TEMPO PASCAL. QUINTA SEMANA. TERÇA-FEIRA
– O Senhor comunica a sua paz aos discípulos.
– A verdadeira paz é fruto do Espírito Santo. Missão de pacificar o mundo, a começar pela nossa própria alma, pela família, pelo lugar do trabalho…
– Semeadores de paz e de alegria.
I. O EVANGELHO DA MISSA refere uma das promessas que Jesus fez aos seus discípulos mais íntimos na Última Ceia, e que se cumpririam após a Ressurreição: Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo 1. E depois, na mesma Ceia, repetiu-lhes: Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em mim. No mundo haveis de ter aflições, mas confiai: Eu venci o mundo 2.
Agora, depois da Ressurreição, Jesus apresenta-se diante deles e diz-lhes: Pax vobis! A paz esteja convosco 3. Di-lo sem dúvida com o mesmo acento inesquecível das outras ocasiões. E com essa saudação amistosa dissipam-se o temor e a vergonha que vinham pesando sobre os Apóstolos depois de se terem comportado covardemente durante a Paixão. Com essa saudação, com essa expressão acolhedora, restabelecia-se o ambiente de intimidade em que Jesus lhes comunicava a sua própria paz.
Desejar a paz era a forma usual de saudação entre os hebreus. Os Apóstolos mantiveram essa prática, conforme vemos pelas suas cartas 4, e o mesmo fizeram os primeiros cristãos, segundo consta das inscrições que nos deixaram. A Igreja utiliza-a na liturgia em determinadas ocasiões, como, por exemplo, antes da Comunhão: o celebrante deseja a paz aos presentes, como condição para participarem dignamente do Santo Sacrifício 5. Pax Domini, a paz do Senhor.
Ao longo dos séculos, os cristãos souberam preservar e revestir de uma intenção mais profunda essas mesmas fórmulas de saudação, impregnando-as de um sentido sobrenatural que as fazia calar profundamente no povo e servir-lhes de veículo para praticarem o bem, bem como de sinal externo de uma sociedade que tinha o coração cristão.
Nos nossos dias, parece que se vai perdendo esse reflexo de Deus nas nossas saudações costumeiras. Não obstante, pode ser-nos de grande utilidade para a vida espiritual pôr um especial empenho em preservar e vivificar o sentido cristão nessas ocasiões, pois isso contribuirá para experimentarmos uma presença de Deus mais intensa no nosso relacionamento.
Se nos acostumarmos, por exemplo, a cumprimentar o Anjo da Guarda das pessoas com quem nos encontramos, ser-nos-á fácil e simples dar um tom mais elevado à nossa conversa com elas. Não percamos o sentido sobrenatural nas situações habituais do dia-a-dia: “E disse-lhes: A paz esteja convosco. Deveria dar-nos vergonha – diz São Gregório Nazianzeno – prescindir da saudação da paz que o Senhor nos deixou quando ia partir deste mundo” 6. Sejam quais forem as palavras com que cumprimentamos habitualmente as pessoas, sempre podem servir-nos de meio para vivermos melhor a fraternidade com elas, para rezar por elas e dar-lhes paz e alegria, como o Senhor fez com os seus discípulos.
“Pois assim que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio (Lc 1, 44) […]. O sobressalto de alegria sentido por Isabel sublinha o dom que pode estar contido numa simples saudação, quando parte de um coração cheio de Deus. Quantas vezes as trevas da solidão, que oprimem uma alma, podem desfazer-se sob o raio luminoso de um sorriso ou de uma palavra amável!” 7
II. A SAUDAÇÃO HABITUAL do povo hebreu cobra nos lábios de Cristo o seu sentido mais profundo, pois a paz era um dos dons messiânicos por excelência 8. Era freqüente que o Senhor se despedisse daqueles a quem tinha feito algum bem com estas palavras: Vai em paz 9. Confia aos discípulos uma missão de paz. Em toda a casa em que entrardes, dizei primeiro: Paz a esta casa 10.
Desejar a paz aos outros, promovê-la ao nosso redor, é um grande bem humano e, quando animado pela caridade, é também um grande bem sobrenatural. Ter paz na alma – condição para poder comunicá-la – é sinal certo de que Deus está perto; é, além disso, um fruto do Espírito Santo 11. São Paulo exortava com freqüência os primeiros cristãos a viverem com paz e alegria: Vivei com alegria […], vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco 12.
A verdadeira paz é fruto da santidade, do amor a Deus, da luta por não deixar apagar esse amor sob o peso das tendências desordenadas e dos pecados. Quando se ama a Deus, a alma converte-se numa árvore boa que se dá a conhecer pelos seus frutos.
As ações que realiza revelam a presença do Paráclito e, na medida em que causam uma alegria espiritual, chamam-se frutos do Espírito Santo 13. Um desses frutos é precisamente a paz de Deus que ultrapassa todo o conhecimento 14, a mesma que Jesus Cristo desejou aos Apóstolos e aos cristãos de todos os tempos. “Quando Deus te visitar, hás de sentir a verdade daquelas saudações: «Dou-vos a paz…, deixo-vos a paz…, a paz seja convosco…» E isto, no meio da tribulação” 15.
A verdadeira paz é a “tranqüilidade na ordem” 16; ordem nas relações com Deus e ordem nas relações com os outros. Se mantivermos essa ordem, teremos paz e poderemos comunicá-la. A ordem nas relações com Deus pressupõe o desejo firme de desterrar da vida todo o pecado e de ter Cristo como centro da existência. A ordem nas relações com o próximo leva em primeiro lugar a viver esmeradamente as exigências da justiça (nos atos, nas palavras, nos juízos), pois a paz é obra da justiça 17. E, além da justiça, a misericórdia, que incita em tantas ocasiões a ajudar, a consolar, a amparar os que necessitam de apoio. “Onde há amor à justiça, onde há respeito pela dignidade da pessoa humana, onde não se procura o capricho próprio ou a própria utilidade, mas o serviço a Deus e aos homens, ali há paz” 18.
O Senhor confiou-nos a missão de pacificar a terra, a começar pela nossa própria alma, pela família, pelos colegas de trabalho… A paz numa família ou numa comunidade não consiste na mera ausência de brigas e disputas, o que às vezes poderia ser apenas um sinal de indiferença mútua. A paz consiste na harmonia que leva ao entendimento mútuo e a um clima de colaboração; a paz verdadeira leva à preocupação pelos outros, pelos seus projetos, pelos seus interesses, pelas suas penas. No meio de um mundo que parece afastar-se cada vez mais dessa paz, o Senhor pede-nos a nós, cristãos, que deixemos um rasto de serenidade e alegria por onde quer que passemos.
III. CRISTO É A NOSSA PAZ 19. Disse-o Ele há vinte séculos: Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. E repete-o a cada um de nós, para que o apregoemos com a nossa vida por todo o mundo, por esse mundo, talvez pequeno, em que decorre diariamente a nossa existência.
Uma boa parte do nosso apostolado consistirá em levar serenidade e alegria às pessoas que nos rodeiam, com tanta maior urgência quanto maiores forem a inquietação e a tristeza que encontremos à nossa passagem. “Dever de cada cristão é levar a paz e a felicidade pelos diversos ambientes da terra, numa cruzada de fortaleza e de alegria, que sacuda até os corações murchos e apodrecidos, e os levante para Ele” 20.
As pessoas deveriam poder recordar cada cristão como homem ou mulher que – embora tenha passado por sofrimentos e provas como os outros – ofereceu ao mundo uma imagem sorridente e sacrificada, amável e serena, porque viveu como um filho de Deus. Este pode ser o propósito da nossa oração de hoje: “Que ninguém leia tristeza nem dor na tua cara, quando difundes pelo ambiente do mundo o aroma do teu sacrifício: os filhos de Deus têm que ser sempre semeadores de paz e de alegria” 21. Isto só é possível quando somos conscientes da nossa filiação divina.
Sabermo-nos filhos de Deus dar-nos-á uma paz firme, não sujeita aos vaivéns do sentimento ou dos incidentes de cada dia. Manter essa disposição aberta e amistosa perante os outros exigirá de nós que lutemos seriamente contra as possíveis antipatias, que têm a sua origem num relacionamento pouco sobrenatural; contra as asperezas do caráter, que destroem a paz do ambiente e que são indício de falta de espírito de sacrifício; contra o egoísmo e o comodismo, que são sérios obstáculos para a amizade e para a ação apostólica.
Recorramos à Virgem, nossa Mãe, para não perdermos nunca a alegria e a serenidade. “Santa Maria é – assim a invoca a Igreja – a Rainha da paz. Por isso, quando se conturba a alma – ou o ambiente familiar ou profissional, ou a convivência na sociedade ou entre os povos –, não cesses de aclamá-la com esse título: Regina pacis, ora pro nobis! Rainha da paz, rogai por nós! Experimentaste fazê-lo, ao menos, quando perdes a tranqüilidade?… – Ficarás surpreso com a sua eficácia imediata” 22.
(1) Jo 14, 27; (2) Jo 16, 33; (3) Jo 20, 19-21; (4) cfr. 1 Pe 1, 3; Rom 1, 7; (5) cfr. Mt 5, 23; (6) São Gregório Nazianceno, Catena Aurea, VI; (7) João Paulo II, Hom. em Roma, 11-II-1981; (8) cfr. Is 9, 7; Miq 5, 5; (9) cfr. Lc 7, 50; 8, 48; (10) Lc 10, 6; (11) Gal 5, 22; (12) 2 Cor 13, 11; (13) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 1-2, q. 70, a. 1; (14) Fil 4, 7; (15) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 258; (16) Santo Agostinho, A cidade de Deus, 19, 13, 1; (17) Is 32, 17; (18) A. del Portillo, Homilia, 30-III-1985; (19) Ef 2, 14; (20) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 92; (21) ib., n. 59; (22) ib., n. 874.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal