrid, 1986, pág. 81; (9) São Beda, Comentário aos Atos dos Apóstolos’, (10) At 26, 24-32; (11) São Josemaria Escrivá, Sulco, n. 205; (12) São Jerônimo, Comentário ao Evangelho de São Mateus, 4, 3; (13) 1 Cor 3, 8; (14) São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, n. 54.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal