TEMPO DO ADVENTO. 23 DE DEZEMBRO
– O Natal convida-nos a viver a pobreza pregada e vivida pelo Senhor. O exemplo de Jesus.
– Em que consiste a pobreza evangélica.
– Detalhes de pobreza e modo de vivê-la.
I. O EFETIVO DESPRENDIMENTO daquilo que somos e possuímos é necessário para seguirmos Jesus, para abrirmos a alma ao Senhor que passa e nos chama pelo nosso nome. Pelo contrário, o apego aos bens da terra fecha as portas a Cristo e fecha-nos as portas ao amor e ao entendimento daquilo que é o mais essencial na nossa vida: Qualquer um de vós que não renuncie a tudo o que possui não pode ser meu discípulo 1.
O nascimento de Jesus, como toda a sua vida, é um convite para que examinemos nestes dias a atitude do nosso coração em relação aos bens da terra. O Senhor, Unigênito do Pai, Redentor do mundo, não nasce num palácio, mas numa gruta; não numa grande cidade, mas numa aldeia perdida, em Belém. Não teve um berço, mas uma manjedoura. A fuga precipitada para o Egito foi para a Sagrada Família a experiência do exílio numa terra estranha, com poucos meios de subsistência além dos braços acostumados ao trabalho de José. Durante a sua vida pública, Jesus passará fome 2 e não disporá de duas pequenas moedas de pouco valor para pagar o tributo do Templo 3. Ele próprio dirá que o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça 4. A morte na Cruz é a demonstração do seu supremo desprendimento. O Senhor quis conhecer o rigor da pobreza extrema – carência do necessário – especialmente nas horas mais importantes da sua vida.
A pobreza que o Senhor nos pede a todos não é sujeira, nem miséria, nem desleixo, nem preguiça. Essas coisas não são virtude. A pobreza que o cristão tem que viver deve ser uma pobreza ligada ao trabalho, ao cuidado da casa e dos instrumentos de trabalho, à ajuda aos outros, à sobriedade de vida. Por isso já se disse que “foram sempre o melhor exemplo de pobreza esses pais e essas mães de família numerosa e pobre que se desfazem pelos filhos e que os mantêm com o seu esforço e constância – muitas vezes sem voz para dizer a ninguém que passam necessidades –, criando um lar alegre onde todos aprendem a amar, a servir, a trabalhar” 5.
Quando se dispõe de recursos de fortuna, também é possível viver como “esses pais e essas mães de família numerosa e pobre” e usar desses meios materiais para fazer o bem, porque “a pobreza que Jesus declarou bem-aventurada é aquela que se baseia no desprendimento, na confiança em Deus, na sobriedade e na disposição de compartilhar com os outros” 6.
Para vivermos o desprendimento dos bens, no meio da onda de materialismo que parece submergir a humanidade, temos que olhar para o nosso Modelo, Jesus Cristo, que se fez pobre por amor de nós, para que vós fôsseis ricos pela sua pobreza 7.
Jesus Cristo, se fez pobre por amor de nós, para que vós fôsseis ricos pela sua pobreza 7.
II. OS POBRES a quem o Senhor promete o Reino dos céus 8 não são todos os que padecem necessidade, mas aqueles que, tendo ou não bens materiais, não se sentem presos a eles. É uma pobreza segundo o espírito, que deve ser vivida em qualquer circunstância da vida. Eu sei viver na abundância – dizia São Paulo – e sei viver na fome e na escassez 9.
O homem pode orientar a sua vida para Deus, usando de todas as coisas materiais como meios, ou pode ter como fim o dinheiro e a riqueza nas suas múltiplas manifestações: desejos de luxo, de comodidade desmedida, ambição, cobiça… São dois fins inconciliáveis: Não se pode servir a dois senhores10. O amor à riqueza desaloja violentamente o amor a Deus: não é possível que Deus possa habitar um coração que já está cheio de outro amor. A palavra divina fica afogada no coração do rico, como a semente que cai entre espinhos11. Por isso não nos surpreende ouvir o Senhor ensinar que é mais fácil a um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que a um rico entrar no Reino dos céus 12. E como é fácil, se não se está vigilante, que o espírito de riqueza invada o coração!
A Igreja tem-nos recordado sempre, desde o seu início até os nossos dias, que o cristão deve estar de sobreaviso quanto ao modo de utilizar os bens materiais, e “chama a atenção dos seus filhos para que cuidem de orientar retamente os seus afetos, a fim de que não aconteça que o uso das coisas do mundo e o apego às riquezas, contrário ao espírito de pobreza evangélica, os impeça de alcançar a caridade perfeita. Lembra-lhes a advertência do Apóstolo: Os que usam deste mundo não se detenham nele, porque os atrativos deste mundo passam (cfr. 1 Cor 7, 31)” 13. Quem se apega às coisas da terra não só perverte o seu uso reto e destrói a ordem estabelecida por Deus, mas, além disso, fica com a alma insatisfeita, prisioneira desses bens materiais que a tornam incapaz de amar verdadeiramente a Deus.
O estilo de vida cristão exige uma mudança radical de atitude em relação aos bens terrenos: estes devem ser procurados e usados não como se fossem um fim, mas enquanto meios para servir a Deus. Como meios que são, não merecem que se ponha neles o coração; são outros os bens autênticos.
Devemos recordar na nossa oração que o desprendimento exige sacrifício. Se o desprendimento não custa, é porque não é bem vivido. E manifesta-se freqüentemente em saber prescindir do supérfluo, em lutar contra a tendência desordenada para o bem-estar e para a comodidade, em evitar caprichos, em renunciar ao luxo e aos gastos feitos por pura vaidade, etc.
É tão importante esta virtude para um cristão, que bem se pode dizer que “quem não ama e vive a virtude da pobreza não tem o espírito de Cristo. E isto é válido para todos: tanto para o anacoreta que se retira para o deserto, como para o simples cristão que vive no meio da sociedade humana, usando dos recursos deste mundo ou carecendo de muitos deles…” 14
III. O CORAÇÃO HUMANO tende a buscar os bens da terra de uma maneira desmedida; se não empreender, pois, uma luta real por viver desprendido das coisas, pode-se afirmar que, de modo mais ou menos consciente, colocou o seu fim nas coisas da terra. E o cristão não deve esquecer nunca que caminha para Deus.
Devemos, portanto, examinar-nos com freqüência, perguntando-nos se amamos a virtude da pobreza e se a vivemos; se cuidamos de não cair no excesso de conforto ou num aburguesamento que é incompatível com a nossa condição de discípulos de Cristo; se estamos desprendidos das coisas da terra; se as possuímos, enfim, como meios para fazer o bem e viver cada vez mais perto de Deus.
Podemos e devemos sempre ser comedidos nas necessidades pessoais, vigiando a tendência para criar falsas necessidades e sendo generosos na esmola e na ajuda a obras boas. Devemos cuidar com esmero das coisas do nosso lar, bem como de todo o tipo de bens que nos venham parar às mãos, pois, na realidade, só os possuímos como que em depósito, para administrá-los bem. “Pobreza é o verdadeiro desprendimento das coisas terrenas, é enfrentar com alegria as incomodidades, se as há, ou a falta de meios […]. Viver pensando nos outros, usar as coisas de tal maneira que haja algo para oferecer aos outros – tudo isso são dimensões da pobreza que garantem o desprendimento efetivo” 15.
É desta e de muitas outras formas que se manifesta o nosso desejo de não ter o coração posto nas riquezas, mesmo quando, pela profissão que exercemos, dispomos para nosso uso pessoal de outros bens. A sobriedade de que dermos provas então será o bom aroma de Cristo, que deve acompanhar sempre a vida de um cristão.
Dirigindo-se a homens e mulheres que se esforçam por alcançar a santidade no meio do mundo – comerciantes, professores universitários, camponeses, empregados de escritório, pais e mães de família – dizia o Bem-aventurado Josemaría Escrivá: “Todo o cristão corrente tem que tornar compatíveis na sua vida dois aspectos que, à primeira vista, podem parecer contraditórios: pobreza real, que se note e que se toque – feita de coisas concretas –, que seja uma profissão de fé em Deus, uma manifestação de que o coração não se satisfaz com coisas criadas, mas aspira ao Criador, desejando encher-se do amor de Deus e depois dar a todos desse mesmo amor; e, ao mesmo tempo, ser mais um entre os seus irmãos os homens, de cuja vida participa, com quem se alegra, com quem colabora, amando o mundo e todas as coisas criadas, a fim de resolver os problemas da vida humana e estabelecer o ambiente espiritual e material que facilite o desenvolvimento das pessoas e das comunidades. Conseguir a síntese entre esses dois aspectos é – em boa parte – questão pessoal, questão de vida interior, para julgar em cada momento, para encontrar em cada caso o que Deus pede” 16.
Se lutarmos eficazmente por viver desprendidos do que temos e usamos, o Senhor encontrará o nosso coração limpo e completamente aberto quando vier novamente a nós neste Natal. Não acontecerá com a nossa alma o que aconteceu naquela pousada: estava cheia e não tinham lugar para o Senhor.
(1) Lc 14, 33; (2) cfr. Mt 4, 2; (3) cfr. Mt 17, 23-26; (4) Mt 8, 20; (5) São Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, 3ª ed., Quadrante, São Paulo, 1986, n. 111; (6) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Sobre a liberdade cristã e a libertação, 22-III-1986, 66; (7) 2 Cor 8, 9; (8) Mt 5, 3; (9) Fil 4, 12; (10) Mt 6, 24; (11) Mt 13, 7; (12) Mt 19, 24; (13) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 42; (14) São Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, n. 110; (15) ibid., n. 111; (16) ibid., n. 110.
Fonte: Livro “Hablar con Dios”, de Francisco Fernández Carvajal