TEMPO COMUM. DÉCIMA NONA SEMANA. QUINTA‑FEIRA

– Os incontáveis benefícios do Senhor.
– A Missa é a ação de graças mais perfeita que se pode oferecer a Deus.
– Gratidão para com todos; perdoar sempre qualquer ofensa.

I. O REINO DOS CÉUS é semelhante a um rei que quis acertar as contas com os seus servos, lemos no Evangelho da Missa de hoje 1. Tendo dado início à sua tarefa, apresentou‑se‑lhe um que lhe devia dez mil talentos, uma soma imensa, impossível de ser paga.

Este primeiro devedor somos nós mesmos; a nossa dívida para com Deus é tão grande que nos é impossível pagá‑la. Devemos‑lhe o benefício de nos ter criado, preferindo‑nos a muitos outros que poderia ter chamado à existência em nosso lugar. Com a colaboração dos nossos pais, formou‑nos um corpo, para o qual criou diretamente uma alma imortal, irrepetível, destinada a ser eternamente feliz no Céu junto com o corpo. Estamos no mundo por um expresso desejo seu. Devemos‑lhe ainda a conservação na existência, pois sem Ele voltaríamos ao nada, como lhe devemos as energias e as qualidades do corpo e do espírito, a saúde, a vida e todos os bens que possuímos.

Acima desta ordem natural, estamos em dívida com o Senhor pelo benefício da Encarnação do seu Filho, pela Redenção, pela filiação divina que nos outorgou, pela possibilidade de participarmos da vida divina aqui na terra e mais tarde no Céu, com a glorificação da alma e do corpo. Devemos‑lhe o dom imenso de ser filhos da Igreja, na qual temos a alegria de poder receber os sacramentos e, de modo especial, a Sagrada Eucaristia. Na Igreja, pela Comunhão dos Santos, participamos das boas obras dos outros fiéis, recebemos a todo o momento incontáveis graças provenientes dos outros membros, dos que estão em oração ou daqueles que oferecem a Deus o seu trabalho ou a sua dor… Também recebemos continuamente o benefício dos santos que já estão no Céu, das almas do Purgatório e dos Anjos. Tudo isto nos chega pelas mãos de Santa Maria, nossa Mãe, e em última instância pela fonte inesgotável dos méritos infinitos de Cristo, nossa Cabeça 2, nosso Redentor e Mediador.

Devemos a Deus a graça com que contamos para praticar o bem, a constância nos propósitos, os desejos cada vez maiores de imitar Jesus Cristo, e todo o progresso nas virtudes. Devemos‑lhe de modo muito especial a graça imensa da vocação a que cada um de nós foi chamado, e da qual derivaram depois tantas outras graças e ajudas…

Na verdade, somos uns devedores insolventes, que não temos com que pagar. Só podemos adotar a atitude do servo da parábola: O servo, lançando‑se‑lhe aos pés, suplicava‑lhe: Tem paciência comigo, e eu te pagarei tudo. Como somos filhos de Deus, podemos aproximar‑nos dEle com uma confiança ilimitada. Os pais não se lembram dos empréstimos que um dia, por amor, fizeram aos seus filhos pequenos.

“Descansa na filiação divina. Deus é um Pai – o teu Pai! – cheio de ternura, de infinito amor.

“Chama‑lhe Pai muitas vezes, e diz‑lhe – a sós – que o amas, que o amas muitíssimo!: que sentes o orgulho e a força de ser seu filho” 3.

O nosso irmão mais velho, Jesus Cristo, paga de sobra por todos nós.

II. TEM PACIÊNCIA COMIGO, e eu te pagarei tudo…

Na Santa Missa, oferecemos com o sacerdote a hóstia pura, santa, imaculada: uma ação de graças de valor infinito, e a ela unimos a insuficiência do nosso pobre agradecimento: Recebei, ó Pai, esta oferenda, suplicamos todos os dias, como recebestes a oferta de Abel, o sacrifício de Abraão e os dons de Melquisedeque 4. Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, ó Pai todo‑poderoso, toda a honra e toda a glória agora e para sempre na unidade do Espírito Santo… Com Cristo, unidos a Ele, podemos dizer: Eu te pagarei tudo.

A Missa é a mais perfeita ação de graças que se pode oferecer a Deus. Toda a vida de Cristo foi uma ação de graças contínua ao Pai, numa atitude interior que se traduzia freqüentemente em palavras e gestos, como nos relatam os Evangelistas. Pai, dou‑te graças, porque me tens ouvido, exclama Jesus antes da ressurreição de Lázaro 5. E igualmente no milagre dos pães e dos peixes, dá graças antes de fazer repartir pela multidão o alimento multiplicado 6. Na Última Ceia, tomou o pão, deu graças, e o partiu […]; e, tomando o cálice, deu graças… 7

No milagre da cura dos leprosos, vê‑se claramente que o Senhor não é indiferente ao agradecimento: Não se encontrou quem voltasse e desse glória a Deus a não ser este estrangeiro? 8, pergunta com estranheza; ao mesmo tempo, não deixa de prevenir os seus discípulos sobre o pecado de ingratidão em que podem incorrer aqueles que, tendo recebido tantos benefícios, acabam por não agradecer nenhum, porque se acostumaram a recebê‑los e até a achar que lhes são devidos. Tudo é dom de Deus. Estar em sintonia com Deus implica acolher os seus favores com a gratidão de quem é consciente dos dons que recebe. Se conhecesses o dom de Deus, e quem é aquele que te diz: “Dá‑me de beber”, tu lhe pedirias e ele te daria da água viva 9, explica o Senhor à Samaritana, que estava a ponto de fechar‑se à graça 10.

O nosso agradecimento a Deus por tantas e tantas dádivas, que não podemos pagar, deve unir‑se à ação de graças de Cristo na Santa Missa. Como poderei retribuir ao Senhor por todos os benefícios que me fez? 11, podemos perguntar‑nos todos os dias com o Salmista. E não encontraremos melhor forma de fazê‑lo do que participando diariamente com mais atenção e piedade da Santa Missa, oferecendo ao Pai o sacrifício do Filho, ao qual – apesar de valermos tão pouco – uniremos a nossa oblação pessoal: Dignai‑vos, ó Pai, aceitar e santificar estas oferendas… 12, diremos com o coração cheio de alegria.

III. AINDA QUE TODA A MISSA seja ação de graças, esta ressalta especialmente no momento do Prefácio. Num especial clima de alegria, reconhecemos e proclamamos que na verdade, ó Pai, Deus eterno e todo‑poderoso, é nosso dever dar‑vos graças, é nossa salvação dar‑vos glória, em todo o tempo e lugar, por Cristo, Senhor Nosso.

Em todo o tempo e lugar… Esta deve ser a nossa atitude perante Deus: ser agradecidos em todo o momento, em qualquer circunstância, também quando nos custe entender algum acontecimento. “É muito grato a Deus o reconhecimento pela sua bondade que denota recitar um «Te Deum» de ação de graças, sempre que ocorre algum acontecimento um pouco extraordinário, sem dar importância a que seja – como o chama o mundo – favorável ou adverso: porque, vindo das suas mãos de Pai, mesmo que o golpe de cinzel fira a carne, é também uma prova de Amor, que tira as nossas arestas para nos aproximar da perfeição” 13. Tudo é um apelo contínuo ut in gratiarum actione semper maneamus…, para que permaneçamos sempre numa contínua ação de graças 14.

Ut in gratiarum actione semper maneamus… Devemos transpor para a nossa vida de cada dia esta atitude de agradecimento que temos para com Deus. Aproveitemos os acontecimentos pequenos do dia para nos mostrarmos agradecidos a todas as pessoas que nos prestam tantos serviços na vida familiar e de relação. Mostremo‑nos agradecidos a quem nos vende o jornal, ao funcionário que nos atende, ao motorista que nos deu preferência no trânsito de uma grande cidade…

Mas o Senhor mostra‑nos nesta passagem do Evangelho outro modo de saldarmos as nossas dívidas para com Ele: Deus quer que perdoemos e desculpemos as possíveis ofensas que os outros nos tenham feito, pois, no pior dos casos, a soma dessas ofensas não ultrapassa cem denários, algo completamente irrelevante em comparação com os dez mil talentos (uns sessenta milhões de denários) que devemos. Se soubermos desculpar as pequenas coisas dos demais (ou mesmo uma injúria grave), o Senhor não levará em conta a imensa dívida que temos com Ele. Esta é a condição que Jesus estabelece ao concluir a parábola. E é o que dizemos a Deus sempre que rezamos o Pai‑Nosso: Perdoai‑nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Quando desculpamos e esquecemos, imitamos o Senhor, pois “nada nos assemelha tanto a Deus como estarmos sempre dispostos a perdoar” 15.

Terminamos a nossa meditação com uma oração muito freqüente no povo cristão: Dou‑vos graças, meu Deus, por me terdes criado, feito cristão e conservado neste dia. Perdoai‑me as faltas que hoje cometi e, se algum bem fiz, aceitai‑o. Guardai‑me durante o repouso e livrai‑me dos perigos. A vossa graça seja sempre comigo e com todos os que me são caros.

(1) Mt 18, 23‑35; (2) cfr. São Tomás, Suma Teológica, III, q. 8; (3) Josemaría Escrivá, Forja, n. 331; (4) Missal Romano, Oração Eucarística I; (5) Jo 11, 41; (6) cfr. Mt 15, 36; (7) Lc 22, 19; Mt 26, 17; (8) Lc 17, 18; (9) Jo 4, 10; (10) cfr. J. M. Pero‑Sanz, La hora sexta, Rialp, Madrid, 1978, pág. 267; (11) Sl 115, 2; (12) Missal Romano, op. cit.; (13) Josemaría Escrivá, op. cit., n. 609; (14) Missal Romano, Oração depois da Comunhão na festa de São Justino; (15) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 19, 7.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal