TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SÉTIMA SEMANA. TERÇA-FEIRA

– Os afazeres da vida corrente, meio e ocasião para encontrar a Deus.
– Unidade de vida.
– Uma só coisa é necessária, a santidade pessoal.

I. SÃO LUCAS CONTA no seu Evangelho que Jesus ia a caminho de Jerusalém e, poucos quilômetros antes de chegar à cidade, parou para descansar em casa de uns amigos na pequena localidade de Betânia1. Eram três irmãos – Lázaro, Marta e Maria – por quem Jesus nutria particular estima, como podemos ler em outros lugares do Evangelho2. O Mestre sentia-se bem naquele lar, rodeado de amigos. Marta quis preparar um refrigério para Jesus e seus acompanhantes, cansados depois de uma longa jornada por aqueles caminhos duros e polvorentos. Por isso, afadigava-se na contínua lida da casa. Sua irmã Maria, sentada aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra.

Durante muito tempo, Marta foi considerada como figura e imagem da vida ativa, enquanto Maria encarnava o símbolo da vida contemplativa. No entanto, para a maioria dos cristãos que devem santificar-se no meio das suas tarefas seculares, esses dois tipos não podem ser considerados dois modos contrapostos de viver o cristianismo. Em primeiro lugar, porque careceria de sentido uma vida de trabalho, imersa nos negócios, no estudo, ou preocupada pelos problemas do lar, que se esquecesse de Deus; por outro, porque haveria sérios motivos para duvidar da sinceridade de uma vida de oração que não se manifestasse num trabalho realizado com maior perfeição, com uma caridade mais fina.

O trabalho, o estudo, os problemas que se apresentam numa vida normal, longe de serem obstáculo, devem ser meio e ocasião de um trato afetuoso com o Senhor3. “Nesta terra, a contemplação das realidades sobrenaturais, a ação da graça em nossas almas, o amor ao próximo como fruto saboroso do amor a Deus, representam já uma antecipação do céu, uma incoação destinada a crescer de dia para dia. Nós, os cristãos, não suportamos uma vida dupla: mantemos uma unidade de vida, simples e forte, em que se fundamentam e se compenetram todas as nossas ações […].

“Sejamos almas contemplativas, absorvidas num diálogo constante com Deus, procurando a intimidade com o Senhor a toda a hora: desde o primeiro pensamento do dia até o último da noite; pondo continuamente o nosso coração em Jesus Cristo, Nosso Senhor; achegando-nos a Ele por nossa Mãe, Santa Maria, e por Ele, ao Pai e ao Espírito Santo” 4.

Os afazeres profissionais, as aspirações nobres, as preocupações… devem alimentar o nosso diálogo diário com Jesus. Se não fosse assim, de que falaríamos com Ele? Aqueles amigos de Betânia – como também os Apóstolos – contavam ao Mestre os pequenos episódios do seu viver diário, perguntavam-lhe o que não entendiam. Alguns desses diálogos de Jesus com os seus íntimos ficaram plasmados no Evangelho: Mestre – dizem-lhe os Apóstolos certa vez –, vimos um que expulsava os demônios em teu nome e lho proibimos porque não era do nosso grupo… Outras vezes, confessam de maneira simples as suas inquietações: Eis que deixamos tudo e te seguimos; o que será de nós? As suas próprias vidas eram o tema da conversa com Jesus. O mesmo devemos nós fazer.

II. É BASTANTE POSSÍVEL que Marta, perante a urgência e o aumento de trabalho que resultou da chegada de Jesus, estivesse mais preocupada com os seus afazeres do que com o próprio Senhor. Além disso, foi como se Maria, sentada aos pés de Jesus, lhe tirasse a paz. Por isso, apresentou-se diante de Jesus e disse-lhe: Senhor, não se te dá que minha irmã me tenha deixado só com o serviço da casa? Diz-lhe, pois, que me ajude. Podemos imaginar facilmente o Mestre dirigindo-lhe esta afetuosa reconvenção: Marta, Marta, afadigas-te e andas inquieta com muitas coisas. Na verdade, uma só coisa é necessária.

Só uma coisa é necessária: o amor a Deus, a santidade pessoal. Quando Cristo é o objetivo da nossa vida durante as vinte e quatro horas do dia, trabalhamos mais e melhor.

Este é o fio forte que – como num colar de pérolas finas – une todas as obras do dia; assim evitamos a vida dupla: uma para Deus e outra dedicada às tarefas no meio do mundo: às ocupações profissionais, à família, ao relacionamento com os amigos, ao descanso…

Na existência do cristão, ensina o Papa João Paulo II, “não pode haver duas vidas paralelas: por um lado, a vida chamada espiritual, com os seus valores e exigências; e, por outro, a chamada vida secular, ou seja, a vida da família, do trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura. A vide, incorporada na videira que é Cristo, dá os seus frutos em todos os ramos da atividade e da existência. Pois os vários campos da vida laical entram todos nos desígnios de Deus, que os quer como lugar histórico em que se revela e se realiza a caridade de Jesus Cristo para glória do Pai e a serviço dos irmãos. Toda a atividade, toda a situação, todo o empenho concreto – como, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o amor e a dedicação à família e à educação dos filhos, o serviço social e político, a proposta da verdade na esfera da cultura – são ocasiões providenciais de «um contínuo exercício da fé, da esperança e da caridade» (Apostolicam actuositatem, 4)” 5.

Os acontecimentos diários, a intensidade no trabalho, o cansaço, as relações com os outros, são circunstâncias que se oferecem para praticarmos não só as virtudes humanas, mas também as sobrenaturais. Temos Jesus muito perto de nós, como Marta. Acompanha-nos no lar, no escritório, no laboratório, quando vamos pela rua. Não deixemos de referir à sua Pessoa tudo o que nos acontece ao longo da jornada. E então, mergulhados nos diferentes afazeres que nos ocupam durante todo o dia, saberemos dizer, com as palavras de um Salmo que hoje se reza na Liturgia das Horas: Quanto amo a tua lei, Senhor! Ela é objeto da minha meditação todo o dia. Os teus preceitos tornaram-me mais sábio que os meus inimigos, porque estão sempre comigo. Sou mais prudente que todos os meus mestres, porque medito os teus mandamentos6.

III. UMA SÓ COISA é necessária: a amizade crescente com o Senhor. “Este deve ser o objetivo e o desígnio constante do nosso coração… Tudo o que o afaste disso, por grande que possa parecer, deve ocupar um lugar secundário, ou, para dizê-lo melhor, o último de todos. Devemos até considerá-lo como um dano positivo” 7, um grande mal.

O maior bem que podemos prestar à família, ao trabalho, aos nossos amigos…, à sociedade, é o cuidado desses meios que nos unem ao Senhor: a presença de Deus durante o dia – alimentada por atos de amor, de desagravo, de ações de graças… –, o empenho na meditação diária, a Confissão freqüente cheia de contrição, etc. E o maior mal…, o descuido desses meios que nos aproximam de Jesus, coisa que pode acontecer por desordem, por tibieza ou mesmo pela busca de uma maior eficácia – aparente – em outras atividades que podem apresentar-se como mais urgentes ou importantes. Santo Inácio de Antioquia escrevia a São Policarpo que devemos desejar este trato amistoso com Deus “da mesma forma que o piloto deseja ventos favoráveis e o marinheiro surpreendido pela tempestade suspira pelo porto” 8.

O trato sincero com o Senhor enriquece todas as outras atividades. Sempre que vejamos que a multiplicidade de afazeres e a urgência dos problemas tendem a afogar os tempos que dedicamos especialmente a Deus, devemos ouvir na intimidade da nossa alma – como Marta – as palavras de Cristo: Uma só coisa é necessária.

A busca da santidade é a primeira coisa que se deve procurar nesta vida, a que sempre deve estar em primeiro lugar. Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o resto vos será dado por acréscimo 9, anunciou o Mestre em outra ocasião.

“Agradece ao Senhor o enorme bem que te outorgou ao fazer-te compreender que «uma só coisa é necessária». – E, juntamente com a gratidão, que não falte todos os dias a tua súplica pelos que ainda não O conhecem ou não O entenderam” 10. Que enorme alegria podermos ter sempre presente que o grande objetivo da nossa vida é crescer em amor a Jesus Cristo! Que felicidade podermos comunicá-lo a outros!

Peçamos à Virgem Maria que nunca percamos de vista o Senhor enquanto procuramos realizar com perfeição, acabadamente, as nossas tarefas profissionais.

(1) Lc 10, 38-42; (2) cfr. Jo 11, 1-45; 12, 1-9; (3) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos; (4) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 126; (5) João Paulo II, Exortação Apostólica Christifideles laici, 30.12.88, 59; (6) Sl 119, 97-99; (7) Cassiano, Colações, 1; (8) Santo Inácio de Antioquia, Epístola a São Policarpo; (9) Mt 6, 33; (10) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 454.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal