TEMPO COMUM. OITAVA SEMANA. SÁBADO
– O direito e o dever de todo o fiel cristão de fazer apostolado provêm da sua união com Cristo.
I. ENQUANTO JESUS PASSEAVA pelos átrios do Templo, aproximaram-se dEle os sumos sacerdotes e os doutores da lei e perguntaram-lhe: Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te deu poder para as fazeres?1 Talvez por não estarem dispostos a escutar, o Senhor acabou por deixá-los sem resposta.
Mas nós sabemos que Jesus Cristo é o soberano Senhor do universo, pois por Ele foram criadas todas as coisas, no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis… Tudo foi criado por Ele e para Ele, e Ele próprio reconciliou todos os seres consigo, restabelecendo a paz por meio do seu sangue derramado na Cruz2. Nada do universo ficou fora da soberania e do influxo pacificador de Cristo. Foi-me dado todo o poder… Ele tem a plenitude do poder nos céus e na terra, incluído o de evangelizar e levar a salvação a cada povo e a cada homem.
E foi o próprio Senhor quem nos chamou a participar dessa sua missão, confiando-nos a tarefa de estender o seu reino, reino de verdade e de vida, reino de santidade, reino de justiça e de paz3: “Somos Cristo que passa pelo caminho dos homens do mundo”4.
Para porem a vida a serviço dos outros, os fiéis leigos não necessitam, pois, de nenhum outro título fora o da sua vocação de cristãos, recebida no sacramento do Batismo. Isso já é motivo suficiente. “O dever e o direito do leigo ao apostolado provêm da sua união com Cristo Cabeça. Inseridos pelo Batismo no Corpo Místico de Cristo, robustecidos pela Confirmação na fortaleza do Espírito Santo, é o próprio Senhor quem os destina ao apostolado”5, diz o Concílio Vaticano II.
Temos o direito de intervir na vida dos outros, porque em todos nós circula a mesma vida de Cristo. E se um membro adoece, ou fica anêmico, ou está a ponto de morrer, todo o corpo se ressente: Cristo sofre, e sofrem também os membros sadios do corpo, já que “todos os homens são um em Cristo”6.
O direito de influir na vida dos outros torna-se assim um agradável dever para cada cristão, sem que ninguém se possa considerar dispensado ou excluído do seu cumprimento, por muito particular que seja a sua situação na vida. Jesus “não nos pede licença para nos «complicar a vida». Mete-se e… pronto!”7 E todos os que querem ser seus discípulos devem fazer o mesmo com aqueles que os acompanham pelas sendas da vida.
– Afastar as desculpas que nos possam impedir de “entrar” na vida dos outros.
II. NÃO TEM, POIS, nenhum cabimento que alguém nos pergunte: “– Com que direito você se mete na vida dos outros? – Quem lhe deu licença para falar de Cristo, da sua doutrina, das suas exigências?” Nem se explica que nós mesmos tenhamos a tentação de nos perguntarmos: – “Quem me mandou meter-me nisto?” Então “teria de responder-te: quem te manda – quem te pede – é o próprio Cristo. A messe é grande, e os operários, poucos. Rogai, pois, ao dono da messe que mande operários para a sua messe (Mt 9, 37-38). Não concluas comodamente: eu não sirvo para isso, para isso já há outros; essas tarefas me são estranhas. Não, para isso não há outros; se tu pudesses falar assim, todos poderiam dizer o mesmo. O pedido de Cristo dirige-se a todos e a cada um dos cristãos. Ninguém está dispensado, nem por razões de idade, nem de saúde, nem de ocupação. Não há desculpas de nenhum gênero. Ou produzimos frutos de apostolado ou a nossa fé será estéril”8.
A Igreja anima-nos a dar a conhecer Cristo, sem desculpas nem pretextos, com alegria, em todas as idades da vida. O Concílio Vaticano II pormenoriza: “Os jovens devem converter-se nos primeiros e imediatos apóstolos dos jovens, exercendo o seu apostolado pessoal entre os seus próprios companheiros […]. Também as crianças têm a sua própria atividade apostólica. De acordo com a sua capacidade, são testemunhas vivas de Cristo entre os seus companheiros”9.
Os jovens, as crianças, os anciãos, os doentes, os que estão desempregados ou então cheios de um trabalho florescente…, todos devem ser apóstolos que dão a conhecer Cristo com o testemunho do seu exemplo e com a sua palavra. Que bons alto-falantes pode ter Deus no meio do mundo! Ele nos diz a todos: Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho…10 O Senhor envia-nos!
O amor de Cristo leva-nos ao amor do próximo: a vocação que recebemos incita-nos a pensar nos outros, a não temer os sacrifícios que um amor operante traz consigo, pois “não há sinal e marca que mais distinga o cristão e aquele que ama a Cristo do que a solicitude pelos seus irmãos e o zelo pela salvação das almas”11. Por isso, a preocupação de dar a conhecer o Mestre é o indicador que assinala a sinceridade de vida do discípulo e a firmeza com que segue o seu Senhor. Se alguma vez notássemos que a salvação das almas não nos preocupa, que as almas dos outros não nos pesam, que o seu afastamento de Deus nos deixa indiferentes, que as suas necessidades espirituais não provocam uma reação na nossa alma, isso seria sinal de que a nossa caridade se esfriou, pois não dá calor aos que estão ao nosso lado. O apostolado não é algo acrescentado ou superposto à atividade normal do cristão; é a sua própria vida cristã, que tem como manifestação natural o interesse apostólico pelos familiares, colegas, amigos…
– Jesus envia-nos agora, tal como enviou os seus discípulos no começo.
III. COM QUE AUTORIDADE fazes estas coisas?…, perguntavam aqueles fariseus a Jesus. Não era esse o momento oportuno para lhes revelar de onde provinha o seu poder. Dá-lo-ia a conhecer mais tarde aos seus discípulos: Todo o poder me foi dado no céu e na terra12. A autoridade de Jesus não provém dos homens, mas de ter sido constituído por Deus Pai “herdeiro universal de todas as coisas (cfr. Hebr 1, 2), a fim de ser Mestre, Rei e Sacerdote de todos, Cabeça do Povo novo e universal dos filhos de Deus”13.
A Igreja inteira participa desse poder, e, com ela, cada um dos seus membros. Compete a todos os cristãos a tarefa de prosseguir no mundo a obra de Cristo. E Jesus apressa-nos, pois “os homens são chamados à vida eterna. São chamados à salvação. Tendes consciência disso? Tendes consciência […] de que todos os homens são chamados a viver com Deus e de que sem Ele perdem a chave do «mistério» de si próprios?”, dizia João Paulo II em Lisboa14.
Jesus envia-nos tal como enviou dois dos seus discípulos à aldeia vizinha em busca de um burrinho que estava atado e que ninguém ainda havia montado. Mandou-lhes que o desatassem e lho trouxessem, pois deveria ser a cavalgadura em que entraria triunfante em Jerusalém. E indicou-lhes que, se alguém lhes perguntasse o que faziam com ele, lhe dissessem que o Senhor precisava do animal15. Aqueles dois foram, pois, e efetivamente encontraram o burrinho tal como o Senhor lhes havia dito. Ao desatá-lo, os seus donos disseram-lhes: Por que desatais o burrinho? Eles responderam: Porque o Senhor precisa dele16. Agiram em nome do Senhor e para o Senhor, não por conta própria nem para obter um benefício pessoal. Cumpriram uma indicação e fizeram o que se deve fazer em todo o apostolado: Levaram o burrinho a Jesus17.
Santo Ambrósio, ao explicar esta passagem, salienta três aspectos: a ordem de Jesus, o poder divino com que foi executada, e o modo exemplar de vida e de intimidade com o Mestre dos que a cumpriram18. E a propósito dessas palavras o Bem-aventurado Josemaría Escrivá tece este comentário: “Como se ajustam admiravelmente aos filhos de Deus estas palavras de Santo Ambrósio! Fala do burrico atado com a jumenta, de que Jesus necessitava para o seu triunfo, e comenta:
«Só uma ordem do Senhor podia desatá-lo. Soltaram-no as mãos dos Apóstolos. Para semelhante fato, requerem-se um modo de viver e uma graça especial. Sê tu também apóstolo, para poderes libertar os que estão cativos».
“Deixa-me que te glose novamente este texto: quantas vezes, a mando de Jesus, não teremos de soltar os grilhões das almas, porque Ele necessitará delas para o seu triunfo! Que sejam de apóstolos as nossas mãos, e as nossas ações, e a nossa vida… Então Deus nos dará também graça de apóstolo, para quebrarmos os ferros dos agrilhoados”19, de tantos que continuam atados enquanto o Senhor espera.
(1) Mc 11, 27-33; (2) cfr. Col 1, 17-20; (3) Missal Romano, Prefácio de Cristo Rei; (4) Josemaría Escrivá, Carta, 8-XII-1941; (5) Conc. Vat. II, Decr. Apostolicam actuositatem, 3; (6) Santo Agostinho, Comentário ao salmo 39; (7) cfr. Josemaría Escrivá, Forja, n. 902; (8) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 272; (9) Conc. Vat. II, op. cit., 12; (10) cfr. Mc 16, 15; (11) São João Crisóstomo, Homilias sobre o incompreensível, 6, 3; (12) Mt 28, 19; (13) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 13; (14) João Paulo II, Homilia, Lisboa, 14-V-1982; (15) cfr. Lc 19, 29-31; (16) Lc 19, 33-34; (17) Lc 19, 35; (18) cfr. Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas; (19) Josemaría Escrivá, Forja, n. 672.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.