– No caminho de Damasco.
– A figura de São Paulo, exemplo de esperança. Correspondência à graça.
– Ânsia de almas.
A festa da conversão do “Apóstolo das Gentes” encerra o oitavário pela unidade dos cristãos. A graça de Deus converte São Paulo de perseguidor dos cristãos em mensageiro de Cristo. Este fato ensina-nos que a fé tem a sua origem na graça e se apóia na livre correspondência humana, e que o melhor modo de acelerar a unidade dos cristãos consiste em fomentar todos os dias a conversão pessoal.
I. SEI EM QUEM ACREDITEI; e estou certo de que o justo juiz conservará a minha fé até o dia da sua vinda1.
Paulo, grande defensor da Lei de Moisés, considerava os cristãos como o maior perigo para o judaísmo; por isso, dedicava todas as suas energias a perseguir a Igreja nascente. A primeira vez em que aparece nos Atos dos Apóstolos, verdadeira história da primitiva cristandade, vemo-lo presenciando o martírio de Estêvão, o protomártir cristão2. Santo Agostinho faz notar a eficácia da oração de Estêvão pelo seu jovem perseguidor3. Mais tarde, Paulo dirige-se a Damasco, a fim de que, se ali achasse quem seguisse este caminho, fossem homens ou mulheres, os levasse presos a Jerusalém4. O cristianismo tinha-se estendido rapidamente, graças à ação do Espírito Santo e ao intenso proselitismo dos novos fiéis, mesmo nas condições mais adversas: Os que se haviam dispersado iam por toda parte pregando a palavra5.
Paulo dirigia-se a Damasco respirando ameaças de morte contra os discípulos do Senhor; mas Deus tinha outros planos para aquele homem de grande coração. E estando já perto da cidade, por volta do meio-dia, de repente viu-se rodeado de uma luz refulgente que vinha do céu; e caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Respondeu ele: Quem és tu, Senhor? E Ele: Eu sou Jesus, a quem tu persegues6. E a seguir veio a pergunta fundamental de Saulo, que era já fruto da sua conversão e que marcava o caminho da entrega: Que devo fazer, Senhor?7 Paulo já é outro homem. Num instante, viu tudo a uma luz absolutamente clara, e a fé leva-o à disponibilidade total em relação aos planos de Deus. Que devo fazer de agora em diante?, o que esperas de mim?
Muitas vezes, talvez quando mais longe estávamos, o Senhor quis voltar a entrar profundamente na nossa vida e manifestou-nos esses planos grandes e maravilhosos que tem sobre cada homem, sobre cada mulher. “Deus seja louvado!, dizias de ti para ti depois de terminares a tua Confissão sacramental. E pensavas: é como se tivesse voltado a nascer.
“Depois, prosseguiste com serenidade: «Domine, quid me vis facere?» – Senhor, que queres que eu faça? “– E tu mesmo te deste a resposta: – Com a tua graça, por cima de tudo e de todos, cumprirei a tua Santíssima Vontade: «Serviam!» – eu te servirei sem condições!”8 Repetimo-lo agora uma vez mais. Já o dissemos tantas vezes, em tons tão diversos! Serviam! Com a tua ajuda, eu te servirei sempre, Senhor.
II. VIVO NA FÉ do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim9. Sempre recordaremos esses instantes em que Jesus, talvez inesperadamente, nos deteve no nosso caminho para dizer-nos que desejava entrar no nosso coração. São Paulo nunca esqueceu esse momento único em que se encontrou pessoalmente com Cristo ressuscitado: no caminho de Damasco…, indica várias vezes, como se dissesse: ali começou tudo. Noutros momentos, menciona que esse foi o instante decisivo da sua existência. Por último, depois de todos, foi também visto por mim, como por um aborto10.
A vida de São Paulo é um apelo à esperança, pois “quem dirá, sob o peso das suas faltas: «Eu não posso vencer-me», quando […] o perseguidor dos cristãos se transformou em propagador da doutrina deles?”11 Essa mesma eficácia continua a operar hoje nos corações. Mas a vontade do Senhor de curar-nos e converter-nos em apóstolos no lugar onde trabalhamos e onde vivemos precisa da nossa correspondência; a graça de Deus é suficiente, mas é necessária a colaboração do homem, como no caso de São Paulo, porque o Senhor quer contar com a nossa liberdade. Comentando as palavras do Apóstolo – não eu, mas a graça de Deus em mim –, Santo Agostinho sublinha: “Quer dizer, não eu sozinho, mas a graça de Deus comigo; e, por isso, nem a graça de Deus sozinha, nem ele só, mas a graça de Deus com ele”12.
Contar sempre com a graça levar-nos-á a nunca desanimar, apesar de experimentarmos constantemente a inclinação para o pecado, os defeitos que não acabam de desaparecer, as fraquezas e mesmo as quedas. O Senhor chama-nos continuamente a uma nova conversão e temos que pedir com perseverança a graça de estar sempre começando, atitude que nos leva a percorrer com paz e alegria o caminho que conduz a Deus e que mantém em todos os momentos a juventude do coração.
Mas é necessário que correspondamos nesses momentos bem precisos em que, como São Paulo, diremos a Jesus: Senhor, que queres que eu faça?, em que coisas devo lutar mais?, que coisas devo mudar? É necessário – escreve Santa Teresa – “encontrar forças de novo para servir, e procurar não ser ingratos, pois é com essa condição que o Senhor as dá. Se não usarmos bem dos seus tesouros e do alto estado em que nos põe, Ele no-los tornará a tomar e ficaremos muito mais pobres; e Sua Majestade dará as jóias a quem as preze e tire proveito delas para si e para outros”13.
Senhor, que queres que eu faça? Se pronunciarmos estas palavras com o coração – como uma jaculatória – muitas vezes ao dia, Jesus nos dará luzes e nos manifestará esses pontos em que o nosso amor se deteve ou não avança como Deus deseja.
III. SEI EM QUEM ACREDITEI… Estas palavras explicam toda a vida posterior de São Paulo. Conheceu o Senhor, e desde esse momento todas as outras coisas são como uma sombra, em comparação com essa inefável realidade. Nada tem já algum valor se não é em Cristo e por Cristo. “A única coisa que temia era ofender a Deus; o resto não o preocupava. Por isso mesmo, a única coisa que desejava era ser fiel ao seu Senhor e dá-lo a conhecer a todos os povos”14. É o que nós desejamos, a única coisa que queremos.
Paulo converte-se a Deus de todo o coração, e o mesmo ímpeto com que antes perseguia os cristãos, põe-no agora, aumentado e fortalecido pela graça, a serviço do grandioso ideal que acaba de descobrir. Tomará como própria a mensagem que os outros Apóstolos receberam e que o Evangelho da Missa nos transmite: Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a todas as criaturas15. Paulo aceitou esse compromisso e fez dele a razão da sua vida. “A sua conversão consistiu precisamente nisto: em ter aceitado que Cristo, a quem encontrou no caminho de Damasco, entrasse na sua existência e a orientasse para um único fim: o anúncio do Evangelho. Eu sou devedor tanto aos gregos como aos bárbaros, tanto aos sábios como aos ignorantes… Pois não me envergonho do Evangelho, que é virtude de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rom 1, 13-16)”16.
Sei em quem acreditei… Por Cristo, Paulo enfrentará riscos e perigos sem conta, sobrepor-se-á continuamente à fadiga, ao cansaço, aos aparentes fracassos da sua missão, aos temores, desde que possa conquistar almas para Deus. Cinco vezes recebi dos judeus quarenta açoites menos um; três vezes fui açoitado com varas; uma vez fui apedrejado; três vezes naufraguei; um dia e uma noite passei perdido no alto mar. Nas minhas freqüentes viagens, sofri perigos de rios, perigos de ladrões, perigos dos da minha raça, perigos dos gentios, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias prolongadas, em fome e em sede, em freqüentes jejuns, no frio e na nudez. E além dessas coisas, que são exteriores, tenho os meus cuidados de cada dia: a preocupação por todas as igrejas. Quem desfalece que eu não desfaleça? Quem é escandalizado que eu não me abrase?17
Paulo centrou a sua vida no Senhor. Por isso, apesar de tudo o que padeceu por Cristo, poderá dizer no fim da sua vida, quando se encontrar quase sozinho e um pouco abandonado: Estou inundado de alegria em todas as minhas tribulações… A felicidade de Paulo, como a nossa, não consistiu na ausência de dificuldades, mas em ter encontrado Jesus e em tê-lo servido com todo o coração e com todas as forças.
Terminamos esta meditação com uma oração da liturgia da Missa: Ó Deus, que instruístes o mundo inteiro pela pregação do Apóstolo São Paulo, dai-nos, ao celebrarmos hoje a sua conversão, que caminhemos para Vós seguindo os seus exemplos, e sejamos no mundo testemunhas do Evangelho. Pedimos a nossa Mãe Santa Maria que nos ajude a não fugir a essas graças bem concretas que o Senhor nos concede para que, ao longo da vida, voltemos a começar uma vez e outra.
(1) 2 Tim 1, 12; 4, 8; Antífona de entrada da Missa do dia 25 de janeiro; (2) cfr. At 7, 60; (3) cfr. Santo Agostinho, Sermão 315; (4) At 9, 2; (5) At 8, 4; (6) At 9, 3-5; (7) At 22, 10; (8) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 238; (9) Gal 2, 20; Antífona da comunhão, ib.; (10) 1 Cor 15, 8-10; (11) São Bernardo, Primeiro sermão sobre a conversão de São Paulo, 1; (12) Santo Agostinho, Sobre a graça e o livre arbítrio, 5, 12; (13) Santa Teresa, Vida, 10; (14) Liturgia das Horas, Segunda leitura; São João Crisóstomo, Segunda homilia sobre os louvores de São Paulo; (15) Mc 16, 15; (16) João Paulo II, Homilia, 25-I-1987; (17) 2 Cor 11, 24-29; (18) Oração coleta, ib.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal